O planeta celebra neste dia 28 de junho o Dia Internacional do Orgulho . A data remete aos primórdios da resistência LGBT enquanto comunidade, quando na mesma data, em 1969, um grupo de gays, lésbicas e transexuais reagiu heroicamente à violência policial em um bar chamado Stonewall Inn, localizado no Greenwich Village, em Nova Iorque.

De lá para cá, foram muitas conquistas. As lutas identitárias tornaram-se uma das bandeiras com maior visibilidade em todo o mundo e o movimento LGBT – também chamado de LGBTIQ+ – cristalizou-se como minoria que ativamente reivindica direitos humanos fundamentais, dentre eles, casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e reconhecimento de identidades trans.

Todavia, o Brasil continua sendo um dos países que mais mata LGBT e preconceito e discriminação estão longe de serem dizimados. Somente isso já coloca o cenário das lutas pela diversidade em desvantagem. Haveria, portanto, algo a comemorar neste 28 de junho? Quais são, afinal, as conquistas e, sobretudo, os desafios?

Políticas públicas

 

No Dia Internacional do Orgulho, quais são as conquistas e desafios dos LGBT em MS?
A travesti Cris Stefanny (Foto: Arquivo Midiamax)

Para os gestores Frank Rossatti, titular da Subsecretaria de Políticas Públicas LGBT, vinculada à Secc (Secretaria de Estado de Cultura e Cidadania), e para a travesti Cris Stefanny, que está à frente da Coordenadoria de Políticas Públicas LGBT (vinculada à Subsecretaria de Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria Municipal de Governo e Relações Institucionais), Mato Grosso do Sul sai na frente de muitos estados brasileiros por implementar departamentos governamentais dedicados ao desenvolvimento de políticas públicas LGBT.

No Dia Internacional do Orgulho, quais são as conquistas e desafios dos LGBT em MS?
Frank Rossati posa com Kaio, o primeiro homem trans do país a alterar o registro civil (Foto: Reprodução)

“No nosso Estado, o governo assumiu a pauta LGBT dando autonomia a nossa subsecretaria, o que permite com que a gente toque projetos importantes. Um deles é o Censo LGBT, que fará de MS o primeiro Estado a fazer um levantamento socioeconômico dessa população”, destaca Rossati, que também menciona a vitória em primeiro lugar de um edital nacional, que destinará R$ 225 mil para ações de mobilização em nove cidades da região da fronteira.

“A coordenadoria foi mantida nessa nova gestão, o que é uma grande conquista e possibilita um olhar direcionado aos LGBT de . De forma geral, a militância LGBT de MS conseguiu pautar nossas reivindicações enquanto política pública”, destaca Stefanny.

Alteração de registro sem necessidade de cirurgia

Mato Grosso do Sul foi o primeiro Estado a efetivamente por em prática a possibilidade de alteração do gênero e nome no registro civil, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). A estatística de quantas pessoas recorreram a este direito não é consolidada, mas é sabido que os cartórios de Campo Grande, pelo menos, desburocratizaram imediatamente a possibilidade de alteração de registro, que antes requeria que a pessoa trans tivesse feito cirurgia de redesignação de gênero ou vencido ação judicial.

No Dia Internacional do Orgulho, quais são as conquistas e desafios dos LGBT em MS?
(Foto: Reprodução)

Conselhos Deliberativo

O Conselho Estadual LGBT, que antes era meramente consultivo, ganhou autonomia e tornou-se deliberativo, ou seja, as entidades que dele participam tem autonomia para direcionar ações de políticas públicas da subsecretaria estadual. Já em Campo Grande, a criação de um conselho municipal continua sendo um desafio. Uma audiência pública, chancelada por pedido do MPE (Ministério Público Estadual), foi realizada neste mês. “O Conselho é a voz dessa população na administração pública, o que já ocorre na esfera estadual. Queremos que o município também conte com isso”, destaca Cris Stefanny.

Casamento Civil

No Dia Internacional do Orgulho, quais são as conquistas e desafios dos LGBT em MS?
(Foto: Reprodução)

Mato Grosso do Sul também foi um dos primeiros Estados a por em prática a resolução 175 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que proibiu cartórios de todo o país de se recusarem a registrar casamentos civis (ou converter uniões estáveis) entre pessoas do mesmo sexo.

