A violência de gênero contra as mulheres está sendo discutida em simpósio realizado na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Os debates têm entre os temas, a violência doméstica, o feminicídio, violência sexual, de gênero, identidade entre outros. Na primeira rodada de debates, as especialistas apontaram que a naturalização da violência faz com que as mulheres sejam apontadas como culpadas pela violência – que são as verdadeiras vítimas.

Entre os casos recentes que a situação foi explicitada, está o estupro de uma estudante da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), em um trote no começo do ano. O caso –está em investigação pela Polícia Civil e, além da estudante de 17 anos, ter sido vítima do crime de estupro, foi difamada em grupos de WhatsApp e no Facebook.

Segundo informações do delegado responsável pelo caso, ao Jornal Midiamax na última quarta-feira (4), a vítima continua a ser alvo de bullying na internet. Para a juíza da 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Mato Grosso do Sul, Jacqueline Machado, a naturalização da violência faz com que a mulher seja apontada como culpada.

Estupro na UFGD é caso clássico de machistas culpando a vítima
Juíza da 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Mato Grosso do Sul, Jacqueline Machado. (Foto: Marcos Ermínio)

“É a naturalização que a violência contra a mulher é de culpa da própria mulher. Porque todas as violências que a gente [mulheres] sofre, é culpa da mulher e isso não muda na universidade, que queríamos que fosse um ambiente mais aberto nessa questão de entender que a vítima nunca é a culpada por esse crime que ela sofreu”, diz a juíza.

Explicando o que para algumas pessoas é o obvio, mas, que muitos ainda insistem em criar justificativas para crimes de estupro, como as roupas da vítima, Jacqueline afirma que não há justificativa para uma mulher ser estuprada.

Os homens saem sem camisa na rua e a gente não agarra os homens. Precisamos entender que não é porque uma mulher está com uma roupa curta, que ela merece ser estuprada. Não podemos achar que por que ela bebeu, que alguém tem o direito de violar o corpo dela. É um absurdo que ainda hoje, no século 21, ouvir esse tipo de comentário, que a estudante é culpada pelo estupro sofrido, porque bebeu”, afirma a juíza.

Violência invisível

As especialistas que participaram do debate “Violência doméstica enquanto fenômeno social” apontaram que a violência de gênero é invisibilizada (torna-se invisível) e tratada dentro de uma esfera privada – como se fosse algo isolado dentro de casa, mas, que é necessário ser pensada como um fenômeno social fruto de uma “conjuntura de ódio” e que está “matando a identidade de gênero”.

Para Aparecida Gonçalves, presidente da Xaraes Consultoria e que já foi secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, para lidar a violência de gênero é “necessário repensar as estratégias na sociedade e trabalhar de pessoa a pessoa, tratando a violência como um fenômeno social”.

Estupro na UFGD é caso clássico de machistas culpando a vítima
Aparecida Gonçalves, presidente da Xaraes Consultoria. (Foto: Marcos Ermínio)

Outro fato apontado por Aparecida para a invisibilização da violência de gênero é a falta de dados. Ela explica que os dados da violência contra a mulher não são tão acessíveis e não formam um único banco de dados e, com isso, o ‘retrato da violência de gênero’ é realizado com base em pesquisas feitas por institutos.

Aparecida e as outras especialistas ressaltam que é necessário intervir em briga de marido e mulher, ao contrário do que diz o ditado “briga de marido e mulher, não mete a colher”, para evitar tragédias.

Para a juíza da 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Mato Grosso do Sul, a violência contra à mulher ocorre todos os dias e é naturalizada. “É necessário acabar com essa naturalização de que a masculinidade significa dominação e a feminilidade está ligada à passividade. Jacqueline cita também que é necessário “dar os nomes”, nos casos de violência de gênero para o crime tenha visibilidade.

“É necessário abordar gênero nas escolas, desconstruir padrões para que as pessoas possam ter direitos e respeitar a diversidade. Parar de aceitar ideias que gênero é questão ideológica e que todo mundo vai querer mudar de gênero”, diz a juíza.

A magistrada ainda aponta que no cenário atual, há “retrocesso de direitos”. Toda vez que existe uma crise, os primeiros direitos reduzidos são os nossos [das mulheres]. Não podemos achar que já conquistamos muito.

A professora de psicologia Zaira Andrade Lopes destacou o caráter de processo social da violência, não aceitando a tese que a violência parte de um caráter biológico. Sendo assim, a violência de gênero deve ser tratada como um processo social. “É preciso criar esses espaços para a sociedade construa novas tomadas de consciência”.

Estupro na UFGD é caso clássico de machistas culpando a vítima
Simpósio discute violência contra a mulher. (Foto: Marcos Ermínio)

Simpósio

O simpósio é realizado nesta quinta-feira (5) e sexta-feira (6), no Complexo Multiuso da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). A iniciativa é do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por meio da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar de MS.

Os dois dias de trabalho serão divididos em temas: Violência doméstica enquanto fenômeno social; Feminicídio; Mulheres encarceradas; Violência contra meninas adolescentes; Corpo, gênero e identidade; Violência sexual: um diálogo entre o Direito e a neurociência; Mulheres e a Mídia. O evento contará com representantes da magistratura e do Poder Judiciário; da ONU – Mulher Brasil; da Casa da Mulher Brasileira; de instituições de ensino; e de movimentos e grupos que tratam do assunto.