Pular para o conteúdo
Brasil

Após lama, Brumadinho registra alta de suicídio e prescrição de remédios

A lama da barragem da Vale que rompeu em Brumadinho continua afetando moradores do município mineiro. Pouco mais de sete meses depois da ruptura da represa de rejeitos de minério de ferro da empresa, ocorrida em 25 de janeiro, números da Secretaria Municipal da Saúde mostram aumento de suicídios e tentativas no município, principalmente entre […]
Arquivo -
Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

A lama da barragem da Vale que rompeu em continua afetando moradores do município mineiro. Pouco mais de sete meses depois da ruptura da represa de rejeitos de minério de ferro da empresa, ocorrida em 25 de janeiro, números da Secretaria Municipal da Saúde mostram aumento de suicídios e tentativas no município, principalmente entre mulheres. O quadro reflete a deterioração na saúde mental da população, comprovada por alta expressiva nas prescrições de antidepressivos e ansiolíticos (medicamentos para controlar ansiedade e tensão).

No primeiro semestre de 2019 foram registradas 39 tentativas de suicídio na cidade (11 entre homens e 28 entre mulheres), 9 a mais do que no mesmo período do ano passado – uma alta de 23%. Em relação aos suicídios, o número passou de um, em 2018, para 3 este ano.

“São mulheres que perderam filhos e marido. A sensação de perda para elas é maior para ressignificar a vida”, disse o secretário municipal de Saúde de Brumadinho, Junio Araújo Alves. “Essa é uma face do adoecimento mental da população. Estamos trabalhando para evitar um quadro ainda pior.”

Os dados da prefeitura mostram que o uso de antidepressivos por pacientes da rede pública de saúde foi, em agosto de 2019, 60% maior que no mesmo período do ano passado. Em relação aos ansiolíticos, o crescimento é ainda mais significativo, de 80%, no período.

Os números são ainda mais dramáticos se feito corte por remédio prescrito. “O uso de risperidona aumentou 143%”, relata o secretário. A droga é utilizada no tratamento de psicoses, agindo contra transtornos relacionados a pensamento, emoções, ansiedade, distúrbios de percepção e desconfiança.

Ex-moradora de Córrego do Feijão – a localidade mais afetada pela lama -, Elizângela Gonçalves Maia, de 39 anos, está nos dois registros de alta de medicamentos da prefeitura: após a tragédia, passou a tomar antidepressivo e ansiolítico. Depois da lama, ela continuou morando no bairro, que é afastado do centro, mas, com o sobrevoo constante de helicópteros na região, sua casa foi tomada por rachaduras e interditada pela Defesa Civil. Hoje, mora na cidade em casa alugada pela Vale.

“Fui diagnosticada com depressão. O que sinto é que estou em um lugar que não é o meu”, afirma Elizângela, que perdeu uma prima e amigos na tragédia. A ex-moradora do Córrego do Feijão continua trabalhando no bairro, como gerente de processamento em uma fazenda não atingida pela lama que produz pestos e antepastos. Elizângela passou a apresentar também pressão alta, mas diz não tomar remédio para a doença.

A agricultora Soraia Campos, de 42 anos, que participa da comissão de atingidos pelo rompimento da barragem, conta que o marido, um filho e uma filha também passaram a tomar ansiolítico A agricultora relata que iniciou tratamento com esse tipo de remédio, mas, por conta própria, suspendeu as doses. “Estava ficando prostrada, e não posso parar. Minha briga contra a Vale é grande.”

Como na guerra

O trauma psicológico sofrido por moradores de Brumadinho tem paralelo com o identificado em populações de países acometidos por guerras, destaca o professor Frederico Garcia, do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Federal de (UFMG). “As pessoas veem tanto a sua vida como seu futuro ameaçados de forma abrupta.”

Nesse cenário, cresce o risco de aumento de casos de suicídio, doenças mentais e uso de drogas e álcool. “É uma situação de sofrimento que pode perdurar por muitos anos. E não se pode minimizar a perda de cada pessoa, seja de parentes, perspectivas, trabalho ou sonhos. Todas as perdas podem ter consequências negativas”, diz.

