Menino de 14 anos chegou a ser preso
Nos primeiros meses de 1944, as páginas dos jornais de todo o mundo eram tomadas por notícias da Segunda Guerra Mundial.
O principal periódico de Campo Grande, ainda na época do Mato Grosso “Uno”, o Jornal do Comércio, também não fugia do assunto. Entre notas sobre os Aliados e do então presidente Getúlio Vargas, uma história chama atenção nas folhas amareladas da edição de 8 de março de 1944: “Estranhas profecias do menino do Cascudo”.
O Cascudo citado, hoje chama-se São Francisco, bairro que fica há menos de cinco minutos do Centro da Capital.
Por lá, ainda há uma rua chamada Cascudo. Sobre o nome, há duas teorias: os cascudos, peixes que habitavam o Córrego Segredo e os besouros cascudos.
Certo é que naquele começo de 1944, o Cascudo ficou conhecido por causa do menino Alcides Corrêa, com 14 anos à época. Chamado de milagreiro, atraiu gente de outras cidades e até de estados vizinhos em busca da cura de doenças.
“Extranhas profecias do menino do cascudo”
A história de Alcides causou burburinho entre o fim de 1943 e começo de 1944. Hoje, pouco se sabe sobre o tal menino ‘que curava os pobres”.
O que ainda é possível contar, está nas páginas danificas pelo tempo, do Jornal do Comércio, que estão na Arca (Arquivo Histórico de Campo Grande). Pelas páginas do Comércio, aos poucos, a história do menino Alcides vai aparecendo e desaparecendo rapidamente.
O menino Alcides nasceu em Anápolis, Goiás, em 14 de abril de 1930. A matéria do jornalista Heitor Cabral, publicada em 8 de março – “Extranhas profecias do menino do cascudo” – não foi a primeira reportagem publicada sobre o menino e narra a visita de Cabral à casa da família do menino, em um dia de atendimento a centenas de desenganados, mas é que mais detalha os supostos milagres feito pelo menino.
Curas e 25 dias na prisão
Era uma sexta-feira, quando o jornalista procurou o “menino santo” na casa da Avenida Mato Grosso. O movimento era intenso. Maior do que nos outros dias da semana e mais de cem pessoas esperavam pelo menino.
Os milagres de cura de Alcides eram feitos com um copo d’água e ‘papeizinhos’ com sinais feitos por ele. Os crentes bebiam o líquido acreditando nos milagres.
Antes de ter contato com o menino do Cascudo, o jornalista foi recebido pelo pai de Alcides, o ferroviário Manoel Correa, que contou toda a história do filho.
Segundo ele, o menino ouvia vozes ordenando que ele deixasse tudo e que fosse curar os enfermos. Manoel disse que primeiro não acreditou, mas que passou a crer no filho após o primeiro doente ser curado: um vizinho.
Depois, o menino do Cascudo teria curado duas crianças paralíticas, as mesmas que aparecem na fotografia que ilustra a reportagem.
O jornalista diz que aquela foi a segunda visita dele a casa do menino, desta vez, com Alcides morando na Avenida Mato Grosso, após ter saído do Cascudo.
Duas ‘visitas’, vindas de fora também foram até o menino naquele tempo. No texto, o jornalista refere-se a “ataque” feito pelo jornal Correio de Lins e um enviado especial da revista Centelha, publicação de divulgação espírita da época.
Além de atrair romeiros, curiosos e a atenção da imprensa de São Paulo, a fama de milagreiro do menino do Cascudo rendeu a ele uma prisão de 25 dias. O Comércio conta que ele ficou recolhido à Cadeia Pública em outubro de 1943, “mesmo sem ser uma verdadeira prisão”. O pai conseguiu tirar Alcides da detenção, por meio de um “habeas corpus que o Tribunal de Apelação do Estado concedeu a requerimento do Sr. Juvenilio Alves de Melo”.
A cura de D. Maria Candida
Em 29 de março, o retrato de Alcides mais uma vez estampa uma das páginas do jornal.
Ele aparece vestido de branco, mãos cruzadas no colo entre o fazendeiro de Ribas do Rio Pardo “Sr. Lino Barbosa” e sua esposa D. Maria Candida Oliveira Barbosa. A manchete foi “Viaja para Araçatuba o “menino do Cascudo”, outra matéria de Heitor Cabral.
Desenganada por vários médicos e em um “período de desânimo mortal”, a melhora do estado de saúde da mulher foi um dos milagres atribuídos ao menino do Cascudo.
Diante da situação da esposa, o fazendeiro foi aconselhado a procurar Alcides. O menino ouviu o relato de Barbosa e declarou: “Não se aflija. Quando chegar em casa, encontrará sua esposa completamente sã a descansar à sombra de uma mangueira”.
A história foi contada pelo própria Barbosa, em visita à redação do Comércio. Ele disse que queria que o menino fosse até a casa dele, mas diante das palavras firmes de Alcides, voltou sozinho.
Em casa, encontrou a esposa “sentada à sombra de uma mangueira com um aspecto de sanidade que há muitos anos não tinha”.
Viagem para o interior de SP
O texto que narra a cura de D. Maria Candida também dá a notícia que o menino vai deixar Campo Grande. “Contra ele se levantou aqui a voz da ciência médica e, até a própria polícia que o isolou por algum tempo à falta de outro local, num dos pavilhões da Cadeia Pública”, narra Heitor Cabral.
“A seu favor, entretanto, pode-se dizer que esteve sempre e ainda está toda a população da cidade, acrescida de inúmeros crentes que chegam das cidades vizinhas, daqui e de São Paulo, como de Minas e Goiás”, prossegue o texto.
Em uma pequena nota, em 26 de abril daquele ano, o Comércio conta que a casa onde também viveu Alcides, na Rua Antônio Maria Coelho, foi vendida após ele se mudar para o interior paulista. Na Antônio Maria Coelho, o menino morou em barracão de madeira e que foi vendido para um sírio, segundo a reportagem.
“O pequeno Alcides Corrêa, uma das mais discutidas figuras da cidade nestes últimos tempos, pela sua atividade milagreira, de que demos repetidas reportagens, viajou segunda-feira para a cidade de Araçatuba, onde vai passar a residir e a exercer, segundo declarou, o que chama sua missão”.
“Ele disse que sairá de Campo Grande porque assim atenderá melhor a sua missão. Mas que leva saudades dessa terra, onde sentia o que chama a “força misteriosa” que recebeu do alto e de que se utilizou sem outro intuito que o de minorar o sofrimento dos que o procuram”.
*Agradecimentos à equipe da Arca (Arquivo Histórico de Campo Grande)