Pular para o conteúdo
Artigo

Ratificações dos registros imobiliários decorrentes de alienações e concessões de terras públicas situadas na faixa de fronteira

Por Luiz Tadeu Barbosa Silva (Desembargador do TJMS) e Itaro de Assis Cavalcante Asato (Oficial Registrador de Imóveis Substituto)
Da Redação -
(Reprodução)

Clique AQUI para conferir o artigo em PDF.

I – Formação Cultural do Brasil

Nossa “civilização” começou muito tarde. Começou a partir do ano 1808, ou seja, trezentos e oito anos após o descobrimento. Tal se deu com a chegada da família real. Daí teve início verdadeiramente o Brasil. Como “civilização”, o Brasil, portanto, vai completar 217 anos!

Em 1808, ocasião da chegada da família real, mais de 98% da população era analfabeta. Não havia dinheiro em circulação. Toda a economia era gerada via escambo. O regime escravocrata ainda duraria mais de 80 anos. Éramos colônia de uma metrópole decadente. Portugal foi o último país da Europa a abolir a inquisição, o tráfico de escravos e o absolutismo. Um Império conservador e autoritário, avesso às ideias libertárias que vicejavam na América e na Europa1.

Fomos explorados pelos portugueses, espanhóis e holandeses. No entanto, esses países também deixaram aqui um legado. Mas o que chama atenção na formação cultural do Brasil é a disparidade envolvendo dois países: o Brasil e os Estados Unidos da América do Norte. Dois países com nítidas semelhanças, mas com formação cultural completamente diferente.

Tanto um quanto o outro com amplo território e com origem europeia – e que tiveram praticamente os mesmos problemas: escravidão, segregação racial e revoluções (muito mais nos EUA, inclusive com a guerra de secessão).

Se os Estados Unidos se tornaram independentes em 1.776, e o Brasil em 1.822, o que justifica a disparidade gritante entre um e outro? A explicação mais plausível foi a forma de ocupação: enquanto o Brasil foi explorado por Portugal, os EUA foram colonizados, principalmente por ingleses e irlandeses, até a formação das 13 Colônias na Costa Leste. Aqui, ao contrário, tivemos a influência católica, o anticapitalismo, forte intervenção do Estado na economia e educação precária e decadente. Os EUA nasceram com influência protestante, no pacto capitalista de fortalecimento das empresas, na defesa da propriedade privada (intolerância a invasões de terras, de órgãos públicos e de rodovias, por exemplo).

Necessária essa introdução, para chegar-se à conclusão de que no Brasil a regularização fundiária ainda é um desafio. Tanto é que o Conselho Nacional de Justiça de há muito incentiva a regularização fundiária correta, seja urbana, seja rural. Descura o Brasil no cuidado que deveria ter com inúmeros órgãos públicos, principalmente para com o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criado no ano 1970.

O INCRA tem em seus quadros excelentes e dedicados profissionais, dotados de absoluta capacidade técnica e administrativa. Mas ao longo do tempo a administração pública federal deixou o INCRA numa situação de quase penúria: sem sequer um sistema de tecnologia da informação (TI) de ponta que pudesse dar conta das demandas que lá aportam, mormente para a regularização de faixa de . Na maioria os processos e procedimentos naquele órgão ainda são físicos.

O INCRA, que deveria ser o protagonista de todo esse procedimento de regularização de faixa de fronteira, acabou perdendo espaço para os cartórios extrajudiciais, num prejuízo imensurável para os proprietários rurais. Esta é a grande verdade, a demonstrar o atraso do nosso país nesse aspecto ligado à regularização fundiária plena.

Não é à toa que mais de cinquenta por cento (50%) dos imóveis do Brasil contam com alguma forma de irregularidade, a merecer regularização.

