IstoÉ expõe empréstimo irregular a pecuarista sul-mato-grossense amigo de Lula
O documento desmonta a versão de Bumlai de que nunca havia contraído financiamento
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O documento desmonta a versão de Bumlai de que nunca havia contraído financiamento
Relatório inédito do Banco Central anexado a um inquérito da Polícia Federal, obtido com exclusividade por ISTOÉ, revela que o pecuarista sul-mato-grossense José Carlos Marques Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, obteve em outubro de 2004 um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao Banco Schahin.
O documento desmonta a versão de Bumlai de que nunca havia contraído financiamento do banco e reforça denúncia do publicitário Marcos Valério feita em 2012. Naquele ano, em depoimento ao Ministério Público Federal, o operador do mensalão afirmou que o pecuarista intermediou uma operação para comprar o silêncio do empresário de transportes Ronan Maria Pinto.
Segundo Valério, Ronan ameaçou envolver o ex-presidente Lula, e os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho no assassinato do então prefeito de Santo André Celso Daniel. Valério tentava um acordo de delação premiada e disse ainda que, como contrapartida ao empréstimo a Bumlai, a Schahin foi recompensada com contratos bilionários de arrendamento de sondas para a Petrobras. Os contratos estão na mira da Operação Lava Jato, que incluiu a Schahin no inquérito aberto para apurar o esquema de pagamento de propina e desvios na Petrobras, conforme antecipou ISTOÉ em sua última edição.
No documento do BC, datado de 7 de agosto de 2008, Bumlai aparece numa lista de 24 devedores do Banco Schahin beneficiados com empréstimos concedidos de forma irregular, “sem a utilização de critérios consistentes e verificáveis”. Para liberar a bolada, o Banco Schahin burlou normas e incorreu em seis tipos de infrações diferentes. Desconsiderou, por exemplo, a apresentação pelo cliente de dados cadastrais completos e atualizados, não procedeu qualquer análise da capacidade financeira de Bumlai ou mesmo de seus avalistas. Em outras palavras, o empréstimo milionário ao amigo de Lula foi liberado sem as garantias exigidas de qualquer cidadão comum.
Ainda assim, quando Valério revelou a operação, Bumlai poderia ter admitido o empréstimo e alegado outro destino para o dinheiro. Mas preferiu dizer que nunca teve nada a ver com o Banco Schahin. Todos os citados por Valério adotaram a mesma estratégia. Questionado novamente, Bumlai, por meio de seu advogado, negou “qualquer envolvimento com os fatos objeto de depoimento de Marcos Valério”. E o grupo Schahin classificou o caso como “uma rematada mentira que jamais foi comprovada”.
Não bastasse a inobservância das regras para a concessão do empréstimo a Bumlai, o Banco Schahin, segundo o documento do Banco Central, maquiou o nível de risco da operação, classificando-a como “B”, quando na verdade era “E”, de acordo com a análise do BC. O ranking de risco do mercado financeiro obedece a uma escala crescente de nove níveis, começando em AA, praticamente nulo, e depois seguindo de A até H, o pior. Ao classificar o empréstimo com nível de risco inadequado, o Schahin “constituiu provisão insuficiente para fazer face às perdas prováveis”, informou o Banco Central. Além de apontar inúmeras deficiências nos controles internos da área de crédito bancário, o BC ainda determinou um ajuste contábil de R$ 108,7 milhões.
