Chuvas em SP: ‘A gente vê na TV, mas nunca acha que pode acontecer com você’

Ao menos 24 pessoas morreram, entre elas oito crianças, em decorrência das fortes chuvas em SP

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Pelo menos 24 pessoas morreram, entre elas oito crianças, em decorrência das fortes chuvas que atingiram a região metropolitana e o interior de São Paulo desde domingo, 30. Cerca de 1.500 famílias estão desabrigadas e outras 320 foram desalojadas. Segundo o governo estadual, 27 municípios foram afetados. Ao menos oito pessoas seguiam desaparecidas até as 21h desta segunda-feira, 31.

“Não sei de onde estou tirando forças, viu? A gente vê essas coisas na televisão, mas nunca acha que pode acontecer com você”, desabafa a auxiliar de limpeza Margarida dos Santos, de 46 anos. É ela quem agora vai cuidar dos três sobrinhos que sobreviveram ao deslizamento de terra que matou três pessoas na Rua Jatobá, em Embu das Artes, no último sábado, por volta das 23h30.

Os vizinhos contam que nesse horário ouviram o barulho do deslizamento que derrubou três casas por ali, uma em cima da outra. “A gente achou que era a ribanceira aqui perto caindo. Depois ouvimos os gritos de socorro”, conta Luciana Dantas, de 30 anos, moradora da rua e amiga das vítimas.

As três casas destruídas no deslizamento pertenciam à família de Eliane Rodrigues, de 45 anos, que morava na última delas com os cinco filhos. As duas de cima eram ocupadas por Margarida e a filha, que se mudaram dali há menos de um ano. “Eu já estava cansada de lá e precisava morar perto do emprego”, conta Margarida.

Surdas

Eliane, assim como a caçula Júlia Sofia, de 4 anos, era surda. Naquela noite, elas estavam dormindo juntas na mesma cama e foram soterradas pelo deslizamento, sem ouvirem o que acontecia do lado de fora. A outra vítima da tragédia foi o primogênito Felipe dos Santos, de 21 anos, que havia acabado de chegar do restaurante onde trabalhava como cozinheiro e, segundo os irmãos, teria tomado um banho e “apagado” de cansaço.

Gabriel, Rafael e Isabela, os irmãos de 19, 16 e 14 anos, estavam na sala vendo TV na hora em que o barranco caiu em cima da casa. Gabriel conseguiu fugir a tempo com a namorada Ellen, grávida de 20 anos, enquanto os dois mais novos ficaram com parte dos corpos presos na terra. “Só deu tempo de salvar a vida e a roupa do corpo”, lembra a tia, Margarida.

Outras 16 casas da Rua Jatobá foram interditadas após o deslizamento de sábado, 29. Muitos estão abrigados temporariamente na casa de vizinhos ou parentes próximos dali. “Não vamos deixar ninguém desamparado aqui”, conta Margareth Câmara, de 57 anos. Os moradores relatam que há anos pedem ajuda da prefeitura de Embu das Artes para cuidar do saneamento básico, inexistente na área, e do perigo de deslizamento.

“Dois dias antes dessa tragédia, caiu um outro barranco aqui, e a Defesa Civil disse que só poderia arranjar uma lona para cobrirmos o entulho. Estão esperando acontecer uma tragédia maior para fazerem alguma coisa”, reclamou um morador que preferiu não se identificar. Questionada, a prefeitura de Embu das Artes não respondeu à reportagem até as 21 horas de ontem.

O velório de Eliane, Júlia e Felipe foi às 9h desta segunda-feira, no Cemitério do Rosário, em Embu das Artes. Os filhos de Eliane que sobreviveram “ainda estão em estado de choque”, segundo a tia. O pai, que também é surdo, esteve no local da tragédia durante a tarde, quando recebeu doações e abraços dos vizinhos. “Eles são muito queridos aqui. Mesmo com a deficiência, a gente conseguia se entender e todo o mundo gosta deles”, contou uma amiga da família.

“Eu não sabia em qual caixão chorar”, desabafa Margarida. “Mas Deus vai me dar forças, vai, sim”, conta ela, que agora cuidará dos três adolescentes, além de seus quatro outros filhos. A família tem aceitado doações na igreja de Embu das Artes ou no número 162 da Rua Plínio Marcos, em Taboão da Serra.

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