Drible no teto de gastos cria cilada para 2023
Para especialistas, ao elevar o Auxílio Brasil para R$400 sem cortar outras despesas, o governo cria uma bomba fiscal para quem for eleito no ano que vem
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Em nome de sua tentativa de reeleição, o governo Jair Bolsonaro chancelou o desmonte na regra do teto de gastos – que limita o crescimento das despesas do governo à inflação. Mas pode acabar criando uma armadilha fiscal a ser desarmada pelo próximo presidente – que pode ser o próprio Bolsonaro – já em janeiro de 2023.
Quase metade do valor de ao menos R$ 400 a ser pago no Auxílio Brasil, novo programa social substituto do Bolsa Família, será em caráter temporário e acabará junto com a atual gestão, deixando famílias já em situação vulnerável expostas a um corte abrupto na renda domiciliar.
Especialistas apontam que dificilmente o próximo presidente conseguirá reduzir à metade o valor do benefício no início do governo, criando uma pressão para que o gasto se torne permanente.
O governo e lideranças do Centrão, com aval do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, patrocinaram uma mudança na regra do teto para abrir um espaço de mais de R$ 80 bilhões no Orçamento. Mas esse espaço não deve ir apenas para o Auxílio Brasil – será tomado por outras despesas.
Com o Auxílio Brasil turbinado e a certeza de uma injeção de gastos em 2022, o Banco Central deve precisar subir mais a taxa básica de juros, a Selic, para manter as rédeas sobre a inflação Economistas já projetam que a Selic irá para algo mais próximo de 11%, e essa taxa norteia boa parte do custo da dívida pública
No Ministério da Economia, até integrantes da equipe apontam reservadamente que, com a quebra do teto, o governo vai acabar tendo de pagar dois Auxílios Brasil: um às famílias e um outro gerado pelo custo maior dos juros da dívida.
O economista-chefe da XP investimentos, Caio Megale, estima que a elevação adicional da Selic para o patamar de 11% deve custar cerca de R$ 70 bilhões em despesas de juros em 12 meses. “São dois programas Bolsa Família”, diz.
Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e hoje diretor da ASA Investments, lembra que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) abandonou os pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2014, no intuito de se reeleger, e teve sucesso em garantir mais um mandato, mas acabou jogando o Brasil em uma recessão profunda. “Já vimos esse filme.”
Com a antecipação dos embates em torno do teto, Kawall acredita que 2023 será menos incerto, mas avalia que dificilmente o próximo presidente conseguirá reduzir o Auxílio Brasil a menos de R$ 400. “Isso significa que a gente tem agora um crescimento de gasto em relação ao PIB que virou permanente.”
Um dos criadores do teto de gastos, o pesquisador do Insper, Marcos Mendes, diz que, se o próximo presidente estiver comprometido com a responsabilidade fiscal, terá de começar do zero. “O mercado não vai viver em eterna crise, se afundando todo dia. Vai se acomodar em patamar pior.”
ARMADILHA FISCAL
– Teto rompido: Para elevar o Auxílio Brasil dos atuais R$ 200, em média, para R$ 400, o governo poderia ter buscado a redução de gastos considerados desnecessários, como subsídios, emendas parlamentares ou o fundo eleitoral, turbinado nesta legislatura. Mas, sob pressão política para elevar desembolsos com vistas à eleição de 2022, preferiu mexer na regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas.
– Gasto permanente: A mudança no Auxílio é temporária: vai até dezembro de 2022. Mas, para especialistas, dificilmente o próximo presidente conseguirá reduzir o valor para R$ 200 novamente, o que criaria um aumento permanente de despesas sem a contrapartida do aumento das receitas.
– Prejuízo aos mais pobres: Ao apontar o aumento de gastos sem ter receita para isso, o governo sinaliza um descontrole das contas que faz o dólar subir, a inflação continuar alta e os juros aumentarem, prejudicando o crescimento da economia. Com isso, acaba prejudicando mais diretamente a população mais pobre.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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