Fiscal do MAPA iria “matar no peito”

As escutas telefônicas realizadas durante a pela PF (Polícia Federal) em ligações de um dos diretores presos da BRF, mostram a preocupação com a contaminação pela bactéria salmonella na unidade de Mineiros (GO), informou o Uol. Em interceptações autorizadas pela Justiça, André Luis Baldissera fala que o nível de contaminação poderia levar à suspensão das importações para sempre.

Na gravação feita pela PF, é dito que o fiscal responsável pela autuação vai “matar no peito” a notificação e não vai avisar Brasília, assim a empresa teria tempo de resolver os problemas antes da próxima inspeção que aconteceria algumas semanas depois. Pela conversa, ficou acordado que a certificação seria suspensa, entretanto não haveria problemas pois a fábrica não produziria no período. A BRF nega as irregularidades.

Em outro ponto da conversa, é mencionado que o fiscal em questão teria pedido contribuição para campanhas eleitorais do PDT na região. O partido chegou a divulgar nota negando benefícios de cargo no Ministério da Agricultura, após a operação te sido deflagrada.

O áudio divulgado pelo Uol é de conversa grampeada em meio de 2016 entre Baldissera, diretor da BRF, e o funcionário Roney Nogueira dos Santos. Na escuta os dois interlocutores falam sobre a contaminação por salmonella ter sido detectada em Mineiros (GO). O responsável pela fiscalização do Ministério da Agricultura que iria “matar no peito” a notificação da suspensão da planta e não avisar Brasília é Dinis Lourenço da Silva.

Leia a transcrição do áudio:

Baldissera: Tava ansioso pra falar contigo. Então?
Roney: Veio ele mais outro fiscal, eu conheço ele, não tava na reunião, é o Elmo, trabalha com ele lá no gabinete. Na verdade, é o seguinte, ele falou que conversou com o pessoal lá, é, é. E a decisão que ele falou é que não vai encaminhar nada pra Brasília. O que eles vão propor é, é, suspender a certificação, só, e vão dar 15 dias, 15 ou 20, dias pra BRF preparar, ali, atender os planos de ação e fazer uma nova supervisão pra voltar à exportação. Aí eu falei: tá, mas… (Baldissera interrompe).
Baldissera: O que é a certificação? Roney: A certificação só do cozido, só. Baldissera: Do preparado?
Roney: é. Só do preparado. (…) é que assim, ó: Como a IN 27 fala que tem que barrar a certificação, a gente suspende a certificação, mas vocês não têm nada pra produzir. Não vai certificar nada. Tá por isso, então não adianta nem certificar. Pois é, a Maria Cristina tá pedindo e tal. Aí eu falei: não, tudo bem, se não vai ter restrição de suspender a habilitação, e vim (sic) só a certificação, a gente não tá produzindo nada, não vai ter impacto nenhum. Aí ele disse que vai propor de 15 a 20 dias uma nova supervisão, tá?
aldissera: Tá. (…)
Roney: Aí ele falou que vai matar no peito, pra não levar pra Brasília, até que tenha uma nova supervisão. Aí depois tem o golpe, né. (risos)
Baldissera: Roney, esta é a notícia que nos faz tomar um vinho agora antes de dormir, cara.
Roney: (risos) (…). Não é um assunto pra ti, né. Mas ele pediu o seguinte, vou contar. O que é que ele pediu: hoje, ele, o Diniz, tá pra assumir aqui como Superintendente, por que a bancada que cuida aqui do Ministério da Agricultura é do PDT, e pra ele ficar como superintendente ou ficar no Sipoa, ele tem que dar resultado pra bancada do PDT. Ele pediu o apoio da BRF nas eleições aí municipais, tá.
Baldissera: Ah, vamos fazer. (ininteligível) se tem que fazer, vamos fazer essa merda.
Problemas com frangos exportados para a Itália

Outra gravação também foi usada como prova para pedir a prisão de Baldissera, onde o diretor discute estratégias para evitar que uma carga chegue à Itália. A carga em questão, que estava em alto mar, seriam três contèineres, onde outros quatro contêineres haviam sido barrados recentemente por causa de produtos contaminados pela salmonella.

