Produtores de MS são excluídos de denúncia sobre esquema de grilagem
Eles foram investigados por suposta compra de terras griladas no Pará
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Eles foram investigados por suposta compra de terras griladas no Pará
Os irmão e produtores rurais de Ponta Porã – 346 quilômetros de Campo Grande – Luciano Belló Lorenzoni e Thiago Belló Lorenzoni – investigados no maior esquema de grilagem da Amazônia dos últimos tempos – ficaram de fora das denúncias que já começaram a ser enviadas pela Procuradoria da República à justiça federal. O MPF-PA (Ministério Público Federal no Pará), em Altamira, afirma que a operação Rios Voadores, que investiga uma rede de crimes que envolve grilagem, desmatamento e trabalho escrevo, já denunciou 24 pessoas. Eles eram investigados por, supostamente, adquirirem 450 hectares de terra envolvida no esquema.
“O MPF encaminhou à Justiça Federal em Altamira (PA) cinco denúncias criminais, duas ações civis públicas ambientais (uma delas com bloqueio de bens já decretado no valor de R$ 420 milhões) e uma ação civil pública por improbidade administrativa. Dessas oito ações, uma foi ajuizada no dia da operação, uma em agosto, outra em outubro e as restantes em dezembro”, contou a procuradoria.
O MPF pediu a prisão temporária de Luciano e Thiago, mas a Justiça Federal em Altamira, por meio da juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo, determinou prisão preventiva. No dia 12 de julho, a mesma juíza concedeu o pedido de Liberdade Provisória mediante fiança que foi, inicialmente, estabelecida em R$ 50 mil, e depois, no dia 14 de julho, reduzida para R$ 30,8 mil.
Os 24 acusados podem responder por crimes de submissão de trabalhadores a condições semelhantes às de escravos, frustração de direitos trabalhistas, falsidade ideológica, invasão e desmate ilegal de terras públicas, provocação de incêndios, impedimento da regeneração de florestas, corrupção ativa e passiva, sonegação de documentos, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro, além de improbidade administrativa e responsabilização por danos ambientais.
“Estão sujeitos a penas de até 238 de prisão, multas, pagamento de R$ 503 milhões em prejuízos ambientais, recuperação da área ilegalmente desmatada, demolição de edificações construídas em áreas irregulares, e proibição, por até dez anos, de acessar linhas de financiamento ou benefícios fiscais oferecidos pelo poder público”, informou a assessoria do MPF em Altamira.
Denúncias
As ações, além de enviadas à justiça federal, motivaram o MPF a expedir duas recomendações. Uma foi enviada à Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), para que a autarquia disponibilize ao Ibama acesso a todas as informações necessárias à fiscalização ambiental.
A outra teve como destinatário o Ibama, e indicou a necessidade de a autarquia abrir processo administrativo para investigar a regularidade ambiental de edificações nas áreas ilegalmente desmatadas pela organização criminosa.
Ministro da Agricultura – O ministro da agricultura Blario Maggi também é alvo das investigaçõs, já que a empresa do ministro é uma das corporativas investigadas. O MPF abriu investigação para analisar as transações comerciais entre integrantes da família Junqueira Vilela, apontada como pivô do esquema, e três grandes grupos empresariais: grupo JBS, o maior processador de carne bovina do mundo, à Amaggi Exportação Importação – pertencente à Blario -, e uma das maiores companhias de compra e venda de grãos do país. Os dirigentes do grupo Bom Futuro – outro líder no agronegócio – Elusmar Maggi Scheffer e Eraí Maggi Scheffer também são investigados.
A Operação Rios Voadores foi deflagrada no dia 30 de junho após dois anos de quebras de sigilo bancário e interceptações telefônicas. A execução contou com um efetivo de 95 policiais federais, 15 auditores da Receita e 32 servidores do Ibama, distribuídos pelos estados de Pará, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. A Justiça Federal de Altamira expediu 52 medidas judiciais, entre 15 prisões preventivas e mandados de busca e apreensão.
