Elas ‘driblam' a rotina sem ter onde deixar as crianças

Com a paralisação dos profissionais que trabalham nos Ceinfs (Centros de Educação infantil) em – que reivindicam os salários atrasados das terceirizadas que atendem a Prefeitura -, as mães que dependem dos locais para deixarem as crianças enquanto trabalham ou estudam, fazem um verdadeiro ‘malabarismo' para equilibrar a rotina. Elas afirmam que entendem a reivindicação dos profissionais e o direito de greve. Mas no desespero de arcar com as responsabilidades das crianças, muitas vezes sem ninguém para ajudar, relatam que o maior culpado é o poder público.

Juliana tem 27 anos, estuda Enfermagem no período da manhã, horário em que, normalmente, a filha de um ano e onze meses permanece no Ceinf Novos Estados. Ela mora com pessoas idosas, que não têm como cuidarem da bebê. Juliana é mais uma das mães que carregam a responsabilidade do cuidado com os filhos sozinha. Ela não tem carro, e nesta quarta-feira (10), levou a filha para a faculdade por não ter onde deixá-la.

“Eu só fui fazer a faculdade porque tinha onde deixar, eu preciso 99,9% do Ceinf. Levei ela na sala e aí a professora fica estressada, tem professor que não deixa. Como ela já tem quase dois anos, perante a faculdade não tem como autorizarem. Eu tenho aula de laboratório de anatomia, mexo em laboratório de ciências moleculares, então não é ambiente pra ela”, conta.

“Entendo que é um direito deles [paralisação], mas eu fui muito afetada. Eu tenho professores na minha família, eles têm mesmo que reivindicar”. Juliana está desempregada, e teme ser reprovada, já que, para cuidar da pequena, ela pode ter que faltar às aulas. “Se não tiver como, eu reprovo, é um custo que eu não posso arcar. Eu moro na Mata do Jacinto, eu não tenho passe pra subir até o Ceinf, dependo do meu passe da faculdade pra deixar ela e chegar na faculdade. Consegui uma bicicleta que tem uma cadeirinha e é assim que eu levo ela”, relata.

Os trabalhadores da (Organização Mundial para Educação Pré-Escolar) receberam com atraso na última quarta-feira (9). Os terceirizados da (Sociedade Caritativa e Humanitária), no entanto, ainda não receberam, e o funcionamento dos Ceinfs (Centro de Educação Infantil) segue prejudicado.

“A paralisação, eu como parte da categoria, eu entendo, eu acho que ela teria uma efetividade melhor se toda comunidade civil fizesse parte da greve, até porque a greve é constitucionalmente legal, o que não é legal é a falta de responsabilidade do poder público. Dos Ceinfs e das creches eu não tenho o que reclamar, os profissionais são muito capacitados, coerentes, o problema mesmo é a falta de salário e responsabilidade com a educação”, conta a professora Janine Azevedo Barthimann Carvalho, 24, que trabalha e faz mestrado, rotina que ela tenta adaptar, agora que a filha de 4 anos não pode contar com o Ceinf José Ramão Cantero, no bairro Jardim Futurista.

Janine conta que, agora, a ajuda vem de pessoas próximas. “As pessoas se cansam dessa ausência de responsabilidade, os pais se cansam de cobrar do poder público porque nunca surte efeito. Eu procuro, sempre que a rotina é alterada, esclarecer pra minha filha. Quando o Ceinf entrou em greve, já falei pra ela ‘filha, sua escola não vai ter aula porque vai ter greve, porque as pessoas precisam ganhar dinheiro pra trabalhar'. Expliquei que ela teria que ir comigo ou ficar com outras pessoas, ela é muito tranquila, não chorou. É complicado, porque sai da rotina, você está acostumada a sair do trabalho, pegar sua filha, e aí tem que deixar em um lugar mais distante.

A vendedora Ana Paula Fernandes Carneiro,31, perde o horário de almoço, enquanto busca a filha na casa de uma pessoa, para deixar na casa de outra, e, então, poder voltar ao trabalho. “A gente depende de outras pessoas pra ficar com a minha filha, ontem ela ficou com a minha mãe num horário e depois com a minha avó, na hora do almoço corro pra buscar ela. A minha sorte é que eu tenho carro, mas eu nem tenho mais horário do almoço porque tenho que tirar de um lugar, levar pro outro, então atrapalha”, explica.

“Eu acho assim, é um direito que tem de reivindicar, eu acho que ninguém tem que trabalhar sem receber, mas eles poderiam fazer uma alternância, não paralisação completa, pra que não prejudicasse tanto quem não tem com quem deixar. Querendo ou não influencia na rotina, ela está acostumada a ficar com amiguinhos, brincar, de repente se vê num lugar sem crianças”, afirma.

Ana Paula, ainda assim, também culpa a Prefeitura. “A sensação é essa, é de descaso mesmo, é desumano o que eles fazem, porque só lembram dos profissionais na época da eleição, antes foram pagos antecipados, aí agora começam a fazer descaso. Eles não estão ligando, não é só a falta de pagamento, é questão de merenda, a gente tem que levar fruta pros nossos filhos, fazer doação. Eu me sinto segura porque conheço as pessoas que estão lá, mas o sentimento é descaso”, relata.

“Hoje a tarde a minha mãe está gripada, doente. Eu tinha duas alternativas: ou deixava com ela ou levava pro trabalho. Não consigo ficar tranquila, minha mãe também não consegue desenvolver o trabalho dela porque tem que cuidar da minha filha”, complementa Ana Paula.

O atraso no pagamento afetou aproximadamente 4 mil terceirizados que trabalham no Ceinfs, nos Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e nas próprias instituições, para gerir o convênio das entidades com a Prefeitura de Campo Grande.

A presidente do Senalba (Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de Mato Grosso do Sul) Maria Joana Berreto Pereira também culpou a Prefeitura. “A culpa total é da Prefeitura. Esse dinheiro, para pagar esses convênios, já está orçado. Não tem como. É só falta de vontade”, declarou.

Na tarde da terça-feira (8), o Secretário de Planejamento, Finanças e Controle, Disney de Souza Fernandes, informou ao Jornal Midiamax que, em relação aos trabalhadores lotados na Seleta, as informações do espelho da folha de pagamento, que devem ser enviadas pela Semed (Secretaria Municipal de Educação), ainda estavam sendo aguardadas.