Terenas acionam MPF para reconhecer área tradicional em Anastácio

  Comunidade de Aldeinha luta pelo reconhecimento de um campo de futebol

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Comunidade de Aldeinha luta pelo reconhecimento de um campo de futebol

A comunidade de índios Terena de Aldeinha, em Anastácio – distante 134 km de Campo Grande -, reivindica o reconhecimento e a garantia de um dos territórios que ocupam tradicionalmente há mais de cem anos. A área em questão é um campo de futebol, que integra o espaço de 4 hectares da aldeia, localizada no perímetro urbano. Um morador da cidade, no entanto, começou a reivindicar o campo como propriedade particular e não cedeu aos acordos oferecidos pela Prefeitura. Agora, a comunidade acionou o MPF-MS (Ministério Público Federal). A reivindicação dos Terena, ainda assim, motiva outra discussão: a demora da Funai (Fundação nacional do índio) em reconhecer Aldeinha como Terra Indígena (T.I).

“A área em questão é uma quadra destinada ao lazer e integra a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva. Na verdade nós já procuramos a Prefeitura e o suposto proprietário do lote, já procuramos duas vezes, e não resolve”, conta a Terena Evelin Hekere, professora e membro do Conselho Terena.

O prefeito Douglas Figueiredo (PSDB) explicou que a Prefeitura apoia a reivindicação dos Terena. “A prefeitura dá todo apoio, inclusive reconhece como uso da comunidade. Eu conheço aquela área desde quando eu era criança, eu jogava futebol com eles ali, fui criado próximo”, explica.

A Prefeitura ofereceu uma permuta, ou seja, uma troca, e ofertou, de acordo com o prefeito, uma área maior ao suposto proprietário do campo. “Apareceu um dono, mostrando uma escritura desse campo. A Prefeitura tentou de todos os meios, propomos pra ele uma permuta pra darmos outras áreas em troca, ele não aceitou. É uma área que eu, agora,  recomendei que busquem junto à Funai. A gente não sabe se foi uma falta de regulação”, explica.

 

 

 

 

 

Em Aldeinha vivem 91 famílias, conforme explicou Hekere. São 350 pessoas vivendo em um território de 4 hectares, que aguardam por mais de 30 anos a conclusão do processo de reconhecimento enquanto área indígena, parado na Funai. A aldeia foi uma área adquirida com recursos dos próprios Terena. Quem conta a história é o antropólogo do Museu Nacional, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Messias Basques, 32, que auxilia a reivindicação da comunidade com um estudo antropológico.

 

A história de Aldeinha

 

Messias seguiu os passos históricos dos Terena e desenrola um fio que denuncia o papel da União, por meio do antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), durante a criação das Reservas Indígenas. “A partir de 1910 quando foi criado o SPI, que é anterior a Funai, eles começaram a estimular que os índios voltassem às reservas, mas não era um estímulo pra que voltassem às reservas, era pra ficassem dentro e não saíssem mais, pra que não perturbassem mais”, afirma.

“A ocupação tradicional do território é secular, existe há mais de 100 anos”, conta o antropólogo. “Eles foram pra essa região porque já era conhecida por eles, não tinha ainda uma aldeia porque não era o nome que se dava, mas era uma área de passagem dos terena”, conta ele.

O contato dos índios com religiões cristãs, durante o processo de reservamento, motivou conflitos entre adeptos de vertentes diferentes, como a católica e a evangélica, conforme explicou o antropólogo. É a partir dos conflitos que as famílias migraram, buscando outros territórios, e então, surge Aldeinha.

“Começam a criar conflitos internos à essas reservas e alguns grupos começam a sair e a buscar locais pra que essas famílias não tivessem conflitos. Um dos locais que passou por isso é a Aldeinha e que era até reconhecida como Aldeinha pelos locais, inclusive pelos italianos que estavam ali à época”, explica ele.

Gente da Aldeinha – Assim eles eram chamados, de acordo com o antropólogo. O fio da história puxado por Messias revela que os Terena estabeleciam o domínio sobre uma espécie de porto, na confluência entre as terras que hoje formam Aquidauana e Anastácio. “O que é muito interessante é que as pessoas que não eram indígenas localizaram, ali onde passa um rio, na altura do cruzamento entre Anastácio e Aquidauana, um porto dos indígenas que dava acesso à aldeinha” relata.

Ao perceber o crescimento do perímetro urbano, os índios compraram 15 hectares de terra com os próprios recursos. “Então, na verdade, é uma terra indígena de ocupação tradicional, mas foi adquirida pelos próprios indígenas que venderam bens próprios pra comprar essa área, que inicialmente era de 15 hectares”, explica.

Hoje, no entanto, a comunidade só ocupa 4 hectares. “Desses 15 hectares, os índios começaram a sentir-se pressionados porque a cidade crescia e brancos foram comprando de indígenas, então, hoje, esses 15 hectares passaram a ser 4. Você tem ali 360 pessoas vivendo, não há espaço pro modo de vida indígena, estão todos incluídos na sociedade de Anastácio e um problema grave em relação a essa área é que não tem área pra lazer e nem pra atividades comunitárias. O motivo do litígio é que um dos quatro hectares é reivindicado por uma pessoa não indígena, que alega ter título de propriedade, de lote, e essa área é um campo de futebol onde eles fazem as festas, atividades comunitárias”, explica.

 

 

O campo em disputa (divulgação)

 

 

 

A demora no reconhecimento da área traz outros problemas. p { margin-bottom: 0.25cm; line-height: 120%; } Ao não ser declarada como T.I pela Funai, a comunidade de Aldeinha não tem acesso aos direitos constitucionais garantidos aos índios.

“O que é grave ali é que a falta de um estatuto de área indígena restringe o acesso à serviços básicos. Não recebem cesta básica, não tem atendimento de saúde diferenciado e não tem acesso a uma educação diferenciada com apoio do estado”, conclui Messias.

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