Em 20 anos, Campo Grande se tornou laboratório da vida real e reduziu doenças hídricas em 91%
Fiscalização envolve monitoramento constante para resultar na boa qualidade da água que bebemos em casa e também preservar a ictiofauna nos rios de MS
Graziela Rezende, Thalya Godoy –
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A vida é rio e água. Estacionam em lagos ou fluem em fúria por correntezas, levando a diferentes caminhos. A permanência do ser humano na Terra está intrinsecamente dependente da água, o que já até levou o homem ao espaço em busca do líquido em outros planetas.
Esse cenário demonstra a importância da conservação e, especialmente, da qualidade da água para consumo. E são muitos os artigos científicos que mostram o tratamento da água, como aliado na prevenção de doenças de veiculação hídrica e preservação do meio ambiente.
Mas, em Campo Grande, ocorre o contrário: a cidade é que se tornou um laboratório da vida real, com redução de 91% destas patologias. Os dados comparativos foram feitos de 2003 a 2023 e pertencem ao SUS (Sistema Único de Saúde), sendo repassados a concessionária de abastecimento da Capital – a Águas Guariroba.
“Nós realmente vemos muitos artigos científicos, mas, a cidade se expandiu muito e, ao mesmo tempo, houve a redução de doenças. Campo Grande foi e está sendo um laboratório da vida real. Neste ano, tivemos 194 km de redes de esgoto implantados, algo que nunca na história tinha acontecido. Passamos pelos bairros e aí entramos em outra vertente nossa, da educação ambiental”, afirmou ao Jornal Midiamax o gerente de meio ambiente e qualidade, Fernando Henrique Garayo Júnior.
Segundo Fernando, que também é engenheiro ambiental e mestre em tecnologias ambientais, no ano de 2003, menos de 30% da população tinha acesso ao esgoto. “A concessionária iniciou no ano de 2000 e realizou projetos como o Sanear Morena 1, Sanear Morena 2 e o Campo Grande Saneada. Hoje, temos acima de 86% de cobertura e nesse período é que houve toda a redução no número de internações por doenças de veiculação hídrica, de 91%, de acordo com o SUS”, explicou.
De acordo com o Ministério da Saúde, no mundo existem mais de 250 tipos de DTHA (Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar). Algumas enfermidades que podem ser transmitidas pelo consumo de água são cólera, febre tifoide, doenças diarreicas agudas, rotavírus, botulismo, entre outras.
Nesta vertente de educação ambiental, o gerente explica que a população é ensinada e alertada sobre os riscos de jogar detritos na rede de esgoto, além de óleo por exemplo, o que acaba entupindo e causa o extravasamento, algo que é prejudicial e pode poluir nossos recursos hídricos. “Na maioria das vezes, o engraçado é que a população acha que captamos a água nos rios urbanos, onde, além da função paisagística e de drenagem, já que captam a água da chuva a acabam escoando, são habitat para espécie de peixes e faunas, porém, a nossa captação não ocorre em rios dentro do perímetro urbano”, disse.
Na verdade, temos os mananciais como principais pontos de captação, sendo o Córrego Guariroba responsável por 36%, o Córrego Lageado por 13% e os demais são poços tubulares profundos, como o Aquífero Guarani em torno de 600 metros e outros menos profundos, como o Kaiowá, a partir de 100 metros. Nestes casos, são bacias monitoradas por serem APA’s (Área de Proteção Ambiental), onde se concilia o desenvolvimento sustentável com as atividades econômicas.
Nestes locais, mensalmente, são coletadas amostras de água onde fazemos análise em diversos pontos destas bacias hidrográficas. “Fazemos as medições de vazão da água, para saber o quanto está passando naquele rio. Além disto, tem um estudo hidrossedimentológico muito importante, que aponta o quanto de solo e areia estão chegando no corpo da água e como está sendo realizada a prática de conversação do solo nas propriedades rurais. Por exemplo, quando vem a chuva, assoreia e prejudica as nascentes”, ressaltou.
