Chuva intensa, que formou corredeiras nas ruas da cidade. A água transbordou córregos, arrancou asfalto, quebrou muros, derrubou árvores e engoliu carros. O temporal foi tão forte que abriu uma cratera na Avenida Ricardo Brandão, próximo ao viaduto da Rua Ceará.

Este foi o cenário encontrado em 28 de fevereiro de 2010, quando uma das mais fortes enxurradas em território urbano ocorreu na Capital. Tão assustador quanto a ocorrida na tarde da quarta-feira (4), oito anos e meio depois.
Bem antes disso, a Avenida Ricardo Brandão e, sobretudo, sua continuação – a Fernando Correia da Costa, já eram pontos críticos da cidade. Naqueles trechos, alagamentos eram constantes, em parte porque parte do curso das águas da cidade passa por ali, no Córrego Prosa, até encontrar-se com o Córrego Segredo e formar o único rio da cidade, o Anhanduí.
Episódios como o de quarta, portanto, estão longe de ser novidade. E a resposta para as causas mora justamente nas políticas públicas. Isso porque já é de amplo conhecimento que a topografia da cidade, a impermeabilização de solos e a insuficiente preservação em matas ciliares contribuem para que alagamentos e prejuízos ocorram.
É daí que emerge o questionamento: se a causa dos problemas é conhecida, por que, mesmo com tanto investimento esses problemas decorrentes da drenagem urbana voltam a acontecer?
Infraestrutura, manutenção e políticas públicas
Em relação às possibilidades urbanísticas de conter enchentes, as questões físicas e climáticas, embora complexas, podem ser minimamente controladas por meio de estudos que calculam vazão das águas em situações emergenciais e que possibilitam construir uma bacia de contribuição – o entorno da margem dos córregos – que acolha aumentos repentinos no leito de rios e córregos sem causar alagamentos.

Além disso, outros aspectos urbanísticos como permeabilidade do solo e coeficiente de ocupação em terrenos estão bastante relacionados aos alagamentos: quando em uma casa, por exemplo, as áreas externas são concretadas, não há drenagem de água pluvial para o lençol freático. Com isso, a quantidade de águas nas ruas e calçadas aumenta.
“Basicamente estamos falando de políticas públicas que precisam ser discutidas e aprofundadas. O Plano Diretor é o documento fundamental para estabelecer essas medidas. É preciso pensar na cidade como um todo, porque o quintal concretado de uma casa em um determinado bairro pode contribuir para o alagamento de outro bem distante dali”, conta o arquiteto e urbanista Valter Cortêz, que já foi diretor-presidente do Planurb (Agência Municipal De Meio Ambiente e Planejamento Urbano).
Segundo Cortêz, a grosso modo, o rigor técnico e as discussões com os demais aspectos da cidade precisam ser perenes. “É isso o que prevê um Plano Diretor. São ações contínuas, planejamentos, nos quais essas questões são discutidas sem subterfúgios. A questão das áreas permeáveis, por exemplo, precisa ser mais discutida. As pessoas precisam entender que há consequências e o Poder Público precisa fiscalizar”, acrescenta.
Cada vez mais concretada e asfaltada, Campo Grande tem regras claras sobre permeabilidade, que variam de acordo com as zonas urbanas. No Centro, por exemplo, a taxa de ocupação dos imóveis pode chegar a 100% do lote, o que influencia na área de permeabilidade. “Por isso, a importância de construir e dar a correta manutenção em canais de drenagem pluvial, como galerias e bocas-de-lobo”, comenta Cortêz.
Passado de obras
Diversas obras executadas ao longo do Córrego Prosa melhoraram significativamente os problemas de drenagem de águas pluviais. A principal delas foi canalizar o córrego, na Fernando Correia da Costa, na década de 1990, que pôs fim aos alagamentos constantes na região mais baixa da avenida.

Como em 2010 a força das águas voltou a causar prejuízos (dentre eles, a cratera na Avenida Ricardo Brandão, próximo ao pontilhão da Ceará), novas grandes intervenções urbanísticas emergenciais foram executadas: uma nova canalização do Córrego Prosa, que contou com reordenamento viário da Avenida Ricardo Brandão, e implantação de um sistema de controle de enchentes.
Uma barragem de modelo “Dual Time” no Córrego Sóter, a fim de diminuir a vazão das águas que desaguam no Prosa, também foi colocada. O custo total, na época, foi de cerca de R$ 20 milhões, liberados emergencialmente pelo Ministério da Integração Nacional.
Apesar da região ter alagado novamente na quarta-feira, os prejuízos foram bem menores que os ocorridos anteriormente. A região mais castigada, desta vez, foi o entorno do bairro Monte Castelo, onde há outro córrego, o Segredo.
Durante coletiva realizada na manhã desta quinta-feira (4), titular da Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos), Rudi Fiorese, destacou que a Prefeitura realiza a manutenção preventiva do sistema de drenagem pluvial da cidade.
Segundo ele, fatores que contribuíram para os prejuízos no bairro Monte Castelo – o mais afetado pela tempestade – foram restos de árvores e de construções. Isso porque a região é ponto de expansão imobiliária, no qual diversos prédios estão em edificação.

“Não recolheram as árvores, o que aconteceu é que as árvores foram arrastadas para o córrego e tamparam a canaleta por onde a água deveria passar. Assim, a água passou por cima e foi um dos fatores que levou a região a ser castigada pelas chuvas”, explicou o secretário.

Já na Via Parque, região onde está o córrego Sóter, a piscina de contenção construída após 2010 não suportou o volume de água e a via alagou, afetando diversos carros que passavam por ali.
Fiorese destacou, também, que uma nova piscina de contenção será feita pela Prefeitura, desta vez, na região da Avenida Mato Grosso com a Via Parque. O desassoreamento do lago do Parque das Nações Indígenas também deve ser realizado pelo Governo do Estado. Enquanto isso, equipes da Solurb limpam as vias da capital e a Prefeitura tenta recuperar os estragos. Porém, vale lembrar, as chuvas mal começaram.