O direito ao casamento homoafetivo ocorreu após decisão do STF, em maio de 2011, que reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar. De acordo com o levantamento mais recente dfo IBGE, em 2016 foram celebrados 32 casamentos entre gays e 74 entre lésbicas em Mato Grosso do Sul. Em 2015, foram 23 casamentos gays e 45 entre lésbicas. Segundo o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), em 2014 foram realizados 33 casamentos de pessoas do mesmo gênero.

Militância LGBT e apoio às ONG

Em Campo Grande, a ATMS (Associação de Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul) é uma das entidades pioneiras a encampar uma agenda LGBT. Responsável pela realização da Parada da Diversidade, que este ano acontecerá exatamente daqui a um mês, a entidade atravessa um momento difícil, devido à restrição de recursos para projetos de apoio às organizações não-governamentais em todo o país.

No Dia Internacional do Orgulho, quais são as conquistas e desafios dos LGBT em MS?
(Foto: Arquivo Midiamax)

“Os movimentos sofrem muito com a falta de apoio. A ATMS, por exemplo, está sem projetos que possam manter, está sem sede. Há apenas um escritório. O que está acontecendo é que na contramão de algumas conquistas, os movimentos sociais estão sofrendo um desmonte”, destaca Stefanny, que é ex-presidente da entidade.

Para ela, um desafio nesse quesito é manter a união da comunidade. “Um ponto de vista particular que tenho é que se estivéssemos unidos, teríamos representantes nas câmaras legislativas, o que é extremamente importante. Quando elegemos políticos que nos representam, tudo fui melhor, principalmente porque sofremos com muitos opositores nas cãmaras de vereadores, assembleias legislativas e no Congresso Nacional”, acrescenta a coordenadora.

HIV/AIDS

Um dos grandes estigmas da população LGBT é a Aids, a síndrome da imunodeficiência adquirida, causada pelo vírus HIV. Por décadas – e até hoje – a Aids foi utilizada como forma de desmerecimento e de discriminação dessa população, sobretudo contra gays, travestis e transexuais.

Dados do Ministério da Saúde que mostram o aumento de casos, em 2017, entre jovens HSH (homens que fazem sexo com homens) expõem a necessidade urgente de campanhas específicas para esse público. Em Campo Grande, de acordo com o Ministério da Saúde, 9,5% da população HSH é portadora do vírus.

Em relação a MS, os dados da SES (Secretaria Estadual de Saúde) são ainda mais alarmantes: houve um aumento de 45,3% no número de novos casos de HIV/AIDS em toda população LGBT em 2017, na comparação com 2016. Políticas públicas voltadas a essa parcela da população têm que ser implementadas para minimizar não só o alcance da síndrome, com também do preconceito.

No Dia Internacional do Orgulho, quais são as conquistas e desafios dos LGBT em MS?
(Foto: Reprodução)

Todavia, o mesmo levantamento mostrou diminuição de 32,3% nos óbitos relacionados a HIV/Aids comparado com 2016. Este resultado é possível graças ao avanço dos fármacos, antirretrovirais que combatem o vírus no organismo e que podem diminuir a carga viral a níveis indetectáveis, o que impede a transmissão. Os antirretrovirais têm distribuição gratuita em todo o Estado.

Além disso, Campo Grande está na iminência de ser inserida no programa PReP (profilaxia pré exposição), que consiste na distribuição gratuita do medicamento Truvada, um antirretroviral que deve ser tomado diariamente para a população-alvo, a fim de evitar a contaminação pelo vírus nas relações sexuais. Segundo a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), a distribuição da droga aguarda apenas normatização do Ministério da Saúde.

Violência ainda em alta

Os dados que revelam a violência a que a população LGBT é submetida ainda é alarmante. De acordo com o levantamento feito anualmente pelo GGB 9Grupo Gay da Bahia), uma das entidades decanas do movimento no Brasil, houve aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em 2017, em relação a 2016 – foram 445 mortes no ano passado contra 343 mortes registradas no ano anterior. É como se um LGBT fosse assassinado ou tivesse morte relacionada com a discriminação a cada 29 horas.

“Apesar das conquistas, o Brasil continua sendo líder na violência, principalmente contra as pessoas trans, na maioria negras e pardas. São dados vergonhosos e para completar não temos uma legislação que qualifique os crimes de ódio, aos moldes da lei do feminicídio, por exemplo”, destaca Cris Stefanny.