‘Os rios estão na água que bebemos’
Ou seja, é no Córrego Guariroba, dentro de Campo Grande, porém, fora do perímetro urbano, a cerca de 25 km de distância, e no Lageado, que fica na porção leste da cidade, que tudo acontece. “A maior preocupação da concessionária é entregar uma água de qualidade e por isso temos pontos de coleta e monitoramos a qualidade ambiental das bacias. Os rios estão na água que bebemos e isso é muito importante das pessoas saberem“, disse.
Nesta rede de monitoramento, o município entra com o programa Córrego Limpo, que é uma parceria com a prefeitura. “Trimestralmente são coletadas amostras em 83 pontos nos córregos, é uma rede bem extensa e completa, então, são feitas análises onde é divulgado um relatório da qualidade da água e também fazemos essa divulgação em placas informativas, com nota de 0 a 100 e que estão distribuídas pela cidade. É uma maneira simplificada de mostrar a qualidade da água”, argumentou.
Segundo o gerente da concessionária, vários parâmetros são analisados. Ao mesmo tempo, ocorre também a fiscalização dos imóveis que não estão conectados com a rede. “Temos a legislação e, no caso da concessionária passar na frente da rua, o morador é obrigado a se conectar com a fossa. E, infelizmente, ainda existe casos, mesmo com todo o trabalho que é feito. É claro que, se comparado a outras capitais, Campo Grande sai na frente, porém, ainda tem quem seja resistente”, disse.
Assim, a cidade também se consolida com melhoria dos rios e da rede de esgoto, se tornando um grande programa de despoluição dos rios. “Estas fossas acabam sendo um vetor de contaminação, na parte mais rasa, que chamamos de lençol freático e é justamente essa água que alimenta os rios. No período de seca o que alimenta os rios é a água subterrânea que está saindo do solo, então, tem o poder de contaminar. Ou seja, naturalmente está contaminando os rios e temos este papel fundamental na despoluição das bacias hidrográficas”, finalizou Garayo.
Veja o especialista falando sobre os recursos hídricos de Mato Grosso do Sul:
Bioinvasão de peixes exóticos destruindo nascentes
Os pássaros ficavam durante o dia nas margens do meu rio
E de noite eles iriam dormir na árvore do meu irmão.
Meu irmão me provocava assim: a minha árvore deu flores lindas em setembro.
E o seu rio não dá flores!
Eu respondia que a árvore dele não dava piraputanga.
Manoel de Barros – O menino que ganhou um rio
A piraputanga, presente nos nossos rios e citada pelo poeta Manoel de Barros, está intrinsecamente ligada ao ecossistema e cultura de Mato Grosso do Sul, conforme explica o historiador e pós-doutor em administração com ênfase em meio ambiente pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Eronildo Barbosa da Silva. “Eu vejo a piraputanga como um peixe com um aspecto cultural muito importante por causa dos filmes e das músicas em que é mencionada”, afirma.
Contudo, os mesmos rios em que a piraputanga vive e a vida no Pantanal flui estão ameaçados por peixes exóticos, que competem com os nativos e destroem as nascentes. Estas espécies foram introduzidas, principalmente, pelo homem no momento de pesca ou quando escapam em córregos durante prática da piscicultura.
“Neste momento, estamos vendo a situação do Pirarucu. Eu tenho mantido contato com o professor Fernando Rogério de Carvalho, que é doutor em peixes e ictiologia na UFMS, em Três Lagoas. Em uma das conversas, ele me disse que teremos ainda mais problemas com o pirarucu, que já está sendo cultivado em tanques em Poconé, região do Pantanal de Mato Grosso, e uma hora vai escapar e vai para o rio“, afirmou ao Jornal Midiamax o analista ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Reginaldo Yamaciro.
Segundo o analista, outras pessoas também estão envolvidas na conversa, no sentido de ampliar a campanha de controle. “Aqui em MS temos esta força-tarefa do Ibama com o Imasul [Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul], então, a intenção é também ter esta troca com Mato Grosso. Por lá, a secretária executiva do Conselho Estadual de Pesca de Mato Grosso, Gabriela Priante, nos disse que o Governo do Estado editou um decreto, que permite a criação destes peixes exóticos, que não são da bacia do alto Paraguai”, disse.