Somando os registros de todas as especialidades médicas, os atendimentos na rede primária de saúde de Brumadinho aumentaram 63% no primeiro quadrimestre de 2019, ante o mesmo período de 2018, saltando de 33 mil para 54 mil. A situação se repete na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Antes do rompimento, o número máximo de atendimentos em um plantão de 12 horas registrado pela Secretaria de Saúde foi de 165. Após a lama, o teto de atendimento subiu para 280.

As contas da prefeitura projetam alta de R$ 15 milhões em 2019 com gastos no setor de saúde, chegando no período a R$ 70 milhões ante R$ 55 milhões em 2018. Os recursos para cobrir a diferença sairão de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no valor de R$ 31 milhões, para dois anos, fechado entre a Vale e a força-tarefa do Ministério Público que trabalha no levantamento dos impactos da lama na comunidade.

Preste atenção

1. O impacto das tragédias. Em períodos que seguem grandes tragédias – como uma guerra, um desastre ambiental ou o rompimento de um barragem, por exemplo – é comum haver aumento de registro de doenças mentais nas populações afetadas, como casos de depressão, ansiedade e também suicídio.

2. Sinais de alerta. Depressão causa tristeza profunda e pessimismo, sentimentos que podem culminar em comportamentos suicidas. Segundo o Ministério da Saúde, os sinais mais frequentes são irritabilidade, ansiedade, angústia, desânimo, cansaço fácil, e diminuição ou incapacidade de sentir alegria.

3. Outros sinais. Há também outros comportamentos que devem ser observados, de acordo com o Ministério da Saúde: aumento de sentimentos de medo e baixa autoestima, dificuldade de concentração, perda ou alta do apetite e do peso, raciocínio mais lento e episódios frequentes de esquecimento.

4. Surgimento de doenças. Pessoas com depressão podem apresentar baixa no sistema de imunidade, problemas inflamatórios e infecciosos. Dependendo da gravidade, a depressão também pode desencadear doenças cardiovasculares, como enfarte, acidente vascular cerebral (AVC) e hipertensão.

5. Prevenção. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 9 em cada 10 mortes por suicídio podem ser evitadas e a prevenção é fundamental. O assunto ainda é considerado tabu, e é fundamental que em momentos difíceis as pessoas consigam pedir ajuda para familiares, amigos ou um médico.

6. Setembro Amarelo. Este mês, o Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza a campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. O CVV reúne 3 mil voluntários, que atendem gratuitamente por telefone, chat ou pessoalmente. Quem precisa de ajuda pode ligar para o 188 a qualquer hora do dia ou noite.

Compartilhe

Notícias mais buscadas agora

Saiba mais

Durante chuva forte em Campo Grande, asfalto cede e abre ‘cratera’ na Avenida Mato Grosso

Bebê que teve 90% do corpo queimado após chapa de bife explodir morre na Santa Casa

Com alerta em todo o Estado, chuva forte atinge Campo Grande e deixa ruas alagadas

Tatuador que ficou cego após ser atingido por soda cáustica é preso por violência doméstica

Notícias mais lidas agora

Menino de 4 anos morre após tomar remédio controlado do pai em Campo Grande

Pedágios

Pedágio em rodovias da região leste de MS fica 4,83% mais caro a partir do dia 11 de fevereiro

Vítimas temem suposta pressão para abafar denúncias contra ‘fotógrafo de ricos’ em Campo Grande

Morto por engano: Trabalhador de usina foi executado a tiros no lugar do filho em MS

Últimas Notícias

Política

‘CPI do Consórcio Guaicurus’ chega a 10 assinaturas e já pode tramitar na Câmara

Presidente da Câmara, Papy (PSDB) não assinou pedido da CPI após defender mais dinheiro público para empresas de ônibus em Campo Grande

Cotidiano

Decisão de Trump de taxar aço pode afetar exportação de US$ 123 milhões de MS

Só em 2024, Mato Grosso do Sul exportou 123 milhões de dólares em ferro fundido para os EUA

Transparência

MPMS autoriza que ação contra ex-PGJ por atuação em concurso vá ao STJ

Ação pode anular etapa de concurso por participação inconstitucional de Magno

Política

Catan nega preconceito após Kemp pedir respeito à professora trans

Fantasia de ‘Barbie’ da professora não foi considerada exagerada por outros deputados