Portaria foi ‘suavizada', mas permanece obscura

Pressionado pelo movimento e pelo MPF (Ministério Público Federal), o Ministério da Justiça voltou atrás sobre a portaria que alterava as regras para de terras indígenas e criava o GTE (Grupo Técnico Especializado). As novas regras haviam sido publicadas na última quarta-feira (18), foram elogiadas pelo presidente Michel Temer e revogada aproximadamente 48 horas. 

A nova publicação foi anunciada ainda na quinta, com a explicação que a criação do GTE tem o objetivo de auxiliar o ministro da Justiça e Cidadania nas suas competências legais. Com relação à publicação original, foram retirados itens, porém ainda não fica claro como será o funcionamento e ações do GTE. 

“Para evitar, porém, qualquer interpretação errônea quanto aos propósitos e atribuições deste Grupo Técnico Especializado, a portaria que o criou será revogada e será publicada nesta sexta-feira (20) uma nova portaria”, diz nota assinada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Depois da publicação da primeira portaria, Temer justificou que a criação do grupo não enfraquecia a Funai (Fundação Nacional do Índio. O MPF declarou que o documento era “ilegal, feria a Constituição e a Jurisprudência sobre o tema tratado pelo Supremo Tribunal Federal”

Outra questão trazida no documento e questionada pelo MPF era a “jurisprudência do STF” (Supremo Tribunal Federal). A portaria afirma que “se deve seguir a jurisprudência”, mas não especifica qual o entendimento da Corte. 

Parte das decisões no Supremo tem atrasado as demarcações, em razão da tese do Marco Temporal, que defende a demarcação somente quando comprovada a presença dos índios no momento da promulgação da Constituição Federal, em 1988.  O novo texto não faz referência à jurisprudência. 

Também foi retirada a parte que citava a “audiências públicas” para debates sobre a matéria do processo e possibilidade de participação das partes interessadas, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.

Críticas

Uma das críticas ao texto veio da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). “O governo, com essa medida, rasga de cara o texto constitucional que reconhece os direitos indígenas e o Decreto 1775 que embasa a demarcação das terras indígenas”. 

(…) “A publicação da Portaria Nº 68, – primeira norma explícita de mudanças nos procedimentos de demarcação das terras indígenas-, como foi no caso das indicações do Presidente e de diretores para a Funai, sob pressão do Partido Social Cristão (PSC) é só mais um indicativo de que o Governo Temer é mesmo subserviente do poder econômico vinculado ao agronegócio e de seus porta-vozes agrupados na bancada ruralista do Congresso Nacional”, diz outro trecho do manifesto publicado na última quinta-feira (19). 

Como funcionava a demarcação até agora

Conforme dados da Funai, atualmente existem 462 terras indígenas regularizada que representam cerca de 12,2% do território nacional. São mais de 200 processos de demarcação que estão em andamento em todo o País. São 38 áreas delimitadas, 72 declaradas, 17 homologadas, 435 regularizadas e 114 em estudo e 6 em portaria de interdição. 

O processo de demarcação, regulamentado pelo Decreto nº 1775/96, é o meio administrativo para identificar e sinalizar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas. A demarcação é responsabilidade do poder Executivo federal com análise antropológica e multidisciplinar da Funai (Fundação Nacional de Índio). 

Uma das críticas é que a portaria, embora não retire a Funai do processo, diminui o peso, uma vez que outros órgãos também serão consultados pelo ministro da Justiça.

O processo é composto por nove fases

Estudos de identificação e delimitação, a cargo da Funai;
Contraditório administrativo;
Declaração dos limites, a cargo do Ministro da Justiça;
Demarcação física, a cargo da Funai;
Levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não-índios, a cargo da Funai, realizado em conjunto com o cadastro dos ocupantes não-índios, a cargo do Incra;
Homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República;
Retirada de ocupantes não-índios, com pagamento de benfeitorias consideradas de boa-fé, a cargo da Funai, e reassentamento dos ocupantes não-índios que atendem ao perfil da reforma, a cargo do Incra;
Registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, a cargo da Funai; e
Interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados, a cargo da Funai.

O que também é duramente criticado pelos povos indígenas e alvo de protestos, é a PEC (Proposta de Emenda à Constituição), 215, que atualmente tramita na Câmara Federal. A medida transfere do Executivo para o Legislativo a responsabilidade sobre a demarcação. 

O que diz a nova portaria

O Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no Decreto nº1.775, de 08 de janeiro de 1996, resolve:

Art. 1º Fica criado, no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania, o Grupo Técnico Especializado – GTE, com o objetivo de auxiliar o Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, que no exercício
de sua competência prevista no § 10, do art. 2º, do Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996, deverá decidir pela:
I – declaração, mediante portaria, dos limites da terra indígena e determinar a sua demarcação;
II – prescrição de diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias; e III – desaprovação da identificação e retorno dos autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.

Parágrafo único. O GTE será composto por representantes da:
I – Fundação Nacional do Índio – Funai;
II – Consultoria Jurídica;
III- Secretaria Especial de Direitos Humanos; e
IV – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Art. 2º Fica revogada a Portaria nº 68, de 14 de janeiro de 2017. 

Foto: Cleber Gellio