II – Dados Históricos Sobre o Sistema Fundiário Brasileiro

A Segurança Nacional garante o bem-estar e a estabilidade do país, envolvendo um conjunto de políticas, estratégias, leis e medidas destinadas a proteger o Estado e seus cidadãos. A Lei Federal n° 6.634 de 02 de maio de 1.979, que em seu artigo 1° prevê que é considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, designada como faixa de fronteira, é justamente uma das normativas de proteção à soberania nacional. Uma das medidas destinadas a protegê-la é a vedação, na faixa de fronteira, da prática de alienações e concessões de terras públicas, salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional (artigo 2º).

O período colonial do Brasil se estendeu de 1.500 a 1.822. Nesse período as terras pertenciam à Coroa Portuguesa, que iniciou a prática de sesmarias já nos primeiros anos da colonização2 com a implantação do sistema de capitanias hereditárias, cujas primeiras cartas de doação foram editadas entre 1.534 e 1.536. Com a implantação do Governo Geral, em 1.548, a distribuição das sesmarias ficou a cargo dos governadores.

Segundo FARIA, Sheila:

“A concessão de sesmarias foi uma prática instituída legalmente em Portugal, em 1375, no reinado de d. Fernando (1367-1383), com o objetivo de tornar produtiva todas as terras agricultáveis… De acordo com a lei, os proprietários de terras inexploradas deveriam lavrá-las ou arrendá-las a justo preço e, em caso de desobediência, a terra seria confiscada” (Faria, 2000, p. 529)

Conforme MESA do Desembargo do Paço3:

“Com a transferência da família real, o alvará de 22 de abril de 1808 estabeleceu no Brasil o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, órgão superior da administração judiciária portuguesa que passava a se encarregar dos negócios que, em Portugal, pertenciam a quatro secretarias distintas: os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho do Ultramar e da Chanceleria-mor da Corte e do Reino. Por esse alvará a Mesa do Desembargo do Paço ficava responsável pela confirmação da cessão de todas as sesmarias da Corte e província do Rio de Janeiro, que até então eram dadas pelos vicereis do Estado do Brasil e pelos governadores e capitães-generais de diversas capitanias e confirmadas pelo Conselho Ultramarino” (Mesa…, 2011)

Passando-se à regionalidade, o princípio uti possidetis ita possideatis (assim como possuís continuareis a possuir), do direito romano, teve aplicação crucial no Estado de , pois as primeiras ações estatais datam do século XVIII, com propósitos geopolíticos que visavam garantir as fronteiras, fomentando a criação de vilas e fortes, entre os quais o Forte Coimbra (1.775) e Forte de (1.778). Posteriormente, a pecuária se tornou a principal atividade econômica, seguida da extração de erva-mate nativa.

Neste ponto, a Companhia Matte Laranjeira teve importante papel no desenvolvimento da região, posto que foi a responsável pela maior parte da extração e produção da erva-mate, controlando milhões de hectares de terras devolutas4.

Já em 18 de setembro de 1.850, Dom Pedro II, na época Imperador do Brasil, promulgou a Lei n° 601/1.850, que continha disposições importantes para a legislação atual, em especial: i) vedação de aquisição de terra devoluta que não seja por compra, com exceção de terras situadas em faixa de fronteira, na época 10 léguas, isto é, mais ou menos 66 quilômetros; ii) definição de terras devolutas; iii) revalidação das sesmarias ou outras concessões, desde que cumpridas as funções sociais (produção e moradia); e por fim, iv) legitimação adquiridas por ocupação primária (originária) ou havidas do primeiro ocupante. Referida Lei foi regulamentada pelo Decreto n° 1.318/1.854:

Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra. Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.

Art. 3º São terras devolutas:

§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal.

§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei.

§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta Lei.

Art. 4º Serão revalidadas as sesmarias, ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, que se acharem cultivadas, ou com principios de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionario, ou do quem os represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições, com que foram concedidas.

Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:

O artigo 64 da Constituição da República dos Estados Unidos de Brasil, que teve vigência a partir de 24 de fevereiro de 1.891, previa que pertenciam aos Estados as terras devolutas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que fosse indispensável para a defesa das fronteiras, ou seja, 66 quilômetros de largura, conforme a Lei n° 601/1.850. Diante dessa redação, estabeleceu-se o conceito de terras devolutas federais (União) e terras devolutas estaduais.

