Falta de diálogo com a sociedade motivou ação civil pública

A Comissão de Direito Mobiliário, Urbanístico, Notorial e Registral da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul) ingressou com ação civil pública na manhã desta terça-feira (20) pedindo a suspensão do processo que revisa o de – instrumento público que deve ser revisado a cada dez anos, responsável pelo ordenamento da expansão das cidades, cumprindo função social. Apesar de nomearem diversos “vícios” e pontos conflitivos no novo Plano, o que a OAB questiona é ausência de democracia durante a revisão do documento, ou seja, ausência de diálogo junto à sociedade civil.

Para o presidente da OAB-MS, Mansou Elias Karmouche, o novo plano é “totalmente fora da realidade de Campo Grande. “O plano diretor tem 56 artigos e eles querem levar pra 200 com vários tipos de condições que prejudicam o direito de propriedade, que aumentam os valores dos impostos sem discussão com a sociedade. Entidades como a Secov, Crea e CAU, todas elas foram contra. Você tem as audiências públicas pra discutir e eles nunca apresentaram. A gente espera que consiga pelo menos que imponha a discussão com a sociedade. Trouxeram o plano de São Paulo, querendo encaixar aqui, totalmente fora da realidade”, declara.

O que a Comissão questiona

A Lei Federal 10.257/2001 instituiu o Estatuto das Cidades. O Estatuto, por sua vez, coordena a elaboração do Plano diretor. O inciso 4º do Capítulo 3, afirma que: “No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos”.

A ação ingressada pela Comissão Mobiliária da Ordem não entra no mérito do conteúdo – e sim do que preconiza o inciso 4º do Estatuto. Ainda assim, o presidente da Comissão, Alípio Marcos Laca de Oliveira e o advogado, que também integra a Comissão, Lairson Palermo, explicam que diversos pontos revisados pelo plano podem causar tensão. Atualmente, o Plano Diretor tem 56 artigos, a nova revisão deixou o documento com 229, de acordo com eles. A Prefeitura contratou a empresa Urbtec, do Paraná, para revisar o Plano, e os advogados afirmam que boa parte do documento é baseada no Plano Diretor de São Paulo e de Curitiba. Entenda quais são:

 

Direito de perempção:

 

De acordo com Alípio Marcos, a Prefeitura institui, com o novo Plano, uma premissa que pode retardar a Construção Civil e o mercado imobiliário, além de ferir o direito de propriedade, previsto na Constituição Federal. O prazo peremptório, de acordo com ele, afirma que todo terreno, antes de ser vendido, precisa de uma certidão da Prefeitura, declarando não ter interesse no terreno em questão. Caso a administração tenha interesse, o terreno não poderá ser vendido.

“O direito de perempção, pra você vender qualquer terreno, com mais de 200 metros quadrados, você tem que, primeiro, informar a Prefeitura. Digamos que você tem um terreno, você não pode dispor do seu direito de propriedade porque na hora que você chegar no cartório ele vai exigir a certidão da prefeitura dizendo que ela não tem interesse. Pra certidão sair ela [Prefeitura] tem que mandar um técnico lá pra ver onde é o imóvel, vai passar pelos trâmites. Vai paralisar o mercado imobiliário”, declara Alípio.

 

 

 

 

IPTU Progressivo:

 

De acordo com o presidente da Comissão, outro artigo prevê que um terreno deve ter, ao menos, 20% do espaço ocupado, caso contrário, o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) será progressivo, ou seja, téra a alíquota aumentada anualmente enquanto o imóvel não tiver aproveitamento de uso.

 

Criação de um Fundo:

 

Alípio afirma que o novo Plano também cria um Fundo da Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) que deverá ter 1% do que for arrecadado por Campo Grande. De acordo com ele, esse Fundo também pode ser utilizado, conforme o Novo Plano, para pagar benefícios salariais.

“Aí você vê a briga que a Planur está comprando pela aprovação. Abre precedente pra uma série de irregularidades salariais. Já pensou se cada secretaria, instituto, autarquia, quisesse criar um fundo gerido por ela sem explicar pra ninguém? O que está sendo colocado pelo plano tem que ser normatizado por outra lei”, declara.

 

Gabarito único:

 

Conforme o presidente, o “gabarito” do Novo Plano prevê um limite de construção em terrenos.

“Você pode construir um único pavimento no terreno. O Jardim dos Estados por exemplo, pela legislação você só vai poder construir 1000 metros, é como se não tivesse a posse em toalidade do terreno. Estão dizendo que será uma fonte de arrecadação maravilhosa, mas São Paulo é outra realidade. Segundo as empresas de Construção e as entidades, vai paralisar as construções, vai invaliabilizar a consturão civil, eles vão acabar indo pra outros locais. A Prefeitura está pensando no impostos mas e o desemprego gerado? Um momento tão crucial, uma crise como estamos vivendo, não é um momento de você ficar com achismo e brincar com 800 mil pessoas”, explica.

 

 

(arquivo/Midiamax)

 

 

Falta de diálogo

 

Ainda assim, o que a OAB questiona com a ação é a falta de diálogo. “No começo do ano, surgiu esse assunto em pauta, e aí o assunto ganhou importância, começamos a acompanhar a tramitação da revisão, a questão contratual, a necessidade ou não se de contratar consultoria pra isso. Foi aí que a nossa Comissão convocou uma audiência pública, não estava no script da Planurb, mas convidamos publicamente e disse que não viria, já identifcamos aí um vício na gestão democrática. Sofremos todo aquele trauma, não era objetivo fazer contraponto político”, explica o advogado Lairson Palermo.

Para Alípio, a Prefeitura pode estar “com a razão” em todos os pontos “conflitivos”, mas, para seguir adiante com o Plano, deve consultar a sociedade. “Se a população decidir que isso é correto, tudo bem, mas ela não foi ouvida. Jogar pra Câmara, pressionar pra votar no apagar das luzes, é um absurdo. Vamos pensar nos próximos 30 ou 40 anos. Nós não estamos dizendo se é bom ou ruim. Apenas queremos que a sociedade seja ouvida', afirma.

De acordo com a OAB-MS, a Prefeitura pretende votar a revisão do Plano até o dia 22. “Entramos hoje pela manhã mesmo com o recesso forense, para que o judiciário apressie e paralise esse processo”.

O jornal Midiamax questionou a Prefeitura, mas até o fechamento dessa matéria a administração não emitiu posicionamento.