Mais do que fuga do desemprego, feiras dão liberdade e vida nova a comerciantes
O trabalho é pesado. Acordar de madrugada, dormir tarde, montar e desmontar barraca, produzir, limpar, embalar produto e ainda manter um bom relacionamento com os clientes. Apesar de todas dificuldades, ainda assim as feiras livres acabaram se tornando a alternativa de renda e possibilitaram vida nova para quem ficou desempregado em Campo Grande. Nas 49 […]
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O trabalho é pesado. Acordar de madrugada, dormir tarde, montar e desmontar barraca, produzir, limpar, embalar produto e ainda manter um bom relacionamento com os clientes. Apesar de todas dificuldades, ainda assim as feiras livres acabaram se tornando a alternativa de renda e possibilitaram vida nova para quem ficou desempregado em Campo Grande.
Nas 49 feiras atualmente cadastradas na Capital estão famílias, mulheres, jovens, idosos, homens e adolescentes que trabalham para garantir o sustento da casa. São praticamente seis dias da semana trabalhados e, para os feirantes, a nova profissão trouxe não só alternativa para a falta de renda, mas também a realização profissional. Conforme os trabalhadores, a renda mensal de um feirante gira em torno dos R$ 4 mil reais e “garante as contas pagas”, como disseram.
É unânime entre eles a preferência pela profissão. Segundo os feirantes a liberdade, a possibilidade de fazer amigos, as conversas e ser dono do próprio horário são as vantagens de estarem ali. Já a maior dificuldade enfrentada é a variação climática, já que nos períodos de frio e chuva eles seguem nos pontos, mas o movimento dos consumidores diminui consideravelmente.
Rotina puxada
O dia para eles começa antes mesmo do sol nascer, se o feirante não tem ponto em nenhuma feira de manhã, o período é usado para produzir e até mesmo adquirir produtos para garantir o menor preço ao cliente.
Há 15 anos trabalhando como feirante, Arionaldo José Lima, conhecido como Branco, conta que já trabalhou sete dias na semana – entre produção e comercialização dos produtos na feira 0 para tirar o sustento da família depois que perdeu o emprego. Ele que desde o começo vende queijos e doces, afirma que hoje optou por trabalhar menos, mas que já tem a clientela fiel.
“Depois de um tempo você já adquire os seus clientes fiéis. Aquele que só compra de você e o mesmo produto. Se não tiver não leva, volta depois. Eu já cheguei a fazer nove feiras por semana, acordando às 4h e indo dormir à meia noite. Minha esposa fica em casa lavando os tachos do doce, organizando as coisas para produzirmos e eu venho para a feira. Monto barraca e tudo sozinho”, conta.
Para Branco, a volta ao ‘mercado de trabalho’ não é mais uma opção desde que ele começou nas feiras. “Eu sou feliz aqui, não volto para o escritório não. A parte ruim é o tempo, frio, chuva, vento, a gente tem que estar aqui, mas o cliente não vem às vezes. Mas vender o nosso produto ver o freguês contente, ver seus colegas vendendo bem, aqui a gente faz muita amizade, ter aquele cliente fiel. Isso não tem preço”, ressaltou.
Já Abadio Armando de Oliveira, 64 anos, sempre trabalhou com vendas assim como o colega de feira, Francisco. Mas foi na barraca vendendo abóbora cabotiá e franco caipira que encontrou a realização.
“A feira complementa minha renda. Eu faço feira há 16 anos, não troco isso aqui por nada mais, enquanto eu aguentar vou continuar. Aqui a gente faz amigo, cria relacionamento. A dificuldade é o clima né, mas de resto, a gente é bem feliz”, disse.
Trabalho em família
Mesmo com o calor e o sol forte, Viviane Gonzalez de Oliveira, 32 anos, expõe o sorriso e a satisfação de estar ali na ‘lida’ ao lado do marido Max Souza, a filha mais velha Brenda Ketelen e a amiga Leila Elias Barbosa. Há oito anos, o casal viu na feira a chance no meio do desespero do desemprego e das contas chegando.
“A gente começou vendendo 10 melancias e algumas unidades de abacaxi numa porta velha que a gente colocou em cima de dois cavaletes, e estamos até hoje trabalhando. O desemprego trouxe a gente para cá e agora a gente é feliz. Um amigo nosso trabalhava na Ceasa e a gente começou num cantinho na feira do nosso bairro”, diz Viviane.
Além da Brenda, o casal tem mais dois filhos pequenos e garante que com o trabalho consegue sustentar a família. “A renda varia muito, a gente precisa trabalhar bastante. Não dá para viver com luxo, mas a gente paga as contas com o que a gente consegue nas feiras”, conta Max, enquanto arrumam a barraca.
A alegria da família é contagiante, receptivos eles contam que a barraca é conhecida como a barraca do brinde.
“A gente sempre dá alguma coisa para o cliente, nem que seja uma batatinha, ele vai sair daqui com um brinde. A gente gosta de estar aqui”, diz Viviane.
