Cerca de 100 profissionais de do Hospital Regional Rosa Pedrossian (HRMS) reuniram-se por volta de meio dia e meia desta segunda-feira (7) em ato simbólico em memória de Janaína Silva, enfermeira que trabalhava na unidade e que foi encontrada morte no último dia 2.

Porém, as lágrimas e orações por Janaína durante a manifestação também simbolizaram um pedido de socorro da categoria. Com cartazes nas mãos e trajando preto, a enfermagem do Hospital Regional vestiu o luto de uma categoria que também morre um pouco a cada colega que não suporta as pesadas condições de trabalho, assim como Janaína.

Para os profissionais, a jornada de trabalho exaustiva, baixa remuneração, acúmulo de trabalho e invisibilidade de quem atua na saúde resulta em graves problemas, sobretudo de ordem psicológica. Janaína foi descrita por colegas como profissional amável e dedicada. Com sorriso no rosto, ela esforçou-se para atender bem seus pacientes.

Em ato simbólico, enfermeiros choram a morte de Janaína e clamam por visibilidade
Enfermeira há 18 anos, Regina destaca que enfermeiros são invisibilizados (Foto: Marcos Ermínio | Midiamax)

“Mas, assim como a gente, ela também reclamava da exaustão, porque o que enfrentamos aqui é desumano. Ela sofria de depressão, assim como vários outros profissionais que atuam no hospital. Nós lidamos com a dor do outro, mas a nossa temos que esconder no bolso. Estamos vendo nossos amigos adoecerem e as instituições não veem esses sofrimentos”, aponta Regina Terra, de 41 anos, enfermeira há 18.

A declaração de Regina dilui-se com a dos demais profissionais e torna-se lugar-comum. Depoimentos que retratam jornadas de trabalho pesadas, seguidas de baixa remuneração, formam um livro de lamúrias de dores reais e de sofrimentos latentes.

Em ato simbólico, enfermeiros choram a morte de Janaína e clamam por visibilidade
Ao que tudo indica, a morte de Janaína incrementa uma estatística nebulosa de profissionais de saúde que se mataram (Foto: Reprodução | Instagram)

“A cada ano um profissional desse hospital comete suicídio. E a gente não quer que mais ninguém morra para que a gente passe a ser observado decentemente. Queremos ser vistos, ser assistidos. Estamos adoecendo, estamos morrendo”, declara a enfermeira.

Insensibilidade

A grande repercussão da morte de Janaína foi tratada pela categoria e pela imprensa como um sintoma das condições de trabalho massacrantes – não só na enfermagem, mas em diversos outros setores da saúde . Na última quinta-feira (3), o (Conselho Regional de Enfermagem de MS) emitiu nota de pesar pela perda de Janaína, que também denuncia a realidade da enfermagem em MS.

Em ato simbólico, enfermeiros choram a morte de Janaína e clamam por visibilidade
Colegas de luto se abraçam durante ato (Foto: Marcos Ermínio | Midiamax)

Mas, uma nota de solidariedade da direção do HRRS só circulou na manhã desta segunda, o que afetou a autoestima dos profissionais. Nos corredores, uma pergunta ecoou: afinal, qual o valor dos enfermeiros nos hospitais? Quantos mais precisam morrer para que as condições aviltantes de trabalho efetivamente mudem?

Informações coletadas pelo Jornal Midiamax revelam que suicídios entre profissionais de saúde, inclusive da enfermagem, são mais comuns do que se imagina. Somente no HRMS, foram quatro mortes nos últimos anos, uma delas no próprio hospital. Outros dados informais também reforçam suicídios de profissionais de saúde de outros hospitais, postos e pronto-socorros de Mato Grosso do Sul. Não há um levantamento formal ou acompanhamento desses episódios. O sistema de saúde é inerte com uma realidade jogada cada vez mais para baixo do tapete.

Em ato simbólico, enfermeiros choram a morte de Janaína e clamam por visibilidade
Em ato, enfermeiros também pediram respeito. (Foto: Marcos Ermínio | Midiamax)

Agrava o quadro a dificuldade que estes profissionais têm de cuidar da própria saúde, já que quem pega atestado perde adicionais que fazem a diferença na baixa remuneração. Logo, torna-se extramente comum que o próprio bem-estar seja vilipendiado, para que os lares não sejam afetados pela perda financeira.

“O problema de carga horária excessiva é nacional. A gente lida com pressão psicológica e física, o que acarreta em afastamento da família, falta de tempo para cuidar da própria saúde, além dos salários baixos. A gente se submete aos plantões por uma questão de sobrevivência. Só que a gente adoece! Em qualquer instituição que a gente trabalhe, a gente adoece”, declara Juliana Freitas, de 43 anos, enfermeira há 22.

Hospitais na ilegalidade

Presente no ato, o presidente do Coren-MS, Sebastião Junior Henrique Duarte, destacou que a categoria está mobilizada, sobretudo a partir do mais recente aumento das estatísticas de profissionais de enfermagem que se mataram.

Em ato simbólico, enfermeiros choram a morte de Janaína e clamam por visibilidade
O presidente do Coren-MS, Sebastião Junior (Foto: Marcos Ermínio | Midiamax)

“Agora estamos apontando algo que há muitos anos vem sendo discutido, mas que não tem tido providências. O número de profissionais aqui no Regional é muito reduzido para o que se recomenda. O hospital está na ilegalidade há muitos anos e, por isso, precisa de novo concurso para suprir essa mão de obra. Essa sobrecarga tem trazido uma série de consequências para os pacientes, para a economia do hospital e também para os profissionais”, declara.

Para ele, a questão transcende os . “São nossos direitos humanos que estão sendo desrespeitados. Essa dignidade só vem caso alguém judicialize a questão. Um retrato que temos da enfermagem, atualmente, é que hoje não temos mais profissionais que aposentam e continuam trabalhando. Eles se aposentam para cuidar das doenças que adquiriram ao longo dos anos, seja algo físico ou um transtorno mental. Isso está longe de ser um fato novo”, conclui.