18 mulheres se apoiam para exercer a maternidade atrás das grades
Em Campo Grande, são dois bebês vivendo no presídio
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Muitas pessoas que passam pelo lado de fora do Estabelecimento Penal Feminino Irmã Zorzi, no Bairro Coronel Antonino, em Campo Grande, podem não imaginar, mas, por trás dos portões cinza, há uma ala com paredes alaranjadas e enfeitadas com desenhos da Turma da Mônica. A creche é local onde as internas exercem o papel de mãe: cuidam, amamentam, brincam e acompanham de perto o desenvolvimento dos filhos que nasceram em um dos momentos mais difíceis de suas vidas.
– Uma ajuda a outra. Passa a experiência para quem é mãe de primeira viagem e assim vai.
Carla* 26 anos, mãe de uma menina 7 meses e que cumpre pena de 18 anos.
Neste mês, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) passou a disponibilizar o acesso público aos dados do cadastro de grávidas e lactantes presas, em todos os estados da federação. O sistema informa que, em março de 2018, havia 514 presas gestantes ou amamentando em unidades penitenciárias do País: 308 mulheres estão grávidas e 206 são lactantes. Em Mato Grosso do Sul são seis gestantes e 12 lactantes encarceradas.
Em Campo Grande, no Irmã Zorzi, presídio de segurança média, destinado à presas que cumprem pena em regime fechado, são três grávidas e duas lactantes. O número é reduzido em virtude do habeas corpus coletivo do STF (Supremo Tribunal Federal) para presas grávidas e mães de filhos menores de 12 anos, que ainda não foram condenadas. Com a decisão, entre quatro e cinco presas que se enquadravam na situação saíram da unidade.
O Jornal Midiamax esteve no Irmã Zorzi, no dia 18 de março, e conversou com as duas detentas que tiveram seus filhos na unidade. Segundo a diretora em substituição Erenia Ramona Mareco, entre as três gestantes, uma já estava na maternidade e as outras duas, em período de confirmação.
Segundo a diretora, quando uma gestante chega ao presídio, ela pode informar que está grávida. Imediatamente, ela fica em uma ala separada e pode confirmar a situação com a família trazendo os exames. Caso contrário, ela permanece separada até que os exames sejam realizados e a suspeita confirmada. As duas gestantes da unidade estão nesta situação.
Segundo Erenia, os bebês permanecem com as mães na unidade até aproximadamente um ano. “Eles ficam até quase um ano. Porque não tem como você tirar a criança da mãe, se não tem para onde mandá-la. Quando tem família aqui, a criança vai saindo todo fim de semana até se adaptar com a família e passa a ficar com o pai ou avó”, explica.
A diretora ainda garante que não há casos em que as crianças são encaminhadas para abrigos. “Sempre tem uma família. Já tivemos uma interna que veio do nordeste. Temos assistente social que faz a busca e acha. Compramos a passagem e a criança foi para a mãe [avó materna] e depois, ela [detenta] saiu compramos a passagem”, acrescenta Erenia.
Rotina na prisão
O que é o mais difícil aqui dentro?
– Tudo. Tudo. Absolutamente tudo. O que tenho para falar é para não ir em más companhias. Que a experiência aqui não é boa. É muito difícil aqui dentro. *Carla
Presa desde o ano passado e com uma pena de 18 anos, Carla*, 26 anos, cuida da filha de sete meses dentro do Irmã Zorzi. Ela já é mãe de um menino de 7 anos, que vive com o pai e a avó. Ela descobriu que estava grávida duas semanas após chegar ao estabelecimento penal e afirma que não estava esperando.
“Foi uma surpresa, porque não estava planejando. Não passava pela minha cabeça que estava grávida. Achava que era nervosismo e depois de duas semanas, pediram para fazer o exame e descobri que estava grávida. Quando eu soube, achei que ia sofrer mais ainda aqui dentro”, relembra.
Durante a gestação, Carla diz que foi tudo tranquilo em termos médicos e que passou por acompanhamento psicológico. “Pedi muita força a Deus. Aqui depende de escolta. Se está na rua [em uma gestação foram do presídio], sente alguma coisinha, pega a vai [ao médico], aqui não dá para fazer isso”, comenta.
Antes das mudanças promovidas pelo CNJ, as mães com bebês maiores, como ela, tinham uma rotina bem parecida com a de um berçário. Carla levava a filha de manhã e voltava a cada três horas para amamentar. “Agora eu fico o dia inteiro com ela. A gente saí duas e meia, três horas. Dorme comigo e fica o dia inteiro comigo”.
Aos sete meses, a filha de Carla tem desenvolvimento normal para a idade. Além de ainda ser amamentada no peito, já come papinha. Mas, o futuro ainda é incerto para mãe e filha. Carla lamenta o habeas corpus coletivo do STF não ter nenhum efeito para quem já foi julgada e condenada.
“Eu não sei como vai ficar. Não sei o que Deus está preparando, essa lei não ajuda muito a gente. Muitas [detentas] que não tem residência fixa, eles mandaram para casa. A gente que tem residência fixa e é condenada, não recebe nenhum benefício”, comenta.
-Tudo, tudo. Não tem nem como falar o que é mais difícil aqui.
Rosa*, 22 anos.
Rosa também diz que não tem como definir o que é mais difícil na vida de uma mãe dentro da prisão. Ela é mãe de primeira viagem e tem um bebê de apenas 2 semanas. Foi presa por tráfico de drogas e já cumpriu quase quatro anos do total de uma pena de oito.
