“Não conseguimos dormir”: Na iminência de um despejo, quase 500 famílias não têm para onde ir

A história das ocupações em Campo Grande é quase sempre a mesma. Sem condições de pagar aluguel e cansados de esperar por uma chance na fila de agências de habitação popular, famílias resolvem se juntar e ocupar um local abandonado. Foi assim que surgiu Samambaia, ocupação com 473 famílias que agonizam com a incerteza sobre […]

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A história das ocupações em Campo Grande é quase sempre a mesma. Sem condições de pagar aluguel e cansados de esperar por uma chance na fila de agências de habitação popular, famílias resolvem se juntar e ocupar um local abandonado. Foi assim que surgiu Samambaia, ocupação com 473 famílias que agonizam com a incerteza sobre o que pode acontecer nas próximas semanas.

Localizada na região do bairro Los Angeles, a comunidade tem muitas crianças e os pais ou estão desempregados ou vivem de ‘bicos’. A ocupação se formou há mais de dois anos, mas há quase uma semana, desembargadores decidiram no TJMS (Tribunal de Justiça) que a comunidade precisa deixar a área.

Segundo Rodrigo Gonçalves, um dos advogados dos moradores, o processo corre na Justiça e ainda não foi julgado, mas a liminar que permitia que as famílias continuassem morando no local não pôde ser mantida e caiu. “Ainda não tem uma data para a reintegração de posse acontecer, porque o processo ainda não acabou, mas acredito que ainda vai demorar uns 30 dias, mais ou menos. Infelizmente, os desembargadores não aceitaram e as famílias vão ter que sair”, disse ao Jornal Midiamax.

A decisão foi um choque para os moradores, que investiram tudo o que tinham nas casas, com a esperança de que a Prefeitura pudesse comprar a área e garantir a permanência das famílias no local. “A gente acreditou mesmo que eles iriam comprar esta área para nós. Não queremos nada de graça não, podemos pagar uma taxa todo mês, só queremos ter onde morar”, explica o morador Weverton Saraiva, de 29 anos.

O prefeito Marquinhos Trad (PSD) até disse que iria avaliar a desapropriação do local para que as famílias permaneçam morando lá, mas lei vigente da Emha (Agência Municipal de Habitação) impede que isso aconteça. Isso porque, a atual lei estabelece que as moradias são distribuídas por sorteio e as famílias que estão no local podem “furar fila” de quem já espera por casa própria. Desta forma, se Prefeitura Municipal comprasse, de fato, o terreno, as famílias ainda deveriam deixar o local.

“Nós não conseguimos dormir, pensando no que faremos daqui para frente. Acredito que não vão nos despejar este mês, mas com certeza será um Natal muito triste para todos nós”, lamenta Douglas Silva, de 26 anos, um dos líderes da comunidade.

“Não conseguimos dormir”: Na iminência de um despejo, quase 500 famílias não têm para onde ir
Douglas lamenta a situação vivida pelas famílias do Samambaia. (Foto: Marcos Ermínio)

Douglas explica que a ocupação tem muitas crianças e que a maioria não tem onde ficar após o despejo. “Eu, por exemplo, tenho uma mulher e um filho de sete meses. Vou pra onde? O que a gente queria é alguém que olhasse por nós”.

A família de Keila Regina da Silva, de 36 anos, é um retrato da vulnerabilidade dos moradores do Samambaia. Mãe de sete filhos, ela trabalha com reciclagem e, nos dias de sorte, tira uma renda de R$25. Assim como a maioria dos homens da comunidade, o marido faz bicos com ‘o que aparece’, como ela mesmo diz. “A renda fixa que a gente tem é o Bolsa Família e o Vale Renda. Se não fosse essa ajuda, nem sei o que seria de nós”, conta.

“Não conseguimos dormir”: Na iminência de um despejo, quase 500 famílias não têm para onde ir
As vizinhas Keila e Cristina se mudaram ‘juntas’ para a ocupação com suas crianças e maridos. (Foto: Marcos Ermínio)

Keila e Cristiane Teixeira, de 26 anos, são amigas antes mesmo da ocupação surgir. Vizinhas ainda quando moravam de aluguel, as duas famílias resolveram de mudar para o Samambaia na esperança de dias melhores. “Não conseguíamos pagar o aluguel, custa R$ 400 uma peça só. Imagine só como iríamos pagar isso, mal temos para o básico”, explica a mãe de três filhos pequenos.

“Não conseguimos dormir”: Na iminência de um despejo, quase 500 famílias não têm para onde ir
Gilberto luta para que as famílias continuem unidas. (Foto: Marcos Ermínio)

O motoboy Gilberto Cândido, de 46 anos, diz que a comunidade deve enfrentar as dificuldades, apesar do medo do despejo. Para ele, o importante é que as famílias continuem como sempre foram, unidas. “Estamos sempre ajudando uns aos outros. Se um não tem mistura ou arroz, a gente faz questão de ajudar os vizinhos. Eu e minha esposa arrecadamos doações e toda semana fazemos um café da manhã para as crianças que moram aqui. Isso aqui não é mais uma invasão como eles falam, já somos um bairro”, ressalta.

“Não conseguimos dormir”: Na iminência de um despejo, quase 500 famílias não têm para onde ir
Na comunidade, o acesso à água e esgoto é precário. (Foto: Marcos Ermínio)

Morar no Samambaia não é sinônimo de mil maravilhas. A rede elétrica foi instalada no local há pouco mais de um ano e as famílias utilizam a água de poço, que às vezes causa diarreia nas crianças. “O nosso problema é que o poço fica do lado da fossa nas casas, mas vamos fazer o que? Às vezes as crianças passam mal, aí vamos até o mercado para comprar água mineral, só pra beber mesmo”, diz Douglas.

Apesar das dificuldades, os moradores se dizem felizes no local e relutam em sair. Gilberto diz que só sai do local quando as patrolas chegarem. “Eu gosto muito de morar aqui, tudo que a gente queria é ficar, ter essa moradia digna. Não queremos confusão, nem tirar o que não é nosso, só queremos um lugar pra morar com nossas famílias”.

“Não conseguimos dormir”: Na iminência de um despejo, quase 500 famílias não têm para onde ir
473 famílias moram no local. (Foto: Marcos Ermínio)

A ocupação

A área foi ocupada em 2016 e tem cerca de 18 hectares e fica nas localidades da Avenida dos Cafezais, no Bairro Los Angeles, onde funcionou o clube Samambaia, entre os anos de 1980 e 2005. Os ocupantes alegam ociosidade do terreno e reivindicam a posse da área para construção de casas.

Moradores alegam que o terreno foi escolhido porque estava abandonado há vários anos, e servia apenas de esconderijo de bandidos e ‘desova’ de corpos. As famílias afirmam que, com a invasão, pretendem chamar a atenção para a distribuição de casas populares, que segundo eles nem sempre beneficia quem mais precisa.

De acordo com a Agehab (Agência de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul), os dados sobre o déficit habitacional no estado são antigos. Ainda em 2010, 86 mil pessoas não tinham onde morar em Mato Grosso do Sul. Não há um levantamento sobre áreas ocupadas ou invadidas no estado. O Jornal Midiamax solicitou informações à Emha (Agência Municipal de Habitação) ainda na quinta-feira (29), que não respondeu ao pedido.

(Colaborou Mariane Chianezi)

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