Ao longo das sete Constituições brasileiras, o certo é que todas elas tinham um princípio comum, inclusive a CF/1988: a necessidade de assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional para alienações e concessões de terras devolutas realizadas pelos Estados, visando garantir a Segurança Nacional.

Neste curso houve alterações na largura do território indispensável para a defesa da fronteira, anteriormente considerada 10 léguas (aproximadamente 66 km), passando para 150 quilômetros pela Lei n° 2.597 de 05 de julho de 1.955.

O artigo 5° da Lei n° 4.947, de 06 de abril de 1.966, disciplinou que competia ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), providenciar, de forma administrativa e promover medidas judiciais concernentes à discriminação das terras devolutas na faixa de 150 (cento e cinquenta) quilômetros ao longo das fronteiras do País, respeitado o disposto na Lei n° 2.597, de 13 de setembro de 1955. Àquela legislação autorizou ao IBRA ratificar as alienações e concessões de terras já realizadas pelos Estados na faixa de fronteira.

Face à alteração da largura da faixa de fronteira no curso da história, bem como das normas legais resumidamente demonstradas, diversas alienações e concessões de terras devolutas que eram federais foram realizadas pelos Estados. Houve também alienações e concessões de terras devolutas que eram estaduais, realizadas pelos Estados, porém sem o prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional.

III – Dos Procedimentos de Ratificações

Por diversos fatores criou-se um gargalo no INCRA para que os produtores rurais obtivessem as ratificações, gerando morosidade nos procedimentos ratificatórios. Veio então a ideia legislativa de projetar para as Serventias Extrajudiciais as ratificações, obviamente pelo preparo e pela estrutura dos serviços de registros de imóveis no nosso país, após a consolidação dos concursos públicos para tais funções.

Adveio então a Lei n° 13.178, de 22 de outubro de 2.015, dispondo sobre a ratificação dos registros imobiliários de alienações e concessões de terras públicas situadas da faixa de fronteira diretamente nas Serventias Extrajudiciais de Registro de Imóveis.

O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio de sua Corregedoria Geral de Justiça, editou o Provimento n° 309, de 15 de julho de 2.024, regulamentando o procedimento para ratificação dos registros imobiliários decorrentes de alienações e concessões em terras públicas situadas na faixa de fronteira.

Nos termos do artigo 176 da Lei n° 6.015/73 (lei de registros públicos), a ratificação do registro imobiliário será procedida através de averbação lançada na matrícula do imóvel, após exame e qualificação positiva do Oficial de Registro de Imóveis. Em atenção à Lei n° 6.183/2.023, trata-se de averbação com valor declarado, tomando-se por base o maior valor do imóvel objeto da ratificação constante do requerimento ou da última declaração do Imposto Territorial Rural (ITR).

O requerente deverá apresentar requerimento formulado pessoalmente ou por meio de procurador constituído, cumprindo os Princípios da Especialidade Objetiva e Subjetiva constantes do Provimento 61/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do (CNCGJ/TJMS), instruídos dos documentos necessários ao cumprimento dos pressupostos positivos.

Dentre tais documentos, o titular do domínio deverá comprovar, por certidões da cadeia dominial do imóvel até a origem da titulação do Estado para o particular e que o registro imobiliário a ser ratificado se enquadra nos critérios temporais e de localização exigidos pelo artigo 3° da Lei nº 13.178/2.015.

