Quando Pelerson Penido decidiu modificar o negócio de décadas da família, sua maior preocupação era fazer a velha fazenda de gado dar certo. Os animais cultivados de modo extensivo não se mostravam rentáveis, a terra estava seca, o pasto, improdutivo. Era quase mais vantajoso deixar o dinheiro no banco do que na fazenda. Ele, então, intensificou a , integrou com o plantio de e, em apenas dez anos, aumentou a produção de alimentos em 40 vezes sem derrubar nenhuma árvore. Sustentabilidade não era sua meta, mas se tornou a consequência de suas ações. E hoje é seu plano futuro. Com a , ele quer melhorar o planeta.

Penido, que comanda uma das principais fazendas de gado e soja do Brasil, a Roncador, em Querência (MT), trilha um caminho considerado uma das melhores alternativas para um setor que vem acumulando má fama em sua relação com o ambiente. A agropecuária é a atividade econômica responsável pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa no País, tanto por causa do desmatamento associado para expansão da fronteira quanto pela fermentação entérica dos animais.

No início de agosto, quando as queimadas escancaravam a alta do desmate na Amazônia provocado em parte por madeireiros e pecuaristas, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelou que 23% das emissões de gases-estufa mundiais são provenientes da agropecuária e do desmatamento. O corpo científico declarou que combater a perda das florestas e produzir alimentos de forma mais sustentável são fundamentais para conter o aquecimento global. E ainda sugeriu que a humanidade consuma menos carne.

“Todo mundo fala mal do boi. Coitado do boi…”, reflete Penido. “Mas não precisa ser assim. Fazendo as coisas certas, em vez de emitir, passamos a sequestrar carbono”, diz, em referência a um dos principais resultados da transformação da Roncador. Considerando o balanço de toda a operação, a fazenda, que na safra de 2007-2008 emitia 46,7 mil toneladas de CO2-equivalente, passou a capturar, em 2018, 89 mil toneladas de CO2-equivalente. “A gente neutraliza as emissões anuais de 51 mil carros”, calcula.

Por “coisas certas”, Penido resume: “fazer gestão, medir, aplicar”. Para ele, falta isso para o pecuarista tradicional: medir e entender os dados da própria fazenda. Foi o que lhe deu base para saber quais vacas retirar do pasto porque não ficavam prenhes, recuperar a área e ajustar a taxa de lotação.

A pecuária, que ocupava quase 60 mil hectares da fazenda (cerca de metade era degradada), foi intensificada e hoje alcança cerca de 30 mil hectares (o equivalente a cerca de 30 campos de futebol). A produção de carne, por sua vez, cresceu 30%. Parte da área original foi convertida para um sistema consorciado que alterna pasto com soja – a chamada integração lavoura-pecuária (ILP).

A fazenda cria 70 mil cabeças de gado e, na última safra, produziu 1,4 milhões de sacas de 60 quilos de soja – no total, produz 40 vezes mais alimentos que há uma década. “E a expectativa é dobrar a produção de carne em quatro anos”, diz Penido.

Sistema 4Ps

Isso foi resolvido dentro do mesmo espaço já aberto no passado. A fazenda, de 152 mil hectares (tamanho da cidade de ), manteve metade de sua área preservada. “Aumentamos a produção de alimentos cuidando da floresta, da fauna, arrumando onde precisava e com as pessoas se desenvolvendo”, diz o produtor, que apelidou seu sistema de 4 Ps – “plantio, pecuária, pessoas e planeta”.

Ao longo de quatro meses, parte do terreno é ocupada com a agricultura. Um pouco antes da colheita, sementes de capim são jogadas por avião no terreno. “Quando colhemos a soja, o capim já está pequenininho no campo. No início da temporada seca, quem sobrevoa o norte de Mato Grosso em julho, agosto, vê tudo seco na região. Mas na fazenda está aquele mar verde escuro, de terra boa. Parece um oásis. E o gado, que antes tinha dificuldade de se alimentar na seca, agora tem seu período mais farto nesse período.”

Um cultivo ajuda a melhorar o outro, aumentando a ciclagem de nutrientes no solo e mantendo sua umidade. O plantio da soja é feito sobre a palha do capim. E, com a alternância de cultivos, não ocorre a compactação do solo tradicional da pecuária pelo pisoteio do gado.

Os dados sobre a transformação do sistema e o balanço de carbono da Roncador foram publicados em setembro na revista Agroanalysis, com o aval do engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa, uma das maiores autoridades sobre agricultura de baixo-carbono. A ideia é replicar o modelo.

Especialistas

A estratégia é defendida já há alguns anos por especialistas como uma forma de aumentar a produção de alimentos, conter o desmate e ainda evitar emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global. Mas pouco se avançou nessa agenda ao longo da década e os casos de sucesso no País de sistemas integrados ou de intensificação da pecuária são, em geral, projetos-piloto em pequenas ou médias propriedades.

Alguns dos exemplos são os que contam com a consultoria da empresa Pecsa (Pecuária Sustentável da Amazônia), que atua na recuperação de pastagens em Mato Grosso. O bom desempenho em uma fazenda do tamanho da Roncador indica que o modelo pode ser replicado (veja os resultados do modelo tradicional, da Pecsa e da Roncador no quadro ao lado).

“Os resultados comprovam que tudo o que falamos há anos é viável A pecuária, se bem feita, pode ser responsável por tirar muito gás de efeito estufa da atmosfera”, diz Assad, que assinou o artigo com Penido. “Mas em geral, quando o pecuarista vê que precisa gastar para implementar a mudança, se desinteressa. Agora o pessoal está percebendo que pode captar dinheiro por fazer práticas sustentáveis, com pagamento por serviços ambientais e mercado de carbono”, complementa.

Expansão do modelo

Os resultados da Roncador estão sendo usados para tentar convencer outros pecuaristas a também mudarem seus negócios. Esse trabalho vem sendo conduzido por Caio Penido, irmão de Pelerson, que preside o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável e coordena a Liga do Araguaia.

A articulação, que surgiu com a missão de neutralizar 500 mil toneladas de CO2 com reflorestamento por ocasião da olimpíada, trabalha para estimular a intensificação sustentável da pecuária, a regularização fundiária e ambiental e a valorização do ativo ambiental, com o pressuposto de que a mudança é economicamente viável. Já foram mobilizadas 63 fazendas, em um total de 150 mil hectares, no Vale do Araguaia.

“A ideia é mostrar que o produtor pode ser protagonista. Se ele está sendo afetado por negativas, tem de mostrar que pode ser um aliado (do ambiente) e grande beneficiário. Além de ganhar mais com a intensificação, pode ganhar com crédito de carbono. Temos de evoluir”, afirma Penido. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.