Com recorde de casos de covid-19 e hospitais entrando em colapso, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou a americanos nesta sexta-feira, 5, que o sistema de saúde brasileiro está “suportando bem” a pandemia do novo coronavírus.

“O sistema de saúde está sob estresse, mas está suportando bem. Há falta de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) em alguns Estados, mas no geral o sistema está suportando bem”, disse Araújo, em evento virtual promovido pelo Conselho das Américas, entidade fundada por banqueiros americanos.

A afirmação do chanceler se choca com dados de entidades federais. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (), ao longo de toda a pandemia nunca houve um cenário como o atual no sistema de saúde nacional, com a maioria dos Estados e o na zona de “alerta crítico”.

O governo federal e os Estados correm para tentar reabrir leitos de UTI e hospitais de campanha, que vinham sendo fechados desde o fim do ano passado. Governadores de 14 Estados disseram em carta que os sistemas locais de saúde operam “no limite” da capacidade e cobraram celeridade na vacinação. Há restrições de circulação e funcionamento de atividades comerciais em diversas capitais e centros urbanos.

Os números de casos e mortes por covid-19 bateram recordes nesta semana. Na quarta-feira, a quantidade de pessoas que morreram em 24 horas chegou ao pico de 1.840, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa. Ao todo, o País contabiliza mais de 260 mil mortos.

Sem citar dados que corroboram sua afirmação, Araújo disse que a alta é “aparentemente normal” após o início da vacinação e afirmou que o Brasil deve se aproximar de uma queda em até três semanas. Ele disse que a vacinação no País, cuja demora e escassez de doses causam desgastes políticos ao presidente Jair Bolsonaro, só deve ser considerada “lenta” se comparada a nações como os Estados Unidos e Israel. Ele não citou dados de doses.

“Aparentemente, é normal uma alta de casos após o início da vacinação forte e eles caem de forma abrupta. Talvez estejamos a duas ou três semanas desse ponto de queda, se você olhar a curva de outros países”, disse o chanceler. “A vacinação está acelerando, gostaríamos que fosse mais rápida. Está lenta se comparada com EUA ou Israel, mas não tão lenta se comparada com a Europa. Países europeus já vacinaram 5% da população, e no Brasil vacinamos cerca de 4%, com os desafios logísticos que temos. Os números (de vacinados) vão aumentar nas próximas semanas.”

O ministro disse ainda que casos de infecção por mutações do novo coronavírus também devem cair. A variante do coronavírus originada em Manaus no fim de 2020 já é predominante na Grande São Paulo, segundo estudo feito pela rede Dasa de laboratórios em parceria com cientistas do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP). Essa variante e outras duas, detectadas no Reino Unido e na África do Sul, são já predominantes no Ceará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, segundo o Observatório Covid-19 da Fiocruz.

“Essa mistura da queda de casos, inclusive da nova variante que aparentemente está seguindo essa mesma curva, vacinação e o retorno à vida normal, o crescimento econômico vai regressar, a confiança das pessoas vai voltar”, disse Araújo.

O chanceler também afirmou que há “pressão popular” contra os decretos restritivos que impõem o distanciamento social, determinados pelos governadores. As manifestações contra as restrições contam com o apoio do presidente Bolsonaro, que critica governadores pelas perdas de empregos e diz que não haveria lockdown se dependesse dele. A medida é recomendada por autoridades sanitárias como forma de se evitar a propagação rápida da doença e o colapso no sistema hospitalar.

“É claro que as pessoas querem ser vacinadas, mas querem também voltar a trabalhar. Há forte pressão popular para que não haja ou para que acabem os lockdowns decretados por governadores”, disse o chanceler. “O sentimento popular é que precisamos voltar ao trabalho assim que tivermos uma vacinação decente, nós temos, mas com a vacinação mostrando que diminui os casos, as coisas vão melhorar, tenho certeza, em algumas semanas.”

Biden

O ministro foi convidado a falar sobre a relação e a agenda Brasil-EUA a partir deste ano, após a derrota do ex-presidente Donald Trump, político republicano que Bolsonaro apoiava. Apesar de Bolsonaro ter aventado sem provas fraude na eleição do presidente Joe Biden e criticado posições do democrata, Araújo disse que “nada mudou” para o governo brasileiro após a posse dele, em 20 de janeiro.

“Nada mudou para nós em 20 de janeiro”, disse o chanceler. Para Araújo, faz todo o sentido que os países continuem a trabalhar juntos por interesses econômicos comuns, visões de mundo, valores manifestados pelos presidentes e a necessidade de lutar contra o crime organizado e contra ameaças à democracia na região e no mundo. “Vamos trabalhar juntos e estar juntos em tudo com o governo Biden, como antes. Porque é o natural a se fazer, na nossa visão.”

O ministro disse que o governo brasileiro tem expectativa de que Bolsonaro e Biden mantenham uma reunião bilateral, num encontro que ainda não tem data para ocorrer. “Temos esperança. Eles têm as mesmas iniciais, J.B. e J.B. A relação pode ser muito boa no nível presidencial e é importante que seja assim. Temos a mesma abordagem para o que é fundamental. Isso ficou claro na carta que o presidente Bolsonaro mandou ao presidente Biden, e na carta que Biden mandou a Bolsonaro nesta semana. Os pilares desse prédio estão lá: democracia, prosperidade e valores são os mesmos. Só vejo uma boa perspectiva na interação pessoal.”

O chanceler afirmou que os dois presidentes são pragmáticos e têm “coragem política” de tomar decisões difíceis, além de “apoio popular”. Ele citou o recorde de votos recebidos por Biden e Bolsonaro nas respectivas eleições como outra “coincidência” entre eles, embora o brasileiro tenha contestado a vitória do americano, em apoio a alegações de fraude do “amigo” Trump.

Araújo disse que a pauta climática, que opõe os presidentes e causou divergências públicas e bate-boca na campanha eleitoral dos EUA, não é mais um obstáculo no caminho e já começou a ser trabalhada. Ele citou como exemplo a reunião virtual realizada com o enviado especial de Biden para mudanças climáticas, John Kerry, no mês passado. Os países discutem o Acordo de Paris, a ser implementado na Cúpula do Clima (COP-26), e a participação brasileira na Cúpula da Terra, em abril, convocada por Biden. O Brasil cobra mais financiamento por parte de países ricos.

“Estaremos absolutamente juntos no clima”, afirmou o ministro. “As conversas que eu e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tivemos com Kerry e os trabalhos técnicos posteriores em andamento mostram que podemos trabalhar como parceiros-chave para uma COP 26 de sucesso e a implementação completa de instrumentos de acordos climáticos. Não há diferenças filosóficas, há diferenças de abordagens sobre como fazer as coisas, mas no geral há disposição para cooperação em relação ao , disposição de investimento significativo em desenvolvimento sustentável na Amazônia, por exemplo. Algo que era tratado talvez como impedimento à continuidade de uma aliança está totalmente fora do caminho, estamos trabalhando juntos nessa área. Estamos convergindo, talvez com instrumentos diferentes.”