Ante as alterações da largura da faixa de fronteira e das normas legais no curso da história, o imóvel, para ser ratificado, deverá se enquadrar em algum dos critérios:

I) imóvel federal com titulação efetuada pelos Estados, na faixa de até sessenta e seis quilômetros de largura a partir da linha de fronteira, no lapso temporal entre o início da vigência da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, até o início da vigência da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966;

II) imóvel federal com titulação efetuada pelos Estados, na faixa de sessenta e seis a cento e cinquenta quilômetros de largura a partir da linha de fronteira, no lapso temporal entre o início da vigência da Lei nº 2.597, de 5 de julho de 1955, até o início da vigência da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966;

III) imóvel estadual com titulação efetuada pelo Estado sem prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional, na faixa de sessenta e seis a cem quilômetros de largura a partir da linha de fronteira, no lapso temporal entre o início da vigência da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, até o início da vigência da Lei nº 2.597, de 5 de julho de 1955;

IV) imóvel estadual com titulação efetuada pelo Estado sem prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional, na faixa de cem a cento e cinquenta quilômetros de largura a partir da linha de fronteira, no lapso temporal entre o início da vigência da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, até o início da vigência da Lei nº 2.597, de 5 de julho de 1955.

Esclarecedor o Provimento nº 309, de 15 de julho de 2.024, da Corregedoria-Geral de Justiça do TJMS, em seu artigo 3º, ao regulamentar que será objeto de ratificação o registro imobiliário atual e não o originário de alienação e concessões do imóvel, incluindo os seus desmembramentos e remembramentos, desde que inscritos no registro de imóveis até a data de publicação da Lei nº 13.178/2.015, ou seja, ao fazer a qualificação registral o Oficial do Registro de Imóveis deve observar a situação jurídica da matrícula do imóvel quando da publicação da Lei nº 13.178/2.015, haja visto que pode haver desmembramentos em uma área acima de 2.500 hectares posterior à promulgação da Lei nº 13.178/2.015, entre outras situações que alterarão a qualificação registral.

Quanto aos imóveis com área superior a 2.500 hectares, a atual Constituição Federal em seu artigo 188 § 1º e artigo 2º, §§ 6º e 7º da Lei nº 13.178/2.015, preveem a obrigatoriedade de aprovação do Congresso Nacional. Para tanto o titular do domínio deverá, antes de requerer ao Registro de Imóveis, protocolizar eletronicamente junto ao site do Congresso Nacional e obter a aprovação.

A Lei nº 13.178/2.015 traz como requisito para ratificação a ausência de questionamento nas esferas administrativas e judicial, bem como que o imóvel não seja objeto de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária ajuizadas até 22 de outubro de 2.015.

Neste ponto, tem-se duas esferas que o requerente deverá comprovar: a inexistência das hipóteses excludentes da ratificação, ou seja, esferas administrativa e judicial. Quanto à esfera judicial se faz a comprovação juntando certidões negativas de feitos ajuizados expedidas pela Justiça Estadual e Federal de primeiro e segundo grau, das comarcas da situação do imóvel e do domicílio do titular do domínio. Já na esfera administrativa, o § 3º do artigo 4º do Provimento 309 da CCGJ/TJMS possibilitou que seja comprovada por meio da própria escritura pública declaratória, sujeita às penalidades legais, se falsa a declaração.

Importa destacar que a escritura pública deve conter a declaração de inexistência de questionamento sobre o domínio do imóvel indicado, nas esferas administrativa ou judicial por órgão ou entidade da administração federal e estadual direta e indireta, tais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), AGRAER, IMASUL, IMAM, dentre outras, bem assim que desconhece a existência de ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária que tenha por base os imóveis objeto da declaração, movida contra si ou quaisquer dos proprietários anteriores.

Além disso, que o imóvel rural objeto da ratificação se submete à Política Agrícola, ao Plano Nacional de Reforma Agrária e atende a sua função social, nos termos do art. 5º, inciso XXIII, art. 170, inciso III, art. 186 e artigo 188, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e ADI 5.623 do Supremo Tribunal Federal.

O voto da Relatora, ministra do STF Cármen Lúcia, na ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.623), traz importante pontos que norteiam a aplicação da Lei nº 13.178/2.015, tais como:

  1. A ratificação de registro de imóveis prevista na Lei n. 13.178/2015 não se confunde com doação de terras públicas, instituto submetido a regime normativo distinto.