Não à toa Bumlai foi escolhido, segundo Marcos Valério, para ser um dos pontas de lança da operação. Pecuarista oriundo da região Centro-Oeste, o empresário foi apresentado ao ex-presidente Lula pelo ex-governador de Mato Grosso do Sul Zeca do PT. A afinidade foi tanta que uma das fazendas de Bumlai serviu de palco para um dos programas da campanha de Lula em 2002. Com a ascensão de Lula à Presidência, Bumlai passou a desfrutar de acesso livre no Palácio do Planalto. Era recebido sem marcar hora e tornou-se um conselheiro de Lula para o agronegócio. Por indicação do ex-presidente, integrou o chamado Conselhão do governo – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Além da burla a normas internas, as facilidades garantidas pela Schahin a Bumlai impressionariam, não tivesse o pecuarista a chancela da cúpula do PT e, claro, de Lula. O empréstimo deveria ser quitado em uma única parcela, com vencimento seis meses depois. Na data do vencimento, porém, o banco renovou o prazo e elevou o valor da dívida, incorporando os encargos. Esse procedimento foi repetido mais uma vez, sem que o devedor realizasse o pagamento de qualquer valor correspondente ao principal ou aos encargos. Com isso, o contrato 425/04, após dois aditivos, chegou a aproximadamente R$ 15 milhões. Com efeito, o órgão regulador do mercado financeiro responsabilizou os gestores Sandro Tordin, Carlos Eduardo Schahin, Francos Costa de Oliveira e José Carlos Miguel pela prática de “má concessão das operações de crédito”, citando nominalmente o empréstimo feito a José Carlos Bumlai. Todos foram condenados à inabilitação para o exercício de cargos de direção em instituições financeiras, mas a condenação foi depois convertida em multa, após recurso.
Bumlai arrolou como “garantidores” do empréstimo o filho Maurício de Barros Bumlai e a nora Cristiane Barbosa Dodero Bumlai. Estes, por sua vez, lançaram mão de empresas e terceiros para sustentar a operação, sem contudo demonstrar capacidade financeira para honrar o compromisso. Nas palavras do então chefe do Departamento Fiscal do BC, Alvir Hoffmann, verificou-se que algumas operações foram “garantidas por avais, tanto de controladores das empresas tomadoras de recursos quanto de terceiros, dos quais não se encontrou a análise da capacidade de honrar eventuais obrigações”. “Dessa forma, a mensuração do nível de segurança oferecido pelas garantias restou prejudicada”, escreveu Hoffmann.
No relatório do BC não há registro de que o pecuarista tenha quitado o referido empréstimo ou seus avalistas. Como se sabe, o Banco Schahin, antes de quebrar e ser vendido ao BMG em 2011, notabilizou-se por não reaver deliberadamente seu patrimônio. O mesmo aconteceu com um depósito de mais de US$ 100 milhões feito numa conta do Banco Clariden na Suíça, montante este que, segundo revelou ISTOÉ na última edição, serviu para alavancar outro empréstimo no Deutsche Bank para a construção dos primeiros navios-sondas que foram arrendados à Petrobras.
É justamente esse contrato, no valor de US$ 1,2 bilhão, que Marcos Valério disse ter sido entregue ao grupo Schahin como recompensa ao empréstimo a Bumlai naquele momento tão delicado. Nos últimos dias, a Operação Lava Jato lançou luz sobre essas contratações, uma vez que a Schahin passou a integrar o inquérito sobre os desvios na Petrobras. No depoimento ao MPF, o publicitário mineiro deu os detalhes sobre os negócios do grupo, grafado erroneamente como “Chahin”. Segundo disse aos procuradores, depois que o “caso do mensalão veio à tona”, ele soube que o banco tinha uma construtora chamada Schahin, “que essa construtora comprou umas sondas de petróleo que foram alugadas pela Petrobras, por intermédio do seu diretor Guilherme Estrella, como uma forma de viabilizar o pagamento da dívida”, registra o depoimento ao MPF em 2012.
Depois da operação cala-boca em Santo André, o negócio das sondas avançou. Em agosto de 2006, a Schahin Engenharia, construtora do grupo, fez sua estreia no clube das empreiteiras fornecedoras da Petrobras. A estatal encomendou-lhe duas sondas de perfuração offshore de um lote de seis por um total de US$ 4,8 bilhões. Além da Schahin, ganharam o negócio a Queiroz Galvão, a Odebrecht e a Petroserv. Como nenhuma dessas empresas tinha expertise nem capacidade para a construção das sondas, foram buscar no exterior os fornecedores tradicionais do setor, atuando como agentes intermediários. A Schahin, por exemplo, firmou parceria com a Modec, subsidiária da japonesa Mitsui.
