Presídio de Segurança Máxima. No imaginário de quem sequer passou pela frente de um local como este, é possível que venha à mente a imagem de homens vestidos com uniformes listrados, bolas de ferro presas aos tornozelos e o arrastar das correntes pelos corredores. Mas, além das grades, das celas, das sentenças, o que prende os homens que ali habitam é outra máxima: bandido bom é bandido morto.

Nunca se ouviu tanto esta frase como nos últimos tempos no Brasil. O conceito se propaga com facilidade nas redes sociais, aparentemente terra sem lei e de discursos rasos muitas vezes. Desejar a morte de alguém não é quase o mesmo que se igualar ao ser humano que ceifa a vida do outro? Seja como for, alguns têm morrido, para a tristeza dos extremos, não literalmente.

É isso que ocorre do lado de dentro do Presídio de Segurança Máxima Jair Ferreira de Carvalho, localizado no bairro Noroeste em , pelo menos para 300 dos 2.400 mil presos no complexo. Não, ninguém está doente ou prestes a morrer, mas, sim, a quem sabe nascer de novo.

Com superlotação, detentos veem no trabalho a chance de reconstruir a própria história
Mauro vai para o semiaberto ainda este ano (Cleber Gellio/Midiamax)

“Se todos os meus filhos forem policiais, delegados, eu serei o pai mais feliz da terra”. A fala é de um detento que cumpre pena na Máxima. Mauro Sérgio de Oliveira tem 40 anos e há 11 está privado de liberdade. Condenado por homicídio e tráfico, diz com clareza que se orgulharia dos três filhos se seguissem carreira na polícia.

A postura, conta ele, veio do tempo em que passa refletindo enquanto trabalha na marcenaria do complexo penitenciário, na qual está há um ano e oito meses. Ele faz parte do quadro de funcionários de uma empresa que terceiriza a mão-de-obra carcerária. Ganha um salário mínimo que, um quarto fica para o próprio sistema prisional. Equipe com quatro detentos tem meta de entregar de 40 a 50 camas por semana, entre itens para solteiro, casal, beliche e box.

Nascido em Maringá (PR) e casado há 15 anos, Mauro conta que já atuava na área da marcenaria antes de ser preso e que, agora, consegue pensar na vida que quer para além dos portões que o prende. “Parece batido, mas o crime realmente não compensa e trabalhar é a oportunidade que a gente tem para refletir sobre isso”.

Hoje ao saber do noticiário, conta, tem consciência do medo que causava às pessoas antes da prisão, pois é o mesmo que sente quando pensa nos filhos aqui do lado de fora. “Por isso eu quero o melhor para eles, que são educados, sempre fecham as notas do terceiro bimestre e vão ter um futuro diferente do meu”.

Atualmente dos poucos mais de 2,4 mil detentos que estão na Máxima, cerca de 300 trabalham ou estudam lá dentro. Quem opta por pegar no batente tem um dia de remição a cada três de pena. Quem estuda tem um a cada cinco. O atrativo, porém, não se resume a sair mais rápido do local, que tem capacidade real para abrigar 650 homens.

Com superlotação, detentos veem no trabalho a chance de reconstruir a própria história
Há três anos Ezequiel produz brinquedos de madeira (Cleber Gellio/Midiamax)

Ezequiel Guimarães, 31 anos, é tatuador e pintor e está há três anos no projeto que fabrica brinquedos de madeira para doação aos Ceinfs (Centro de Educação Infantil). Preso há sete anos e com perspectiva de ir para o semiaberto em 2020, ele se recorda que não teve acesso a brinquedos, iguais aos que constrói, quando criança.

Dentro da realidade de quem paga pelo preço de ter extinto uma vida, ele espera que o acesso aos brinquedos afaste as crianças que os recebem do caminho que seguiu até antes de ser preso. Apaixonado por desenhar, Ezequiel transferiu para a madeira a vontade de ter novamente a liberdade que não soube dosar quando cometeu o homicídio pelo qual foi condenado.

