Meninas estão sob a guarda do governo japonês

“Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu/A gente estancou de repente/Ou foi o mundo então que cresceu/A gente quer ter voz ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda-viva/E carrega o destino pra lá”. A música de espera do celular de Maria Aparecida Amarilha Scardin é Roda-Viva, de Chico Buarque. Há um ano, a Rova-Viva de Maria carregou as duas filhas embora. Maria as perdeu no Japão, elas foram assassinadas em um crime ainda sem solução. Agora, a Roda-Viva da mãe gira ao lado contrário da justiça: o principal suspeito do crime – ao que tudo indica, um -, é o ex-companheiro da filha mais nova, Amarilia Maruyama Kimberli Akemi, que teria sido estrangulada pelo ex-marido peruano, e teria feito a mesma coisa com a irmã de Amarilia, Michele Maruyama, 29, e incendiado o local.

Amarilia era mãe de duas meninas, hoje com 6 e 4 anos, e que estão sob responsabilidade do governo japonês. O ex-companheiro de Amarilia não foi indiciado – a Justiça nipônica acredita que não há provas suficientes de autoria dos assassinatos -, e além de sofrer a impunidade do crime, Maria ainda luta pela guarda das crianças, que ela nunca conheceu pessoalmente. Hoje, a avó teme que as meninas, aos poucos, percam a identidade e a conexão familiar.

“Eu consegui a guarda aqui no Brasil, das minhas netas, porque, agora, o que eu quero é as crianças, só que o Japão está dificultando e foi feita a guarda, mas essa guarda foi mandada pro Ministério das Relações Exteriores. O Ministério mandou de volta o pedido pra juíza e pediu uma carta rogatória, pra essa juíza mandar uma carta rogatória pro Ministério, só que até agora a juíza não fez essa carta, não sei porque, por qual motivo. Eu mandei o número do processo pro meu advogado e ele ficou de ver o porquê dessa demora dessa carta”, conta ela.

A carta rogatória a qual se refere a avó das crianças é uma forma de comunicação entre o judiciário de países diferentes, com objetivo de obter colaboração para prática de atos processuais. A juíza responsável pela carta em Mato Grosso do Sul é Kátia Braum, titular da 1ª Vara da Família, da Infância, da Juventude e do Idoso. Como o judiciário está em recesso, o jornal Midiamax não conseguiu conversar com a juíza e saber como está o processo do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul)

 

Femicídio?

Amarilia Maruyama Kimberli Akemi, de 27 anos, e a irmã Michele foram assassinadas na cidade japonesa de Handa, no dia 31 de dezembro. Elas foram estranguladas, e o local incendiado posteriormente. O ex-marido da filha mais velha não foi indiciado pelo crime. Mas Maria acredita que ele tenha sido o autor, assim como outros 300 depoimentos prestados à investigação, conforme explicou ela.”Ele não foi indiciado pelo crime porque a Justiça japonesa entende que não tem prova suficiente contra ele, o que é um absurdo né, porque ele foi encontrado no carro da minha filha com as duas crianças e com o cachorro dele e no apartamento tinha dois cachorros, o dele, que ficou com a minha filha e o cachorro da minha outra filha mais velha, que foi morto também, queimado”.

 

 

Em janeiro de 2016, Maria foi até o Japão.”Eu passei 22 dias, todos os dias, indo à delegacia, foram 300 depoimentos, todos contra ele, mas, no Japão existe uma indenização. Se, por um milagre, provarem a inocência dele, o Estado tem que pagar uma multa milionária e é devido a esse dinheiro que eles não indiciam ele”, afirma ela.

O que Maria conta é que o ex-companheiro de Amarilia apresentava histórico de violência doméstica. Três meses antes da separação do casal, ele teria agredido Amarilia e os dois acabaram indo até uma delegacia da cidade japonesa. “Ela reclamava, só que tinha medo de dar queixa porque no Japão é diferente daqui. No dia da separação, uns três meses antes do crime ele agrediu ela e foi parar os dois na delegacia. Até a minha filha mais velha achou que ela tinha prestado queixa”, explica.

O Japão é considerado, pelas entidades que discutem igualdade de gênero, um país violento com as mulheres. Os dados também confirmam a questão. Uma reportagem da revista Exame mostra que, apesar de ter uma das menores taxas de homicídio do mundo, esse número aumenta quando o assunto é violência de gênero: são 50% dos casos de violência do país.

Luta pela guarda

Maria conseguiu a guarda das meninas no Brasil, mas no Japão, elas ainda estão sob responsabilidade do governo, vivem em um abrigo e não conhecem a avó. Ela não é nem autorizada a saber em qual cidade as meninas estão, e quando esteve no país asiático, foi proibida de ver as netas até através de um vidro. Agora, Maria retorna ao país.

“Eu preciso desse documento porque mais tardar em março eu vou retornar ao Japão, porque agora eu tenho uma guarda no Brasil, porque, segundo a lei, elas são brasileiras, não tem porque delas ficarem presas. Em relação às crinças, me foi falado, não diretamente, que acontece o seguinte no Japão: se eles entregarem as crianças pra mim, a outra parte pode processá-los, e se eles entregarem à outra parte, eu posso processá-los, então eles não entregam pra nenhum, as crianças ficam no abrigo”, conta ela. Maria, ainda assim, não enxerga fronteiras ou distância geográfica na luta por justiça. Ela pretende acionar entidades internacional de Direitos Humanos.

“Eu estou pensando em pedir ajuda aos Direitos Humanos porque tem Direitos Humanos internacional, eu só não sei o caminho, como vou fazer. Estou esperando agora a questão do recesso pra ir lá na OAB [Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul] e ver como é que eu faço pra pedir ajuda dos Direitos Humanos internacionais”, explica.

A luta da avó, é, também, uma luta para que as meninas tenham uma chance que as filhas não tiveram. As duas pretendiam retornar ao Brasil, o Japão foi um destino escolhido por motivo financeiro, com o objetivo de juntarem dinheiro. “Elas estavam pagando um terreno aqui em , tinha comprado, cada uma delas, e estavam pagando”, relata a mãe.

“O problema é que elas vão perdendo a identidade de família, a língua elas, hoje, com certeza já não falam mais. A menorzinha fica no abrigo, porque não tem escola pra ela, que ela tem 4 anos e a outra já frequenta porque no Japão já é a partir dos 6 anos”, complementa.

 

 

(Cleber Gellio)

 

Ainda assim, como diz outra música de Chico Buarque, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. E Maria não espera o outro dia que vem, ela o persegue.

“Eu não vou desistir das minhas netas. Eu consegui as duas passagens e a estadia no Japão. Com a guarda na mão eu vou lutar lá. Em último caso, vou fazer greve de fome lá no Itamaraty, eu já até falei isso lá no Ministério Público. Se eles não agilizarem isso, eu vou pegar carona com uma faixa, pegar carona daqui até Brasília. Vou montar uma barraca em frente ao Ministério das Relações Exteriores com uma faixa: ‘Quando é que o Ministro José Serra vai ter um tempinho pra olhar o meu caso?'”.