“Foram feitas várias tratativas entre o funcionário da BRF Roney Nogueira dos Santos e o chefe do Sipoa/GO (Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal), Dinis Lourenço da silva, a fim de evitar a suspensão da produção da fábrica de Mineiros (GO), em virtude da citada contaminação por salmonela. Observou-se ainda que o investigado André Luis Baldisera esteve ciente dos fatos anteriormente ocorridos na fábrica de Mineiros (GO) e das tratativas entre Dinis e Roney”, afirma o relatório da investigação sobre estas escutas.

Silva era um dos responsáveis pela fiscalização sanitária do Ministério da Agricultura em Goiás, e Santos é funcionário da BRF. Ambos foram presos na Operação Carne Fraca.

Leia a transcrição de conversa gravada no dia 13 de março (quatro dias antes de a operação da PF ser deflagrada, sobre a carga que iria para a Itália.

Funcionário: vai sair o “rapid” [espécie de alerta sanitário] lá , não sei se vai demorar uma semana ou duas, não vai sair hoje.
Baldissera: Mas vai sair, cara?
Funcionário: Vai sair porque eles acharam. Tem toda a solidificação. Deu de “saint paul” (tipo de bactéria salmonella).
Baldissera: Isso.
Funcionário: Graças a Deus (ininteligível) nem tifimurium. Só que, em algumas cargas, deu uma; uma carga, deu mais de uma positividade.
Baldissera: Eu vi que dos quatro contêineres, três deram N5C1 e um deu N5C3 ou C4.
Funcionário: isso.
Baldissera: O que que acontece, cara? Se der mais um “rapid alert”, pelo menos a doutora Janice comentou, era que se nós tivéssemos mais um rapid, é que no entendimento dela, nós teríamos que suspender a planta, e suspender pra sempre. Não deveria. Ah, é. Vamos mandar mais uma auditoria e tal. Na visão dela. Ela falou isso na mesa pra nós.

No trecho abaixo, tambeḿ divulgado pelo Uol, é tratado sobre o fato de não poder mais chegar carga contaminada à Itália ou à Espanha, pois acarretaria na suspensão das exportações da Fábrica de Mineiros para sempre. Cogita-se ir à Brasília para defender a situação antes que ela seja comunicada oficialmente. Na conversa dizem que haveria uma perseguição com a empresa, que não tem registro da bactéria acusada na Itália. Leia abaixo:

Baldissera: Pô, fiquei muito preocupado agora. Mas muito, cara.
Funcionário: Não, nós vamos ter que ir a Brasília antecipar isso aqui eu acho, cara. Eu tô mandando a Nelva lá pra Europa, pra entender bem essa merda aí, porque cada um fala de uma forma. Aí tem um monte de retaliação. Nós temos que começar a trabalhar nisso já.
Funcionário: (Lendo e-mail para André): “as autoridades italianas consideraram uma infração repetitiva, acima de três ou mais notificações relativas ao risco recorrente de uma única planta acionarem o artigo” (ininteligível) não sei das quantas. Ah, tu tens razão, cara, foi um só que deu e, na realidade, deu um outro sorotipo, esse filho da puta aqui. (ininteligível) Nunca ouvi, isso aqui nem deve ter no nosso radar.
Baldissera: Esse tipo de salmonela?
Funcionário: Não. Não tem. Nunca vi.
Baldissera: Ei, e assim: deu três N5C1 e um N5C3 ou 4, não me lembro.
Funcionário: não, deixa eu te falar, deixa eu te falar por que que eu acho que vai dar certo: nós estamos entrando com a mesma defesa da situação em Chapecó, que teve um contêiner com isso aí. Que chegou agora um”RASFF” no Ministério, e o doutor tá aceitando que a gente faça a defesa em relação ao in natura dessa forma. O que nós vamos fazer a partir de agora? Nós não vamos mais trabalhar da forma que a gente vinha trabalhando.
Baldissera: Então eu vou ter que parar de embarcar tudo que for in natura positivo? Tudo?
Funcionário: Sem dúvida, sem dúvida, sem dúvida.
Baldissera: Então o que é que tá acontecendo, cara, nesses dois portos aí, tanto no da Espanha quanto no da Itália, de Gênova, não dá pra mandar. Não dá pra mandar mais nada. A gente tem que criar esse plano de contenção. E vou falar também pra gente já antecipar essa situação no ministério. Vou ver o que é que o Zerbini acha. Nós vamos levar lá porque isso aqui é uma incoerência. Entendeu? Isso é uma incoerência o que esses caras estão fazendo conosco. Nós não temos em nosso banco de dados essa salmonela na BRF.
Funcionário: Dá um toque na Viviane. Fala pra ela aí.
Baldissera: Não, eu vou falar pra ela hoje. vou procurar ela. Tô em Curitiba a semana inteira. Eu vou procurar ela (sic) aqui e vou dizer. Vivi, a decisão é uma só. Ou a gente manda pra Roterdã, ou a gente vai perder Mineiros de novo, e aí é definitivo. Não tem outra decisão.
Funcionário: E aí nós vamos fazer uma força de ministério, cara, dessa situação antes que ela chegue. A defesa antes que ela chegue.

Em outro trecho da mesma conversa, o diretor fala que em Roterdã (Holanda) não barram a carne in natura com salmonela, ao contrário de outros portos europeus:

Baldissera: (…) A primeira pergunta é: nós sabíamos que isso podia dar: a resposta é sim. Nós estamos mandando in natura para a Europa. E por que que não pegava? Por que nós távamos mandando in natura pra Roterdã e em Roterdã in natura a não ser “ST STI ?”, e os outros portos consideram.

BRF comentará o caso após final da investigação

A BRF foi questionada quanto aos conteúdos das gravações e diz que “as questões objeto de apuração pela Polícia Federal serão comentadas após a finalização da investigação da Polícia Federal”. Entretanto, anteriormente, a empresa havia emitido nota afirmando que a legislação europeia permite níveis de bactéria do tipo salmonella Saint Paul na carne in natura (fresca) “e, portanto, não justificaria a proibição de entrada na Itália”.

O Uol noticiou que, assim que a Operação Carne Fraca foi deflagrada, A BRF divulgou nota onde afirma que a fábrica de Mineiros é uma unidade construída em 2006 que produz carne de frango e de peru e responde por menos de 5% da produção total da BRF. O comunicado diz que “seus produtos são destinados a exportações e mercado interno. A planta está habilitada para exportar para os mais exigentes mercados do mundo”. A empresa, porém, não comenta o suposto pedido de propina.

O Ministério da Agricultura fechou a fábrica temporariamente. Segundo a BRF, a planta possui três certificações internacionais, e que a última inspeção do ministério lá foi feita no final de fevereiro e o local foi aprovado.

Acerca dos contêineres barrados na Itália pela contaminação por salmonella, a BRF diz que não cometeu irregularidade, já que o tipo de salmonella encontrado, o Saint paul, não é proibido para carnes in natura. A empresa afirma que foi discutido mandar a carga restante para a Holanda, onde a regra que permite a Saint paul seria respeitada.

“Diante do exposto, a BRF reitera que todas as medidas tomadas pela empresa e seus técnicos estão plenamente de acordo com os mais elevados níveis de governança, diz o comunicado. a BRF é uma das maiores empresas produtoras de carne do mundo. A empresa é dona das marcas como Sadia e Perdigão e exporta para mais de 150 países. São mais de 100 mil funcionários em 54 unidades espalhadas em sete países, a maioria no Brasil.