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Brasil

‘Sem nome, não existimos’, diz transexual pioneiro no Brasil

Primeiro a se submeter a redesignação de gênero
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Primeiro a se submeter a redesignação de gênero

Aos 66 anos, João Nery anda com dificuldade, apoiado em uma muleta. Foi assim que o ativista chegou hoje (27) a uma mesa redonda sobre o Dia da Visibilidade Trans, comemorado no próximo domingo (29), no Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz, no .

O primeiro transhomem a se submeter a cirurgias de redesignação de gênero no Brasil, há mais de 30 anos, está desempregado. Seu sustento vem da venda seu livro “Viagem solitária: Memórias de um transexual 30 anos depois” e da aposentadoria da mulher, com quem está casado há 20 anos.

Antes dos procedimentos para adequar seu corpo ao gênero com que se identifica, o masculino, ele chegou a se formar em psicologia. Seu diploma foi cassado quando registrou-se como João em um cartório, ainda na década de 1970, muitos anos antes de a Justiça decidir em favor da mudança de registros civis de qualquer transexual no país. A mudança já é possível atualmente, mesmo que ainda não haja uma lei no País que regulamente a modificação dos documentos. Para João, essa é a principal necessidade de um transexual brasileiro.

“Acho que a necessidade fundamental é o reconhecimento de um nome. Sem um nome que nos represente, não existimos, somos completamente invisíveis, abomináveis, objetos na sociedade”, desabafa João Nery, que dá nome a um projeto de lei que tramita no Congresso e trata da regulamentação das retificações de documentos para transexuais. “A aprovação desse projeto de lei seria a nossa liberdade”.

O projeto de lei, proposto pelos deputados federais Erika Kokay (PT-DF) e Jean Willys (PSOL-RJ), está na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e recebeu parecer favorável do relator em maio do ano passado. Apresentado em 2013, o texto ainda precisa passar pelas comissões de Seguridade Social e Família, Finanças e Tributação; e Constituição, Justiça de Cidadania antes de ir ao plenário da Casa.

Se ainda há muitos passos a serem dados na aceitação da população trans no País, os transhomens são um grupo ainda mais marginalizado, segundo João Nery.

“É preciso avançar muito também dentro da sociedade . Em tudo, há hierarquias. Quanto mais parecido com o cis [pessoa que se identifica com o gênero de seu registro de nascimento] você fica, mais você está no topo da pirâmide. Eu faço um trabalho de despreconceito dentro da população trans”, diz o ativista. João conta que trabalha até 14 horas por dia no Facebook ajudando pessoas trans a conseguirem assistência de profissionais capacitados.

Em um censo que organiza na internet, o ativista contabiliza mais de 3 mil transhomens no Brasil e tenta ajudá-los a criar grupos locais para que fiquem em contato com psicólogos, médicos e advogados próximos a suas residências. “Já tive infarto e fiquei um mês na CTI [Centro de Terapia Intensiva] de um hospital. Os profissionais de saúde não estão preparados para lidar com o corpo trans”, relata.

A defensora pública Lívia Casseres, do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis-RJ), confirma que a mudança dos documentos é a principal demanda da população trans na Defensoria. Os processos, no entanto, costumam ser demorados. Um estudo publicado em outubro do ano passado, que levantou 170 ações iniciadas entre 2010 e 2016, mostra que a média é de quatro anos de tramitação, e que apenas 40% dos processos havia chegado a um veredicto até a divulgação dos dados.

“A gente constatou a gravidade dessa lacuna legislativa, como a ausência de uma lei prejudica as pessoas trans, porque sujeita elas a uma insegurança jurídica muito grande e a uma morosidade enorme no Judiciário. Mesmo quando têm êxito, elas passaram por um processo muito longo.”

Um caminho que a Defensoria Pública tem buscado é recorrer à Justiça itinerante, que trabalha com registro de nascimento em áreas de difícil acesso. As decisões têm sido mais rápidas e favoráveis, o que segundo Lívia, mostra o quanto os transexuais ainda dependem da sensibilidade dos magistrados para ter acesso a seus direitos. “É uma coisa bem subjetiva. Não é institucional.”

Visibilidade

Advogada do Programa Rio Sem Homofobia, da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, e professora universitária Giowana Cambrone também afirma que os transexuais sofrem violência pela ausência de documentos que os identifiquem corretamente.

“Pela ausência de nome, pela diferença do gênero no documento, o empregador não contrata”, exemplifica. “Se a gente chega em um posto de saúde e os profissionais não estão preparados adequadamente, aquele constrangimento causa uma dor psíquica e emocional que muitas vezes nos abate mais do que a dor física que nos levou a procurar aquele serviço.”

Aos 26 anos, Nicolas Camara passou a se identificar no gênero masculino há três meses. Sua masculinidade, conta ele, sempre foi motivo de censura em casa e assunto de sessões de terapia desde a infância. Como muitos transexuais, Nicolas primeiro se assumiu publicamente como homossexual e já havia superado a resistência da família à notícia de que “era uma mulher lésbica” quando percebeu que suas questões eram de identidade de gênero. Aceitar-se só foi possível ao ter contato com outros transexuais e constatar a visibilidade da população trans cada vez mais presente na sociedade.

“Começa por poder ser trans. Estou no início, entre aspas. Já me questionei dezenas de vezes e desde criança tenho uma mãe que me dizia que eu não era menino, que ela não tinha tido um filho menino e que eu não podia ser menino. Então, eu nunca pude ser um menino, mesmo que sempre desconfiasse.”

 

 

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