Foram denunciados à justiça federal: Adilce Eleotério Garcia (Panquinha); Adulão Alves de Lima; Ana Luiza Junqueira Vilela Viacava; Ana Paula Junqueira Vilela Carneiro Vianna; Antônio José Junqueira Vilela Filho; Arnildo Rogerio Gauer; Clésio Antonio Sousa Carvalho; Clesio Antonio Sousa Carvalho Filho; Douglas Dalberto Naves; Edson Mariano da Silva; Eremilton Lima da Silva; Jerônimo Braz Garcia ; Laura Rosa; Rodrigues de Sousa; Leilson Gomes Maciel; Marcio Kleib Cominho; Mariano Barros de Morais; Narciso Lidio Pereira Mascarenhas; Nilce Maia Nogueira Gauer; Obalúcia Alves de Sousa; Olivio Bertoldo João Bachmann; Ricardo Caldeira Viacava; Rodrigo Siqueira Pereto; Vanderley Ribeiro Gomes (vulgo Beto) e Waldivino Gomes Silva.
Entenda o esquema
O esquema foi descoberto por insistência de denúncias feitas por índios Kayapó da TI (Terra Indígena) Mekrãgnoti, no Pará. Segundo as investigações, quem comandava o esquema, que operou, de acordo com o Ibama (Instituto brasileiro do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis) entre os anos de 2012 e 2015, é Antônio José Junqueira Vilela Filho, conhecido como AJ ou Jotinha. A reportagem “O Grileiro dos Jardins”, do portal El País Brasil, afirma que Jotinha é filho de um pecuarista milionário de São Paulo, Antônio José Junqueira Vilela, dono de um “império bovino”.
“Apenas com a venda de dez mil cabeças por ano, estima-se que AJJ fature algo em torno de R$ 15 milhões. Fora a venda de torinhos, que pode render mais R$ 1 milhão ao ano, e de animais de elite, que no ano passado superou a marca dos R$ 2 milhões nos leilões. Um negócio rentável e que mostra seus resultados na prática”, afirma a revista Dinheiro Rural, sobre Antônio José Junqueira Vilela, de 2009.
As investigações – que correm em segredo de justiça – uniram Ibama, MPF, Receita Federal e Polícia Federal, e estimam que foram destruídos 290 km quadrados de florestas em Altamira. O grupo desenvolveu metodologia para conversão forçada de florestas em pastagens e movimentou R$ 1,9 bilhão, com prejuízo ambiental estimado em R$ 420 milhões, apontam MPF e Ibama.
O Ibama explica que o esquema funcionava mediante invasão de florestas, de onde a organização retirava e vendia a madeira de valor mais alto, e depois derrubava a mata remanescente e ateava fogo. A terra, após as operações, virava pasto para criação de gado. A organização ainda utilizava mão de obra submetida a condições semelhantes às de escravos. Após a consolidação das pastagens, registravam os terrenos em CARs (Cadastros Ambientais Rurais). Profissionais de geoprocessamento trabalhavam de escritórios no Pará e no Mato Grosso, analisando imagens de satélite e forjando os cadastros.
Os registros eram feitos em nome de laranjas e as pastagens, exploradas pelos próprios integrantes do grupo ou arrendadas para terceiros, afirma o Ibama. Em um pedido de Habeas Corpus (HC) impetrado por Douglas Luiz da Cruz Louzich – para um dos investigados que não teve o nome revelado -, na justiça federal da subseção judiciária de Altamira, a decisão da juíza federal, relatora do pedido, Maria Lúcia, afirma que os arrendatários tinham conhecimento do esquema de Jotinha. Na decisão, que negou o HC, ela também afirma que os arrendamentos envolvendo Thiago e Luciano eram feitos por contrato que previa pagamento em dinheiro ou em sacas de soja.