Por conta deste decreto, uma equipe do Ibama, em Brasília, esteve no Mato Grosso para verificar a situação. “Temos a competência de fazer o controle das espécies exóticas e invasoras, então, o setor de biodiversidade, floresta e de uso sustentável, esteve lá para tentar entender o decreto que permite a criação, mas, não houve entendimento. O decreto foi mantido e a tendência será uma judicialização do Ibama com o estado de MT. A questão está sendo estudada“, explicou.
Com isso, afloraram notícias de peixes exóticos nos rios. “Fiz uma rápida pesquisa e já identifiquei pescadores amadores fisgando pirarucu em Cuiabá, no Rio Cuiabá. E Poconé está mais para baixo, não está bem a margem. Por conta disto, já vamos incluir na próxima campanha de controle, em fevereiro do ano que vem, o pirarucu, a tilápia e o bagre americano, também conhecido como bagre africano ou bagre da Flórida, que já está no Rio Coxim, em Mato Grosso do Sul”, ressaltou Yamaciro.
No caso da tilápia, a força-tarefa apontou que a espécie já está no rio Correntes, na divisa com o estado de Mato Grosso do Sul. “Tanto o bagre americano quanto a tilápia foram barragens clandestinas que criavam esses peixes. No caso da tilápia foi uma barragem em Itiquira [MT], que rompeu e esses peixes foram lançados no rio Correntes, ali na parte alta. No caso da tilápia, talvez não chegue ao Pantanal, porque ali na parte alta há várias cachoeiras e tem o sumidouro, a ponte pedra, então, não há migração, não desce peixe e não sobe peixe”, argumentou o analista.
Assim, segundo Reginaldo, as tilápias podem ficar confinadas naquele trecho até a barragem. “Ali, inclusive, é licenciada pelo Ibama, mas, no caso do bagre americano, já foi identificado no Rio Coxim e na parte alta de São Gabriel do Oeste. A espécie curvina, que está no nosso cartaz, realmente é exótica, não é da bacia amazônica e está no Rio Paraná. No entanto, a curvina que tem aqui no Rio Paraguai, na bacia do alto Paraguai, não é esta, é uma curvina nativa. As pessoas confundem, porque realmente é muito parecido, mas, a diferença está na quantidade de escamas, então, tiramos a curvina do cartaz e do folder. Descobrimos que existem duas curvinas nativas, que são bem parecidas. O gênero é o mesmo e a espécie é diferente”, ressaltou.
Ao se referir ao pirarucu (veja vídeo abaixo), outra espécie exótica e invasora, o analista fala que o comportamento desta espécie é semelhante ao tucunaré, sendo estes chamados de “peixes oportunistas”, os quais protegem a prole, os ovos e as larvas, os alevinos e não são de grandes migrações.
“E como ele foi identificado agora, no Rio Cuiabá, e que gosta das áreas mais alagadas, de baias como é o caso do nosso Pantanal, então, se não houve outros descartes de pirarucu, no Rio Cuiabá ou no Paraguai, vai demorar muitos anos para chegar. É o mesmo caso do tucunaré, quando foi rompida a barragem em 1982, no Rio Piquiri, e 41 anos depois, está sendo pescado ali em Cáceres [MT]”, contou o analista.
Nesta região pantaneira, o pirarucu pode acabar com todos os peixes. “Ele protege a prole e também suga as outras espécies, como é a pirarara, então, com este comportamento, o pirarucu deve ficar um bom tempo ali na região do Rio Cuiabá, mas, já causando problema maior afluente do Rio Paraguai. A intenção é que ele não se distribua muito no Pantanal, por isso a campanha de controle de pesca exótica em conjunto em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, finalizou o analista.
Há cerca de um mês, o Jornal Midiamax divulgou, com exclusividade, a bioinvasão nos rios de Mato Grosso do Sul e a competição dos peixes exóticos com os nativos. Leia a notícia na íntegra:
Bioinvasão em rios de MS: peixes exóticos estão competindo com nativos e destruindo nascentes
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