“O trabalho é puxado, acordar de madrugada para garantir um preço bom, e ainda não ser muito valorizado porque não somos grandes compradores, chega em casa corre para fazer almoço, limpar, embalar e descartar o que não pode ser comercializado, aí quando viu já deu a hora de vir para a feira. Mas a gente fica feliz, apesar dos calos nas mãos”, ressalta Viviane.
Para Brenda, trabalhar na feira com os pais é uma alternativa para desconectar um pouco. “Se eu ficar em casa vou ficar no celular, então aqui eu conheço gente. Converso com as pessoas e a ajudo eles, melhor do que ficar o tempo todo na internet”, destaca a adolescente que estuda no período da manhã.
‘Me sinto útil’
Há 8 anos Roseli Borges encontrou alívio nas feiras. Ao Jornal Midiamax ela contou que trabalhava em uma creche, mas começou a se sentir sobrecarregada e acabou pedindo demissão. “Eu cheguei a começar a faculdade de pedagogia, mas a cabeça ficou muito sobrecarregada. Acabei pedindo demissão. Aí comecei vendendo bolo de pote, comprei uma mesa branca e vendia na feira pedindo um espacinho no cantinho de um ponto”, explicou.
Após algum tempo assim, ela comprou um ponto e começou a vender salgado. “Comprei o ponto de uma senhorinha para vender salgados em todas as feiras. Mas depois de uns problemas pessoais comecei a vender chá”, explica.
“Trabalhar na feira fez eu me sentir realizada. Eu até penso em terminar minha faculdade, mas aqui a gente aprende todo dia uma coisa nova. Aqui você conhece gente. Ouve vários tipos de problemas e descobre que você nem tem tanto problema assim. Hoje eu trabalho em duas feiras todo dia, é puxado, monto barraca sozinha. Mas eu me sinto útil em ajudar”, desabafa.
‘Eu vendo amor’
Aposentado e realizado, Francisco Aparecido Demundo, 71 anos, trabalha como feirante há aproximadamente 15 anos e conta que a melhor coisa que fez foi trocar a loja de flores pela banca da feira.
“Meus filhos se formaram e foram trabalhar nas suas carreiras, e a loja ficou pesada para eu tocar sozinha, vendi e como eu produzo em casa acabei arrumando ponto e vim trabalhar na feira. Afinal, eu precisava continuar trabalhando para garantir o sustento” conta Francisco.
Fazendo 10 feiras na semana, e em algumas montando tudo sozinho, para Francisco o trabalho envolve sentimento. Durante a conversa uma cliente aparece, com simpatia ele atende e cede à pechincha. A cliente sai feliz e ele relata. “A gente não pode perder, mas sempre que dá a gente negocia com o cliente e todo mundo fica feliz”, destaca
“Não é só vender. Não é um comércio frio. Eu vendo sentimento. Não são só flores, eu vendo amor, felicidade. Você viu o sorriso no rosto da menina que acabou de sair daqui, esse é o poder das flores. Me sinto realizado”.
‘Criei meus filhos na feira’
Elizabeth Krammer, 65 anos, ao lado do filho Clayton Krammer, 33 anos, contou à reportagem que trabalhou 10 anos em um banco, mas foi na feira há 35 anos atrás que se realizou e criou os três filhos que hoje também atuam como feirantes.
Enquanto monta a barraca, Clayton relata que começou ajudando a mãe na feira aos 10 anos de idade e hoje não troca a liberdade de fazer o próprio horário, de ser dono do seu negócio por nada. Para ele atender os clientes com o produto fresco e ver a clientela fiel faz a diferença no dia a dia.
“Comecei com a minha mãe e fiquei. A liberdade que isso proporciona não tem igual. Nossa família foi criada assim, eu não troco isso aqui não”, relata.
Para Elizabeth, trocar o banco pela feira foi a melhor escolha. “No começo eu tinha 7 bancas, 21 funcionários. Hoje eu faço feiras livres de terça a sexta-feira e aos finais de semana faço eventos. A gente sobrevive e vive da feira. Criei os três filhos, dois fazem corretagem de dia e a noite vão para a feira e o outro vive só da feira. Amo o que faço”, conclui.
Dados
Em Campo Grande, segundo levantamento divulgado pela Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano), são 49 feiras realizadas de terça-feira a domingo, nos horários das 7h às 13h e das 16h às 22h. Uma média de 8 feiras por dia, sendo a maioria no sábado com 14 feiras livres atuantes.
A reportagem questionou a Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) de Campo Grande sobre o passo a passo do cadastro de feirantes e foi informada apenas de que as informações sobre cadastramento de feirantes podem ser obtidas na Central de Atendimento ao Cidadão, atendimento da Semadur na senha G.
Segundo a secretaria, o cadastro é único e o valor é de R$ 46,40 podendo o feirante perder o ponto com cinco faltas consecutivas, já o ponto tem o custo anual de R$ 120. Já o número de feirantes atualmente cadastrados na Capital não foi informado.
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