“Depreende-se que os investigados têm plena consciência da atividade criminosa desenvolvida por Antônio José, figurando como arrendatários de terras públicas desmatadas e griladas, incorrendo na pena do art. 20 da Lei 4.947/66. Como afirmado pelo Parquet, os arrendamentos são feitos por meio de contrato e preveem a forma de pagamento em dinheiro ou “em sacas de soja”, como ocorreu com Thiago e Luciano, a fim de dissimular a origem ilícita dos valores, incorrendo os investigados no crime de lavagem de dinheiro, previsto no art. 1º da Lei 9.163/98. Em alguns casos, há desmatamentos praticados pelo próprio arrendatário, valendo-se dos gatos que trabalham para Antônio José, como é o caso de Cláudio Roberto Bratz, com a prática do crime previsto no art. 50-A da Lei 9.605/98”, afirma.
De Sinop, no Mato Grosso, o advogado dos produtores, Russil Alexandre Barbosa Maia, negou que Thiago e Luciano estejam envolvidos. Ele afirmou que os irmãos arrendaram uma área da empresa Agrícola Triângulo em Novo Mundo, Mato Grosso. De acordo com o advogado, a investigação ouviu o nome dos irmãos ser citado pelo proprietário em uma conversa telefônica, o que teria desencadeado ‘interpretação errônea’ do MPF.
“Eles são arrendatários da agrícola triângulo, de uma área em Mato Grosso. O que aconteceu é que nessa área de Altamira houve um grampo telefônico de um dos proprietários e consta um dos dois irmãos, mas a área que eles arrendam é aqui em Mato Grosso. É mais uma daquelas presepadas. Ambos afirmam que eles nunca nem estiveram no Pará. A área que eles arrendaram aqui é uma área já aberta há muitos anos, temos prova documental. Essa área não estava na investigação no primeiro momento, mas acabou virando parte”, explicou.
Os Kayapó usaram radiocomunicação amadora e verificaram que os acampamentos organizados pelos desmatadores estavam estrategicamente distribuídos pelo território. “Uma comissão de lideranças indígenas foi a Brasília e relatou o caso ao Ibama, que em abril de 2014 promoveu a Operação Kayapó, de combate ao desmatamento no interior e no entorno da TI. Guiados pelos índios, servidores do Ibama encontraram e desmontaram acampamentos ilegais de madeireiros. Na ocasião, foram apreendidas 26 motosserras e 3 motocicletas, detidas 40 pessoas, embargados 13,9 mil hectares e aplicados R$ 50 milhões em multas”, afirma o Ibama.
“Os trabalhadores escravizados foram entrevistados, o que possibilitou a identificação das lideranças da quadrilha. Em seguida, o Ibama, aliado aos Kayapó, aumentou a vigilância na região. Essa maior presença de fiscais na área pode ter mudado as estratégias de atuação da quadrilha. Há a suspeita de que a organização criminosa tenha utilizado aviões agrícolas para sobrevoar as áreas invadidas e lançar coquetéis molotov e herbicidas desfolhantes semelhantes ao agente laranja, usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã”, explica.
A organização era dividida em núcleos, conforme divulgou a investigação: o dos ‘gatos’ , responsáveis pelo agenciamento de trabalhadores para submissão a condições semelhantes às de escravos, o dos gerentes das ‘fazendas’ griladas, os ‘laranjas, que concediam o uso dos seus nomes para as fraudes de forma espontânea, o dos especialistas em geoprocessamento, o grupo de compradores de áreas desmatadas, os gerentes financeiros do negócio, e por fim o núcleo formado pelos familiares de Jotinha, organizador de todo o esquema.
“Submetidos a condições semelhantes à da escravidão, trabalhadores eram alocados em acampamentos espalhados por todo o território invadido, tática conhecida como desmatamento multiponto ou desmatamento cupim. Com número fixo de dez componentes, cada acampamento era formado por oito operadores de motosserras, um encarregado da manutenção dessas máquinas e um cozinheiro. Os trabalhadores só eram pagos ao final da derrubada de toda a área. O desmatamento seguia critérios científicos. As árvores com copas mais altas eram preservadas para que as demais espécies fossem derrubadas sem que o crime pudesse ser identificado pelos satélites de detecção de desmatamento”, afirma o Ibama.
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