8.1. A ratificação exige registro público anterior válido e eficaz, não estando imune a eventual questionamento judicial. A ratificação de registro imobiliário tem objeto específico: título de alienação ou de concessão de terra devoluta situada em faixa de fronteira expedido por estado.

  1. Embora a ratificação de registro imobiliário não se confunda com a doação de terras públicas ou mesmo com a desapropriação para fins de reforma agrária, a destinação dos imóveis, pela sua origem pública, deve se compatibilizar com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária pelo disposto no art. 188 da Constituição da República.

Não seria legítimo que a ratificação do registro imobiliário permitida legalmente pudesse ser levada a efeito sem o atendimento ao conjunto das normas que dotam de efetividade o princípio da função social da propriedade, base da ordem econômica e da social, nos termos do caput e inc. III do art. 170 da Constituição da República.

Portanto, nos termos do referido voto a propriedade se submete à Política Agrícola, ao Plano Nacional de Reforma Agrária e que atenda a sua função social, inclusive que os documentos que instruírem o procedimento de ratificação, em especial Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), conste como “Classificação Fundiária” – Propriedade Produtiva, posto que haverá declaração pública por meio da escritura pública declaratória neste sentido, sob pena civil e criminal, ou seja, os documentos que instruírem o procedimento devem ser uníssonos.

Ainda acerca do voto da Ministra Cármen Lúcia na ADI 5.623, extrai-se: São nulos todos os atos jurídicos de disposição de imóveis que tenham por objeto o domínio e a posse de suas terras nos termos do art. 231 da Constituição da República.

O artigo 231 da Constituição Federal de 1.988, reconhece aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens, respeitado o marco temporal já delimitado pelo STF. Portanto, a partir da hermenêutica da norma constitucional tem-se a nulidade dos atos jurídicos de disposição de imóveis sobre as terras demarcadas aos índios. Registra-se que o procedimento de demarcação das terras indígenas é regido pelo Decreto nº 1.775 de 08 de janeiro de 1.996, e que segundo o artigo 5º a demarcação será homologada mediante decreto registrado no Cartório de Registro de Imóveis da comarca correspondente.

No tocante à comprovação da localização exigida pelo artigo 3° da Lei nº 13.178/2.015, deve-se apresentar laudo técnico de localização do imóvel na faixa de fronteira, formulado por profissional habilitado, com a anotação de responsabilidade técnica (ART), sendo que o § 4º do artigo 4º do Provimento 309 da CGJ/TJMS possibilita a dispensa do laudo quando a circunscrição do registro de imóvel compreender integralmente a área da faixa de fronteira.

Não se pode olvidar da necessidade da apresentação do CCIR, constando como produtiva a área objeto da ratificação, além da necessidade de certificação de georreferenciamento do imóvel com área superior a 15 (quinze) módulos fiscais.

Diante de toda essa documentação e informações, o Oficial do Registro de Imóveis realizará análise jurídica pormenorizada. Cumpridos os requisitos da legislação, expedirá a nota de qualificação positiva, considerando, em especial, se o registro imobiliário a ser ratificado enquadra-se nos critérios temporais, de localização e de inexistência de excludentes da ratificação.

Outra questão relevante consiste no fato da necessidade da ratificação por todos proprietários de imóveis rurais situados dentro da faixa de fronteira (150 km) oriundos de titulação feitas pelos Estados em terras de domínio da União, e os títulos de competência dos Estado em faixa de fronteira sem anuência prévia do Conselho de Segurança Nacional, independente da área do imóvel, exceto aqueles que já possuem o procedimento de ratificação executado pelo INCRA e averbado na matrícula do imóvel.

IV – Uma Questão para Reflexão

Um avanço da Corregedoria-Geral de Justiça do TJMS, quando tomou a iniciativa de contar com a colaboração de órgãos da administração do Estado na busca da regularização de faixa de fronteira.

