Há 20 anos em área ocupada, famílias temem ficar sem teto após ordem de despejo

Os moradores do Jardim Colorado receberam uma notícia desesperadora nesta semana. Alguns integrantes da comunidade foram intimados pela Justiça a deixar uma área que é ocupada por cerca de 400 famílias há quase 20 anos. A ordem de despejo chegou sem nenhum aviso, de acordo com os moradores. “Um dia disseram que a prefeitura viria […]

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Os moradores do Jardim Colorado receberam uma notícia desesperadora nesta semana. Alguns integrantes da comunidade foram intimados pela Justiça a deixar uma área que é ocupada por cerca de 400 famílias há quase 20 anos.

A ordem de despejo chegou sem nenhum aviso, de acordo com os moradores. “Um dia disseram que a prefeitura viria falar conosco, no outro a gente recebeu o despejo”, afirmaram.

O local, dividido em dois lados, a ‘quadra 1’ que visivelmente não está estruturada. Casas sem acesso a água e luz. Barracos de madeira, e acesso difícil para veículos. E a ‘quadra 2’, casas de alvenaria, água, luz, telefone e até mesmo coleta de lixo.

“Eu tenho um marido com problema cardíaco e renal crônico, faz tratamento. A gente nem tem água nem luz e agora vão tirar nossa casa”, disse Josefa Paiva Rodrigues, 57 anos, moradora da então chamada quadra 1, e vive com o marido, a filha, o genro e o neto, em uma casa dividida em duas partes para as duas famílias.

Já na chamada quadra 2, as moradias são estruturadas, segundo os moradores eles investiram tempo e dinheiro em construções e se instalaram ali para ficar com suas famílias. “Olha a estrutura dessas casas. Imagina o tempo que o cara demorou para construir isso aos poucos”, grita um morador enquanto conversamos.

“Nós não investimos aqui porque queríamos que o governo doasse algo. Nós investimos porque não temos onde morar, se quiserem e encontramos aqui um espaço para instalar nossas famílias. Fomos construindo aos poucos. Se a prefeitura quiser cobrar imposto a gente paga, mas colocar esse monte de gente para fora do dia para a noite, é muita sacanagem”, alegou Jorge Hudson Araujo, 26 anos.

Jorge mora com a esposa Cleiciane Almeida, 25 anos e duas filhas, uma de 8 e a outra de 3 anos. Segundo o casal, eles mudaram para o local há 6 anos e receberam um espaço de um dos vizinhos quando começaram a construir. À época Jorge trabalhava para a Solurb, mas ficou desempregado. Atualmente contam apenas com a renda da esposa que é auxiliar de manutenção.

“Nós investimos aqui porque queremos ficar. Nossas filhas estão na creche e na escola que é aqui perto. Não se muda uma vida assim do nada”, disse Cleiciane.

Há 16 anos residindo no local, o pedreiro Maicon de Souza, 24 anos, conta que mudou para lá com os pais. Depois de uns anos conheceu sua esposa e continuaram morando ali. “Eu morava com meus pais, mas aí eu casei. A gente dividiu o espaço ali e nós construímos nossa casa. Eu, minha esposa e meu filho de 1 ano e 4 meses. Eles não avisaram a gente. E ainda disseram que não tem obrigação de avisar todo mundo, se um sabe passa a informação para o outro”, contou.

“Moça, aqui tem desempregado, tem idoso, tem gestante, tem criança, tem gente doente, tem aposentado. Não pode pôr a gente para fora assim. Como que paga aluguel, água e luz desse jeito? ”, questionou um deles.

Os moradores, seguem temerosos com a situação, afinal,  o despejo que pode acontecer a qualquer momento. “A gente foi na defensoria, e a mulher disse que a patrola pode passar por cima de tudo a qualquer hora. Ela ainda perguntou, mas vocês ainda estão lá? É melhor sair rápido”, disse Marli Souza Silva, 46 anos.

Marli ainda contou que conheceu o marido, Ederaldo Alves do Amaral, 36 anos, e então foram morar no local. “A gente se conheceu e arrumaram um espaço para a gente morar aqui. Fomos construindo e ficamos. Aqui é assim né, quem tem mais espaço divide com quem está chegando e não tem onde morar”.

Para Iracema da Silva Costa, 43 anos, desempregada, o que mais a choca é o fato de terem água, luz, telefone e receberem correspondência. “Olha aqui, a gente tem água, luz, telefone, nunca criaram caso. Agora de repente enviam uma ordem de despejo? Nós recebemos notificação inclusive para regularizar nossa situação no correio para recebermos nossas correspondências, e agora vem dizer que vão pôr a gente para fora? ”, concluiu.

“O prefeito precisa ser uma pessoa sem amor no coração para colocar essas crianças na rua. Se o problema forem as árvores, ninguém tá desmatando nada. A gente tá preservando. Tamo até fazendo um bem, já que aqui não fica abandonado para bandido usar droga. ”, disse Jorge Hudson.

Defensoria

No final da manhã, desta quinta-feira (10), um grupo de moradores foi até a Defensoria Pública da União para entender a decisão e buscar ajuda. Na decisão, a Justiça determina a imediata reintegração de posse ‘ficando desde já autorizado o arrombamento e uso da força policial caso se faça necessário’. Segundo moradores, a justificativa seria de que a ocupação, localizada à beira do córrego Anhanduí, estaria poluindo o meio ambiente.

“Tem tanta poluição lá, tem o lixão, tem empresa de adubo que causa o maior fedor na região e nós é que estamos poluindo? Poluindo apenas por morar lá? Não somos uma favela, a comunidade existe há anos, as casas são todas de alvenaria”, reclama um dos moradores, preocupado com a possibilidade de deixar a casa onde mora.

Segundo os moradores, que se reuniram em frente à Defensoria Pública nesta quinta-feira (10), a orientação é que a população retire os pertences e deixe suas casas. A pensionista Zenilda Ferreira, de 72 anos, não se conforma em deixar a casa em que mora há 20 anos. Ainda em 1999, ela recebeu uma autorização de uso da Emha (Agência Municipal de Habitação). “Eu fui uma das primeiras a vir para cá. Fiz o meu barraco, construí a minha casa, é tudo fechadinho, tenho o meu quintal com a minha horta, ali é o meu lar”, lamenta.

A dona de casa Iracema Silva Costa, de 42 anos, mora com os três filhos e um tio no Jardim Colorado. A moradora reclama da falta de informação sobre a reintegração de posse. “Eles mandaram esta intimação para poucos de nós, mas nós somos 400 casas. Eu moro naquele lugar há nove anos, nunca nem soube que queriam nos tirar de lá. Viemos recorrer para saber o que a defensoria pode fazer por nós. Não queremos nada de graça, se nos deixarem ficar lá, podemos pagar parcelas pela nossa casa”, afirma.

Os moradores afirmam que a maioria das famílias possui cadastro na Emha. Assim como o drama de outras ocupações em Campo Grande, os moradores não tinham condições de pagar pelo aluguel quando decidiram ocupar a área pública. “Você acha que se nós pudéssemos, estaríamos nesta situação? A gente enfrentou a crise, muita gente nem tem emprego fixo, como vamos pagar aluguel ou financiar uma casa própria? O Minha Casa Minha Vida está muito acima do que podemos pagar”, diz Iracema.

 

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