Até hoje, a Petrobras não explica por que não contratou diretamente os fornecedores. Na ocasião da celebração desses contratos, Estrella era diretor de exploração e produção e foi o arquiteto do modelo de exploração do pré-sal. Ele dizia que os negócios com as empresas nacionais gerariam uma economia de 25% em relação ao mercado internacional, mas não contou que essas mesmas empreiteiras tinham que comprar as sondas no exterior. O que se vê hoje é que a estatal pagou muito mais do que deveria em contratos superfaturados que serviram para o pagamento de propinas a executivos e políticos. Como já foi revelado por ISTOÉ em sua última edição, o grupo Schahin cresceu ainda mais dentro da Petrobras nos anos seguintes, negociando o arrendamento e a operação de mais oito navios-sonda e navios FPSO, sigla para definir embarcação de produção, armazenamento e descarregamento de petróleo e gás.
Questionada, a estatal não revela o valor total dos contratos com a Schahin, mas estima-se que cheguem facilmente aos R$ 15 bilhões. Os pagamentos são feitos em mais de 50 offshores abertas em uma dezena de paraísos fiscais diferentes. Nas contas da PF, existiriam em nome de empresas de fachada do grupo Schahin mais de uma centena de contas bancárias no exterior, que os investigadores suspeitam terem sido usadas para distribuição da propina. Além de offshores, o grupo Schahin mantém empresas de fachada no Brasil. Todas localizadas no mesmo endereço: na Vila Mariana, em São Paulo. Uma delas é a S2 Participações Ltda., que, segundo a PF, seria uma espécie de “empresa espelho” da 2S Participações Ltda., de Marcos Valério. Várias empresas do grupo Schahin são identificadas pelos dois “S”, em referência aos irmãos Salim e Milton Schahin.
No ano passado, a PF apreendeu no escritório de Meire Poza, contadora do doleiro Alberto Youssef, um contrato de empréstimo no valor de R$ 6 milhões, firmado entre a 2S Participações e a Expresso Nova Santo André, de Ronan Maria Pinto, o chantagista do caso Celso Daniel. Durante o processo do mensalão, descobriu-se que a 2S serviu de entreposto para repasses de diversas outras empresas, inclusive a corretora Bônbus Banval, de Enivaldo Quadrado, mensaleiro condenado e que está também envolvido na operação Lava Jato. Para a PF, o contrato entre Valério e Ronan teria servido para simular o repasse de metade dos recursos obtidos por Bumlai, com o objetivo de ocultar sua origem. A PF desconfia que o restante do empréstimo, os outros R$ 6 milhões, possa ter sido embolsado por Bumlai, retornado para o grupo Schahin ou ido parar na conta de uma terceira pessoa. Outra opção é que o dinheiro também tenha ido para Ronan, que adquiriu inicialmente 50% do “Diário do Grande ABC”, mas depois comprou os 50% restantes.
A força-tarefa da Lava Jato deve requisitar nos próximos dias cópia do inquérito que corre na Superintendência do Distrito Federal. Para delegados que investigam o Petrolão, são cada vez maiores os indícios de que o grupo Schahin integrou o clube de fornecedores da Petrobras que superfaturou contratos e desviou recursos públicos para o pagamento de propina a políticos do PT, PMDB e PP. Em depoimento recente, o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa citou a ligação de Bumlai com o PT, além do vínculo estreito do pecuarista com o lobista Fernando Baiano, ligado à cúpula do PMDB. Bumlai, segundo Costa, é quem teria garantido a Baiano o livre trânsito na estatal.
Descobriu-se também que, entre 2010 e 2011, o pecuarista negociou diretamente com a estatal. Foi sócio de uma fornecedora de equipamentos e peças para grandes obras chamada Immbrax, numa parceria com o grupo Bertin. O empresário conta que só se associou à Immbrax para importar equipamentos para uma de suas fazendas. Na delação premiada que serviu de base para a deflagração da nona fase da operação Lava Jato, na semana passada, o ex-gerente de engenharia Pedro Barusco reforçou a versão de que a Schahin participou do esquema de corrupção. Apontou Mario Goes como o operador do grupo e de outras empreiteiras. Segundo Barusco, Goes guardava o dinheiro em seu apartamento em São Conrado, no Rio. E fazia entregas de mochila. Segundo investigações preliminares, Goes seria Mario Frederico de Mendonça Goes, dono da Mago Consultoria, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval e membro do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).
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