O serviço de registro de imóveis se submete ao princípio da continuidade. Um dos princípios fundamentais do registro imobiliário, o da continuidade, determina o imprescindível encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas nele interessadas, segundo Walter Ceneviva5. Isso quer dizer que em relação a cada imóvel deve existir uma cadeia de titularidades, de sorte que só se fará o registro de um direito se o transmitente for realmente titular daquele direito. As sucessivas transmissões se apoiam umas nas outras, como se fossem elos de uma corrente.

É possível que ao tirar a cadeia dominial o titular do domínio veja seccionada ou haja cisão sem má-fé da ordem natural de sucessões. Ou seja, não se chega na origem, na transmissão do Estado para o particular, ou possa não haver mencionada a matrícula ou transcrição anterior.

Se porventura isso ocorrer a Corregedoria-Geral de Justiça do nosso Estado procurou dar solução: firmou parceria com a ANOREG, CORI, FAMASUL e AGRAER, buscando solução para facilitar a ratificação dos registros, tendo a AGRAER acervo fundiário histórico com mais de 10.000 processos desde 1.850, conforme se depreende do site do TJMS: https://www.tjms.jus.br/noticia/64600.

Mas vejam uma situação inusitada que pode ocorrer: um proprietário de imóvel num outro estado da federação pede e obtém as matrículas da cadeia dominial ou transcrições anteriores. Lá pelos idos do ano 1940 constata-se uma irregularidade: não há o elo de uma transcrição com a outra. Obviamente esse proprietário não conseguirá fazer a declaração de faixa de fronteira. Como fazer?

Trata-se de uma pessoa que tem teoricamente o domínio, mas um domínio com um vício decorrente de uma lei que agora o obriga a fazer uma declaração.

A alternativa do “proprietário rural” é ingressar com usucapião, para consolidar o domínio, dado o vício aparente. Isso, a princípio, seria absurdo, porque a pessoa já conta com um título há mais de 30 anos.

Diz-se isso porque a usucapião pressupõe posse mansa, pacífica e ininterrupta (às vezes sem justo título). Pela posse alcança-se o domínio. Se há algum vício no domínio, a alternativa é a usucapião, para consolidá-lo.

Afinal, Desde as fontes romanas, a usucapião é modo não só de adquirir a propriedade, mas também de sanar os vícios de propriedade ou outros direitos reais adquiridos a título derivado. Em termos diversos, constitui eficaz instrumento de consertar o domínio derivado imperfeito”6.

V – Considerações Finais

Com relação ao prazo para realização da ratificação, conforme prevê o § 2º do artigo 2º da Lei nº 13.178/2.015, os interessados em obter a ratificação deverão requerer no prazo de 10 (dez) anos a partir da publicação da Lei, ou seja, o prazo final se escoará em 22 de outubro de 2.025. Tal prazo é para imóveis com área superior a 15 (quinze) módulos fiscais.

Por último uma importante observação: após levantamento realizado em uma das maiores serventias extrajudiciais de Registro de Imóveis do Estado de Mato Grosso do Sul, cujo território encontra-se na faixa de fronteira, a 2ª Circunscrição de Registro de Imóveis da comarca de /MS, de titularidade do oficial Alceu Soares Aguiar, delegatário há mais de 50 anos e anteriormente juiz do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, suscitou e deu justificativa plausível para a seguinte situação: há muitos imóveis que já possuem o título ratificatório averbado em matrículas anteriores, sendo possível, assim, realizar somente a averbação de transporte para a atual matrícula, uma vez que a área do imóvel já passou pelo procedimento de ratificação. Isto ocorrendo, faz-se necessário somente apresentar a cadeia dominial do imóvel até a matrícula que tenha a averbação do título ratificatório, ressaltando que a área da matrícula que conste o título deve compreender toda a área da atual matrícula.

Imagem da Confederação da Agricultura e pecuária do Brasil (CNA) (Reprodução)

ANEXO II

LEI Nº 6.634, DE 2 DE MAIO DE 1979.

Regulamento

Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º. – É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira.