Ao contrário de Carla, ela não chegou gestante ao presídio. Ela engravidou do marido enquanto já estava presa. O bebê e a mãe passam o dia inteiro juntos, no alojamento da unidade destinado às gestantes e lactantes.
“Estava com 3 anos e quatro meses quando engravidei. Engravidei aqui dentro, porque tem visita íntima. Mas foi totalmente inesperado. Eu achava que nem mãe poderia ser. O médico já havia me desenganado. Fiquei desesperada, por estar dentro deste lugar, mas também fiquei muito feliz”, conta a interna.
Banco de dados do CNJ
O banco de informações criado pelo CNJ, segue determinação da presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça ministra Cármen Lúcia. A medida confere maior transparência em relação a essa informação e permite que o Judiciário conheça e acompanhe, continuamente, não só a situação dessas mulheres, mas também a de seus filhos.
No cadastro não consta o número de mulheres gestantes ou lactantes que cumprem prisão domiciliar, tendo em vista que elas não estão custodiadas no sistema prisional.
O banco é alimentado pelos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs), criados conforme Resolução 96/2009 do CNJ e vinculados aos tribunais da Justiça Estadual. Os Estados têm até o 5º dia útil do mês corrente para lançar as informações, apuradas no mês anterior.
Cenário do encarceramento feminino no Brasil
Entre 2000 e 2014 a população penitenciária feminina no Brasil subiu de 5.601 para 37.380 detentas, crescimento de 567% em 15 anos. A taxa é superior ao crescimento geral da população penitenciária, que teve aumento de 119% no mesmo período, segundo relatório do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) Mulheres.
A maior parte das mulheres são presas pelo crime de narcotráfico dando origem à superlotação nos estabelecimentos penitenciários, que muitas vezes, tem condições precárias para que as detentas cumpram a pena definida em lei e passem por ressocialização.
Parte destas mulheres, que são presas, chegam aos estabelecimentos penais grávidas ou lactantes e possuem direitos como tais. Entretanto, ao longo dos anos, estas mulheres e seus filhos tiveram seus direitos desrespeitados com más condições e violações. Os direitos das mulheres infratoras são garantidos e reconhecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) nas Regras de Bangkok.
O documento foi elaborado em 2010, com participação ativa do Brasil, mas, só foi traduzido para a língua portuguesa em 2016. A tradução é apontada pelos especialistas como fundamental na aplicação das regras.
HC coletivo a gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente
A população carcerária no Brasil é composta, em grande parte, de presos que ainda não foram julgados, tanto entre os homens quanto entre as mulheres.
Para lidar com esse cenário, em 20 de fevereiro deste ano, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC 143641) coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Segundo as entidades de Direitos Humanos, a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, tira delas o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante.
“Transferência” da pena de mãe para filhos
Para a advogada Iara Gonçalves Carrilho, especialista em Ciências Criminais e autora do livro Violência de Gênero Além das Grades, mesmo nos estabelecimentos prisionais exclusivamente femininos, pela questão estrutural da falta de representatividade feminina nos espaços de comando, legislação, planejamento e direção, falta muita sensibilidade de gênero às instituições brasileiras.
“ No cenário de violações sistemáticas a direitos fundamentais, a realidade carcerária no Brasil, de uma maneira geral, não propicia um ambiente que resguarde o direito à saúde materna. Assim, a gravidez sob custódia torna-se uma gravidez de risco. O quadro se agrava tendo em vista que, em muitos casos, há deficiência nos cuidados pré e pós-natal. Somente em 2017, por exemplo, com a promulgação da Lei nº 13.434, a utilização de algemas durante o trabalho parto foi proibida. O que acaba acontecendo é a situação de “transferência” da pena das mães para os filhos e isso é inadmissível no nosso ordenamento”, explica.
Para a advogada, é preciso considerar que é de extrema importância o convívio entre mãe e filho nesse primeiro estágio de desenvolvimento, e essa importância é reconhecida na legislação. “A Lei de Execução Penal resguarda esse direito e estabelece que, caso esteja presas, as mulheres poderão cuidar de seus filhos e amamentá-los, no mínimo, até que atinjam os 6 meses, além de prever que os estabelecimentos prisionais deverão ser dotados de creches para abrigar crianças até sete anos, caso a única responsável seja a pessoa presa. A avaliação da permanência ou não em uma unidade prisional deve ser feita sempre tendo em conta o melhor interesse da criança diante da realidade das condições desses estabelecimentos”, explica.
A advogada analisa a decisão do STF, com relação ao habeas corpus, é importante, porém, gerou dúvidas e comentários de que “todas as grávidas seriam liberadas e sem critérios”. “Por questões processuais, ainda há muita dúvida de que as mulheres vão mesmo ter essa garantia da prisão domiciliar, como estabelecem as diretrizes internacionais e legais, pois, o voto do relator estabeleceu que em caso de descumprimento da ordem, cabe recurso, e não reclamação constitucional. No conjunto, na prática, ao que parece, os juízes que substituíam já a preventiva por domiciliar (que é uma permissiva legal já desde 2016), continuarão a substituir e quem não o fazia, continua a ter bastante discricionariedade para não fazê-lo. A expectativa é que pode ser que as coisas não mudem muito e mesmo quem deveria usufruir do direito não tenha a chance”, explica Carrilho.
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