Terra fará índio permanecer nas aldeias

Após a declaração do Ministério da Justiça de posse permanente, de aproximadamente 33.900 hectares de terra denominada Terra Indígena Taunay-Ipegue, em (MS), parte do grupo indígena Terena, que recebeu a terra afirma que acabou a briga com os brancos. E que agora, o problema vai ser dividir a terra entre todos.

Pedindo sigilo do nome, um terena explica que nem todos os índios participaram efetivamente da retomada, que se iniciou há cerca de três anos. Segundo eles, somente os índios que tiveram condições de deixar suas moradias e ficarem acampados participaram do processo – o que representa cerca de 50 famílias.

Contudo, muitas outras famílias, já que a região abriga cerca de 6 mil índios, tem direito às terras. E ai começa o problema. Dentina Flores, de 73 anos, diz que ouviu falar que as terras vão ser divididas apenas entre os que ficaram na retomada até o fim. “Todo mundo tem direito, mas dizem que vai ser só para quem ficou lá”, diz.

Outro terena, confirma a história e diz que até ficou na retomada no inicio, mas por precisar trabalhar, deixou a Fazenda Esperança – onde está a área ocupada – e voltou para a aldeia. “Ficaram lá índios que são concursados, que tem renda. A gente que é trabalhador não tem como largar tudo e ficar lá”, contesta.

Esposa do ex-cacique Chico Ramiro, que está a frente do grupo da retomada, Zeli Luiz Paz, de 56 anos, diz que não haverá problemas na divisão. Ela explica que o objetivo do grupo é dividir as terras conforme cada um tem condições de cuidar. “As terras vão ser divididas conforme cada um tem como investir, porque não adianta dar terra para quem vai deixar parada. Tem que plantar, fazer a terra produzir. Que pegar a terra tem que ter essa consciência”, diz.

Área retomada da Fazenda Eperança / Henrique Kawaminami

 

 

Festa

Feliz com a posse definitiva da terra, ela conta que a vida inteira esperou pela notícia e não acreditava mais viver essa história. “Desde os nossos antepassados ouvimos que essa terra era original dos terenas. Pena que eles não estão aqui mais para ver essa conquista. Meus avôs contavam que essa área era nossa. Quando o Emerson Kalife (procurador da república em Mato Grosso do Sul) trouxe a grande novidade nós entramos em festa”, diz.

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Ela revela que o sábado, após serem informados da conquista, foi um dia todo de festa. E que ainda hoje o sentimento é de alegria. “Fizemos a dança das 7 peças, que é uma dança que representa os passos do guerreiro sondando o inimigo, fizemos a dança da Siputrena e a da Ema, que são realizadas em momento de grande alegria”, diz.

 Dona Zeli / Henrique KawaminamiConflito com fazendeiros

Zeli diz que há muito os índios vivem em harmonia com os fazendeiros. Ela explica que mesmo na área da retomada não há conflitos. “Há cerca de três anos quando ocupamos a área houve resistência. Chegamos a fechar as porteiras para proteger nossos guerreiros, mas isso acabou. Aqui está tudo tranquilo. Agora esperamos apenas o Governo pagar logo os fazendeiros, pelo trabalho que ele fizeram na terra. Que sejam pagos pelos benefícios que fizeram com seus esforços”, diz.

Perpetuando a cultura

Filho de Zeli, Eliézer Luiz Paz, de 25 anos. Tem praticamente o dobro da idade em que os terenas aguardam pela posse definitiva da terra. O jovem, que estuda história, e quer ser historiador, conta que sempre qui estudar para perpetuar a cultura terena, que ele vê, que está se perdendo. “Sempre quis ser historiador para entender nossa história. Minha avó faleceu há 5 anos, com 98, e levou com ela todo o conhecimento que tinha. Muitos anciões têm a história só para eles e quando se vão a história vai junto”, diz.

Por isso, explica foi estudar. “É para mostrar nossa cultura, que tem que permanecer, principalmente, a questão da terra. Somos mais de 6 mil terenas que vivemos em 6 mil hectares. Não havia terra o suficiente para vivermos nossa cultura”, diz.

Terena preparando a terra para plantio /  Henrique Kawaminami

 

Retomada dos costumes

Agora, explica, com 33,900 mil hectares a mais para o povo terena, ele vê a conquista como, não apenas a retomada da terra, mas a retomada da cultura terena. “Vamos poder plantar milho, feijão, mandioca. Voltar a caça, a pescar, atividades que não haviam como ser feitas. Vamos poder ser o que somos. Vai ter terra o suficiente para vivermos a nossa cultura”, diz.

Sem deslumbre com a cidade, Eliézer diz que assim que se formar volta para a aldeia para ensinar os seus. O jovem que já deu aula na escola da aldeia, não se encanta com as coisas da cidade. “Quero trazer o conhecimento para cá. Fico triste que muito índio não deixa o filho estudar. Tem medo de ir para a cidade e não voltar. Na cidade tem mais oportunidade e os patrícios tem medo, e acabam não dando importância para a educação”, salienta.

Para ele, a língua terena, que vem se perdendo aos poucos, é uma das maiores joias da cultura deles, que não se pode perder. “Nossa língua é nossa identidade. Temos que nos valorizar, valorizar a nossa cultura, procurar se educar, sem esquecer nossas raízes”, afirma.

 Cocar terena / Henrique Kawaminami

No futuro, a cooperação

Ele ainda pontua, que com a posse definitiva da terra. O grupo que fez a retomada pensa em formar uma cooperativa onde todos possam trabalhar e fazer da matéria-prima um produto mais lucrativo para todos.

A ideia, diz ele, além de garantir renda aos indígenas, vai evitar que o índio procure trabalho fora da aldeia. “Se tiver oportunidade de emprego, ninguém vai sair daqui. Vamos atrás de uma vida melhor. Acredito que vai diminuir o êxodo indígena, pois vamos valorizar o trabalho aqui, para que todos se mantenham na aldeia, nas terras conquistadas”, finaliza.