Art. 2º. – Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a:

I – alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e imagens;

II – Construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso;

III – estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo.

IV – instalação de empresas que se dedicarem às seguintes atividades:

a) pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais, salvo aqueles de imediata aplicação na construção civil, assim classificados no Código de Mineração;

b) colonização e loteamento rurais;

V – transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel;

VI – participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural;

§ 1º. – O assentimento prévio, a modificação ou a cassação das concessões ou autorizações serão formalizados em ato da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, em cada caso.

§ 2º. – Se o ato da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional for denegatório ou implicar modificação ou cassação de atos anteriores, da decisão caberá recurso ao Presidente da República.

§ 3º. – Os pedidos de assentimento prévio serão instruídos com o parecer do órgão federal controlador da atividade, observada a legislação pertinente em cada caso.

§ 4o Excetua-se do disposto no inciso V, a hipótese de constituição de direito real de garantia em favor de instituição financeira, bem como a de recebimento de imóvel em liquidação de empréstimo de que trata o inciso II do art. 35 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. (Incluído pela Lei nº 13.097, de 2015)

§ 4º Excetuam-se do disposto nos incisos V e VI do caput deste artigo a hipótese de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária, em favor de pessoa jurídica nacional ou estrangeira, ou de pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, bem como o recebimento de imóvel rural em liquidação de transação com pessoa jurídica nacional ou estrangeira por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de outra forma. (Redação dada pela Lei nº 13.986, de 2020)

Art. 3º. – Na faixa de Fronteira, as empresas que se dedicarem às indústrias ou atividades previstas nos itens III e IV do artigo 2º deverão, obrigatoriamente, satisfazer às seguintes condições:

I – pelo menos 51% (cinqüenta e um por cento) do capital pertencer a brasileiros;

II – pelo menos 2/3 (dois terços) de trabalhadores serem brasileiros; e

III – caber a administração ou gerência a maioria de brasileiros, assegurados a estes os poderes predominantes.

Parágrafo único – No caso de pessoa física ou empresa individual, só a brasileiro será permitido o estabelecimento ou exploração das indústrias ou das atividades referidas neste artigo.

Art. 4º. – As autoridades, entidades e serventuários públicos exigirão prova do assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional para prática de qualquer ato regulado por esta lei.

Art. 4º As autoridades, entidades e serventuários públicos exigirão prova do assentimento do Conselho de Defesa Nacional para prática de qualquer ato regulado por esta Lei, exceto quando se tratar de transferência de terras a que se refere a Lei nº 10.304, de 5 de novembro de 2001. (Redação dada pela Lei nº 14.004, de 2020)

Parágrafo único – Os tabeliães e Oficiais do Registro de Imóveis, bem como os servidores das Juntas Comerciais, quando não derem fiel cumprimento ao disposto neste artigo, estarão sujeitos à multa de até 10% (dez por cento) sobre o valor do negócio irregularmente realizado, independentemente das sanções civis e penais cabíveis.

Art. 5º. – As Juntas Comerciais não poderão arquivar ou registrar contrato social, estatuto ou ato constitutivo de sociedade, bem como suas eventuais alterações, quando contrariarem o disposto nesta Lei.

Art. 6º. – Os atos previstos no artigo 2º., quando praticados sem o prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional, serão nulos de pleno direito e sujeitarão os responsáveis à multa de até 20% (vinte por cento) do valor declarado do negócio irregularmente realizado.

Art. 7º. – Competirá à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional solicitar, dos órgãos competentes, a instauração de inquérito destinado a apurar as infrações às disposições desta Lei.

Art. 8º. – A alienação e a concessão de terras públicas, na faixa de Fronteira, não poderão exceder de 3000 ha (três mil hectares), sendo consideradas como uma só unidade as alienações e concessões feitas a pessoas jurídicas que tenham administradores, ou detentores da maioria do capital comuns.