Confessa que o tempo que passa talhando os carrinhos, faz a cabeça ir longe, mas não tão distante dos planos que tem para quando estiver livre. “Quando eu sair daqui vou montar um estúdio”. Um dos primeiros a fazer parte do projeto, Ezequiel repassa o que sabe aos novatos e é sincero ao falar do trabalho. “Também aqui só trabalha quem quer trabalhar mesmo. A produção é muita e é cobrada pelos agentes. Não dá para vir aqui matar tempo e para mim já deu, quero recomeçar”.

Aos 28 anos, Samuel Machado, que trabalhava na área da construção civil, está preso pela segunda vez. Aos 20 foi condenado por assalto. Conseguiu ir para o semiaberto, mas passados 11 meses, ‘caiu' novamente. Foi pego no tráfico de drogas e, agora, está encarcerado há quase quatro anos e tem mais sete de condenação pela frente.

Pelos vãos da grade, observa o cotidiano dentro do presídio, quando não está produzindo brinquedos com fios de linha para crochê. A habilidade foi desenvolvida lá dentro da Máxima e os itens são tecidos ‘de olho'. Samuel vê o desenho impresso e coloca a mão na massa.

Samuel trabalha dentro da cela (Cleber Gellio/Midiamax)
Samuel trabalha dentro da cela (Cleber Gellio/Midiamax)

Pai de uma menina de cinco anos, que não vê desde que foi novamente preso, ele conta que os pensamentos voam quando está concentrado no trabalho. Tão longe que chegam à menina, hoje criada pela tia, já que a mãe, ex-mulher do jovem, foi condenada também por tráfico meses depois dele.

“Penso muito nela quando estou fazendo os brinquedos. Penso muito na minha família e não quero nunca que passem pelo que passei”, diz. O pai, já idoso, cobra a presença do rapaz nos momentos difíceis, pena que, para ele, é mais pesada do que qualquer sentença da Justiça ou da sociedade.

“Meu pai me disse que perdeu a mãe e o pai e eu não estava lá para ajudá-lo a carregar esse peso. Agora eu penso na carga que minha família tem que carregar por, além de todos os outros problemas, eu estar preso. Então me apego muito a Deus, pra não cair mais”.

Peso

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Paulo da Silva Godoy, diretor da Máxima (Cleber Gellio/Midiamax)

Embora todos eles já tenham passado por julgamento, as condenações continuam por serem detentos, mas por juízes que não são formados em direito. “Eles já estão condenados e estão aqui para cumprir a pena. Nada impede que eles aprendam, tenham uma nova profissão e trabalhem na área”, observa o diretor do presídio de Segurança Máxima, Paulo da Silva Godoy que também é psicopedagogo.

Tanto que vários segmentos estão disponíveis para que os presos consigam  profissionalização e saiam prontos para o mercado de trabalho, dando vida ao ‘Construindo a Liberdade'. Na cozinha, por exemplo, eles fazem a comida que é servida aos 2.400 internos. Há, ainda, corte e costura, marcenaria, pintura, produção de cadeiras de fios, de brinquedos de madeira e parquinhos confeccionados com pneus que fazem parte de projeto que visa equipar todos os Ceinfs de Campo Grande.

Quem toma conta de tudo é o agente penitenciário Vinícius Saraiva de Oliveira. Ao estagiar em uma creche como professor de educação física, ele percebeu a carência de parquinhos e brinquedos para as crianças. Foi aí que, junto com o técnico dos centros infantis, Felipe Augusto da Costa, iniciou o projeto ‘Arte com Pneus'.

Vinícius perambula pela área de trabalho, conversa com os internos e faz o meio de campo para conseguir parcerias com o poder público e viabilizar as ideias de ressocialização. As atividades com os pneus, por exemplo, tem parceria da Semed (Secretaria Municipal de Educação). O diálogo também é mantido com o MPE-MS (Ministério Público Estadual) e com a OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil).

