Com média de oito ocorrências a cada 12 horas, fama não é de graça
O bairro Nova Lima, que se formou a partir da inauguração do hospital São Julião, em 1941, hoje é um dos mais violentos da Capital. Com média de oito ocorrências a cada 12 horas, a polícia comunitária da região diz que o bairro não tem fama à toa, e que o problema se agrava devido à impunidade que existe no país.
A morte do jovem David Renato Daniel, de 18 anos, o ‘Jamelão’, na manhã desta sexta-feira (22), no cruzamento da Rua Professora Antônia Capilé com a Rua Cláudio Manoel da Costa, vem reforçar o estigma de violento que o bairro carrega há anos. O jovem estava na frente da residência de um amigo, quando um motociclista passou pelo local atirando.
De acordo com a Polícia Militar Comunitária do Nova Lima, o rapaz, que recém havia completado a maioridade vivia entrando e saindo da Unei (Unidade Educacional de Internação). Para os militares, isso é reflexo de uma politica judiciária falha que permite que a criminalidade se alastre pelo país. “O sistema judiciário é falho. E cada vez mais estão usando menores na criminalidade. Fazem isso porque eles saem impune. Os lideres das gangues cooptam esses menores porque sabem que não vai dar em nada”, diz.
“ A gente faz a nossa parte e a legislação dá brecha para soltar. A legislação é falha. No Brasil a gente só remedia”, emenda.
Os policiais explicam que “o menor assume até crime que não cometeu, ou porque deve e tem que pagar dívida ou porque quer pagar de bandido e se sentir o maioral”. Segundo os militares, essa falta de punição tem causado um problema muito grande. Pois jovens tem entrado para o crime, cada vez com menos idade, e quando atingem a maioridade já tem uma ficha enorme. “As brigas de gangues vêm aumentando e se acirrando ano a ano. O caminho para evitar maiores transtornos tem sido a abordagem intensiva, mas com legislação frágil, o trabalho da gente acaba, muitas vezes, sendo em vão”, reclama.
As gangues, as brigas entre elas, o álcool e as drogas são alguns dos motivos apontados por moradores para a violência do bairro.
Lindalva Gonçalves, de 34 anos, auxiliar de produção, diz que o bairro é violento sim e que as gangues e o tráfico são responsáveis pelos índices de crime na região. “Eu nunca fui assaltada, mas uma vez levaram uma cadeira lá de casa. E o bandido que mora ali perto ficava com a cadeira quase na frente da minha casa, ainda, como que exibindo. E eu não posso falar nada, porque tenho filhos e tenho que preservar a minha família”, diz.
Segundo ela, a solução é fazer “amizade” com o bandido. “Tem que ter boa reçlçao com eles. Cumprimentar, ser educado. Apropria bandidagem cuida. Não pode mexer com eles, a politica é a do não vi, não escutei, não sei”, afirma.
Para ela, um erro para os índices de crime é a Prefeitura não cuidar da limpeza de terrenos públicos e não multar os particulares. A retirada dos guardas municipais dos Ceinfs (Centro de Educação Infantil) é outra medida que ela vê como equivocada. “O matagal da creche e do posto de saúde tá enorme. Os agentes de saúde vem notifica a gente, mas não notifica eles próprios. Ali além de criadouro de mosquito é esconderijo pra bandido”, critica.
A dona de casa, Maria Madalena, de 53 anos, também diz que o bairro é perigoso. Segundo ela, o Nova Lima tem fama e faz jus a ela. “Ontem mesmo vi uma briga do inferno. Os caras estavam brigando, rolando no chão ai um entrou na casa pegou a peixeira e saiu correndo atrás do outro. Perto da minha casa mesmo já mataram um. E aqui se reclamar e reagir morre também”, diz, como funciona a lei dos bandidos.
A quem discorde. Para o borracheiro Donias da Silva, de 42 anos, há 15 no Nova Lima, o bairro melhorou muito, o que não mudou foi o estigma. “De cinco anos para cá mudou muito. Tinha muita rixa com bairros vizinhos, hoje a gente quase não vê. Claro que tem confusão, mas como tem em qualquer lugar”, defende.
O filho dele, Wallace Wesley Pereira, de 23 anos, comerciante, diz que o local sofre mais preconceito do que violência. “O bairro é tranquilo, no condiz com a fama. Mas isso prejudica”, afirma. Segundo ele, ao procurar trabalho no Centro da cidade as pessoas olham torto quando diz onde mora. “Já te olham como se fosse bandido”, critica.
Quem também acredita que o bairro não tem tanta criminalidade como dizem é Geraldo Mariano da Silva, de 68 anos. Há cinco no bairro, ele diz que chega tarde da igreja quase todos os dias e do jeito que deixa a casa a encontra. “Volto quase todos os dias para casa depois das 22 horas. Não preciso me preocupar com nada. Do jeito que deixo fica”, diz.
História do Nova Lima
Administrador do Hospital São Julião, Amílton Alvarenga, conta que a unidade de saúde se criou a partir de uma política de saúde que internava compulsoriamente as pessoas que tinham hanseníase. Campo Grande foi uma da 35 cidades a receber este tipo de hospital.
Segundo ele, no entorno da unidade, não havia nada, até que familiares de internos do São Julião começaram a mudar para a localidade. “A ideia era um centro colônia, lugares distantes das cidades onde as pessoas entravam e não mais saíam. Isso aqui era uma mini cidade, tinha centro de convenções e até cadeia. Mas com o passar do tempo, a hanseníase passou a ter cura e familiares começaram a morar no entorno”, diz.
A mudança veio quase 50 anos depois da inauguração. Foi em 1986 que a droga que cura a hanseníase passou a ser comercializada no Brasil. Com isso, os familiares passaram a poder ter um convívio maior com os internos e muitos deixaram o hospital e passaram a morar perto para continuarem o tratamento.
Com a mudança, o hospital também se abriu mais para a comunidade e a escola que era para os internos se tornou estadual e abriu as portas para quem quisesse lá estudar. Atualmente, a escola tem capacidade para 500 alunos e muitos dos aqui ali passaram voltaram para a sala de aula, como professores, ou para o próprio hospital como profissionais.
Amílton Alvarenga, que está à frente da administração há 9 anos, diz que acompanhou a história da formação do hospital, e do bairro Nova Lima, pelos relatos, documentos e pela vivência dele. Ele diz que logo que começou a trabalhar no São Julião ouvia a pessoas dizerem para se cuidar, pois a região era perigosa.
Hoje já não escuta os alertas e acredita que deixou de ouvi-las devido às melhorias da região. “Houve muita melhoria. Antes não era raro entrarem aqui e furtarem. Há mais de cinco anos não temos relatos de furtos”, diz, pontuando que área tem 230 hectares e além da parte do hospital eles tem fazenda com gado, porcos e outras criações.
Mas apesar dos avanços, ele pontua que observa o aumento de jovens usando drogas na região e sabe que isso é um dos motivos de violência no país. “Aqui dentro não vemos nada. Mas quando saio daqui tarde da noite vejo muitos jovens usando drogas. Isso nunca no afetou diretamente, mas sabemos o mal que causa”, diz.