§ 1º. – O Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional e mediante prévia autorização do Senado Federal, poderá autorizar a alienação e a concessão de terras públicas acima do limite estabelecido neste artigo, desde que haja manifesto interesse para a economia regional.

§ 2º. – A alienação e a concessão de terrenos urbanos reger-se-ão por legislação específica.

Art. 8º-A. Fica dispensado o assentimento previsto nesta Lei quando se tratar de transferência de terras a que se refere a Lei nº 10.304, de 5 de novembro de 2001. (Incluído pela Lei nº 14.004, de 2020)

Art. 9º. – Toda vez que existir interesse para a Segurança Nacional, a união poderá concorrer com o custo, ou parte deste, para a construção de obras públicas a cargo dos Municípios total ou parcialmente abrangidos pela Faixa de Fronteira.

§ 1º. – A Lei Orçamentaria Anual da União consignará, para a Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, recursos adequados ao cumprimento do disposto neste artigo. (Revogado pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001)

§ 2º. – Os recursos serão repassados diretamente às Prefeituras Municipais, mediante a apresentação de projetos específicos.

Art. 10. – Anualmente, o Desembargador – Corregedor da Justiça Estadual, ou magistrado por ele indicado, realizará correção nos livros dos Tabeliães e Oficiais do Registro de Imóveis, nas comarcas dos respectivos Estados que possuírem municípios abrangidos pelo Faixa de Fronteira, para verificar o cumprimento desta Lei, determinando, de imediato, as providências que forem necessárias.

Parágrafo único – Nos Territórios Federais, a correção prevista neste artigo será realizada pelo Desembargador – Corregedor da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

Art. 11 – O § 3º do artigo 6º do Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6º -…………………………………………………………………………..

………………………………………………………………………………………

§ 3º. Caberá recurso ao Presidente da República dos atos de que trata o parágrafo anterior, quando forem denegatórios ou implicarem a modificação ou cassação de atos já praticados.”

Art. 12 – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas a Lei nº 2.597, de 12 de setembro de 1955, e demais disposições em contrário.

Brasília, 2 de maio de 1979; 158º da Independência e 91º da República.

JOÃO B. DE FIGUEIREDO

Petrônio Portela

Danilo Venturini

Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.5.1979 e retificado em 1 11.5.1979.

✅ Siga o @midiamax no Instagram

Fique por dentro de tudo que acontece em Mato Grosso do Sul, no Brasil e no mundo! No perfil do @midiamax você encontra notícias quentinhas, vídeos informativos, coberturas em tempo real e muito mais! 📰

🎁 E não para por aí! Temos sorteios, promoções e até bastidores exclusivos para você!

🔔 Clique aqui para seguir e não perder nada! 🚀

Compartilhe

Notícias mais buscadas agora

Saiba mais

Chuva de meteoros Líridas ficará mais intensa nos próximos dias

VÍDEO: carros ficam destruídos em colisão no Tiradentes

Mais de 335 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil

Modelo brasileira é escolhida pela Chanel para fotos de alta joalheria

Notícias mais lidas agora

Morre em confronto homem que matou esposa com facada na nuca

Chuva ameniza e encenação da Paixão de Cristo reúne fiéis em Comunidade das Moreninhas

Com risco de desmoronamento, PRF interdita BR-267 entre Jardim e Porto Murtinho

Trump amplia o cerco contra Harvard com devassa fiscal e investigação sobre doadores

Últimas Notícias

Cotidiano

VÍDEO: muro que ameaçava cair desaba sobre ponto de ônibus na Vila Sobrinho

No ponto havia uma placa com o aviso de desativado

Trânsito

Motorista é socorrido em forte colisão com capotamento na Afonso Pena

Cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rua Espírito Santo

Polícia

Morre em confronto homem que matou esposa com facada na nuca

Foi morto em um confronto com policiais do Choque da Polícia Militar, na noite desta sexta-feira (18)

Trânsito

Com risco de desmoronamento, PRF interdita BR-267 entre Jardim e Porto Murtinho

Entre as rotatórias da Apaporé e da entrada do Calcário Bodoquena