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Vinícius cuida dos projetos com os internos (Cleber Gellio/Midiamax)

“O que a gente quer é que a Máxima seja uma vitrine para outros presídios do Brasil. Que aqui não seja um depósito humano porque essas pessoas vão voltar para a sociedade”, explica. Na formação profissional também existe ajuda do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) que, da última vez, formou 20 internos no curso de Corte e Costura.

Desta vez foram 80 horas de aula para consertar peças femininas, masculinas e infantis com auxílio de uma instrutora. O próximo módulo será para confecção do vestuário e, assim, futuramente, eles mesmos fabricarem os próprios uniformes. Os cursos de qualificação profissional são coordenados pela Diretoria de Assistência Penitenciária, por meio da Divisão de Educação.

Regulamentação

Nem tudo são flores no caminho para inserção do presidiário ao sistema de trabalho criado nos presídios. Embora empresas privadas possam contratar a mão-de-obra carcerária, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não é válida para eles. O suporte fica por conta da LEP (Lei de Execuções Penais) que defende a finalidade educativa e produtiva da iniciativa.

De acordo com a lei, o trabalho pode ser realizado no próprio estabelecimento penal ou fora, no caso de condenados que já tenham cumprido pelo menos 1/6 da pena total. O Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), atualizado em 2016 e divulgado em dezembro passado, aponta que apenas 15% (95.919) da população carcerária do Brasil está envolvida em atividades laborais. Os dados são coletados pelo Departamento Penitenciário Nacional e Ministério da Justiça. Confira aqui.

A LEP prevê que o trabalho da pessoa privada de liberdade deverá ser remunerado e o valor não pode ser inferior a 3/4 do salário mínimo. Mesmo assim, ainda segundo o levantamento, 33% dos quase 100 mil detentos não recebe um centavo sequer pelo trabalho. Cerca de 41% recebe menos de 3/4 do salário mínimo e 22% tinham entre 3/4 e um salário mínimo como pagamento. Sendo assim, 75% da população prisional em atividade laboral não recebe remuneração ou recebe menos que 3/4 do salário mínimo mensal.

Dados Gerais

Segundo o último levantamento feito pela Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) em novembro do ano passado, ao todo 11.072 mil pessoas cumprem regime fechado em Mato Grosso do Sul, sendo 828 mulheres. Já em regime aberto e semiaberto são 3.758. Destes, 294 são detentas e 149 estão com monitoramento eletrônico. Somando Capital e interior 8.210 estão condenados.Com superlotação, detentos veem no trabalho a chance de reconstruir a própria história

​O ranking de idade é apertado e basicamente predomina entre os jovens. Cerca de 24% dos presos têm de 35 a 45 anos, 23% têm entre 18 e 24 anos, 22% têm entre 25 e 29 anos, já de 30 a 34 somam 20% e, por fim, detentos entre 46 e 60 anos representam 10% e acima de 60 anos 1%.

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Cenário típico de estados fronteiriços, o tráfico de drogas representa 38% das atuais prisões. Seguido por roubo com 17%, homicídio com 14%, furto e outros com 12%, estupro com 6% e uso ilegal de armas com 1%. Contrabando, tráfico de pessoas e moeda falsa não chegam a 1%. Confira aqui a atualização dos dados. Assim como em Mato Grosso do Sul, no Brasil o tráfico de drogas é o crime que mais resulta em prisões representando 28% dos casos. Roubo e furto somam 37% e homicídio 11%.

A população carcerária nacional chegou a 726.712 em junho de 2016, segundo dados mais recentes do Infopen, sendo mais da metade jovens entre 18 e 29 anos e 64% de negros. Deste mesmo total, 40% são presos provisórios, isso quer dizer sem condenação da Justiça. Menos de 1% tem ensino superior, 75% não chegaram ao ensino médio.

Vale ressaltar que o número real de vagas nos presídios do país é de 368.049, também segundo levantamento de 2016. A soma, claro, não bate. São dois presos para cada vaga e o resultado da equação não poderia ser diferente: 89% das unidades prisionais estão superlotadas, fato que coloca o Brasil em terceiro lugar no ranking de países com maior número de pessoas presas, perdendo apenas para os Estados Unidos e China.

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