PEC pode tirar exclusividade da Fundect na gestão de recursos para ciência e tecnologia
Pesquisadores se manifestam de forma contrária à Projeto de Emenda a Constituição que tira da Fundect a centralidade na gestão dos recursos de ciência, tecnologia e inovação
Osvaldo Sato –
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Pesquisadores, estudantes e representantes de instituições científicas de Mato Grosso do Sul se manifestaram nesta segunda-feira (2) contra a PEC 423/2024, atualmente em tramitação na Assembleia Legislativa do estado. A proposta sugere mudanças na política de financiamento à Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul), colocando em risco a continuidade e a autonomia da fundação.
A mobilização aconteceu durante a cerimônia de entrega do Prêmio Fundect Pesquisador Sul-Mato-Grossense 2024, realizada no Sebrae, em Campo Grande. O objetivo foi sensibilizar os deputados estaduais sobre os pontos críticos da PEC. O evento também contou com a presença de representantes do Poder Executivo Estadual.
Os pesquisadores temem que a nova proposta elimine a obrigatoriedade do repasse direto à Fundect dos recursos destinados à ciência e tecnologia. A PEC propõe que esses investimentos sejam direcionados para áreas genéricas de “ciência, tecnologia e inovação”, o que, segundo especialistas, pode comprometer o papel da fundação, criada especificamente para fomentar pesquisas, desenvolvimento tecnológico e inovação no estado. Atualmente, a Constituição Estadual assegura à Fundect o repasse de 0,5% da receita tributária do governo.
A mudança proposta altera o artigo 42 do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado, que hoje estabelece:
“O Estado criará a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia, destinando-lhe o mínimo de meio por cento de sua receita tributária […] para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico.”
A nova redação sugerida na PEC 423/2024 cria o artigo 42-A, com o texto:
“O Poder Executivo Estadual destinará, no mínimo, 0,5% (meio por cento) de sua receita tributária, para aplicação nas áreas de ciência, de tecnologia e de inovação (NR).”
Na prática, a proposta deixa de vincular o repasse exclusivamente à Fundect, tornando os recursos sujeitos a alocações discricionárias por parte do governo estadual. Cientistas e pesquisadores alertam que isso pode enfraquecer a fundação.
“Se por um lado o Projeto de Lei que esclarece, normatiza e enfatiza o trabalho da ciência e tecnologia no Estado – nisso o Governo do Estado tem todo mérito – por outro nos causou muita surpresa a sugestão da PEC, que colocava no parágrafo do artigo 42, a possibilidade de tirar a autonomia e tirar o papel principal do trabalho que a Fundect já desenvolve dentro de Mato Grosso do Sul”, alertou o professor Ivo Leite Filho, vice-secretário regional da SBPC/MS (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
A defesa da Fundect como órgão responsável pela destinação e aplicação dos recursos da ciência, tecnologia e inovação se dá devido à sua abrangência interinstitucional e formato de decisão colegiada.
Para defender esse ponto de vista, foi criado um grupo com mais de 300 pesquisadores, que estão se mobilizando para que o 0,5% para a Fundect seja mantido. “Ter uma fundação de pesquisa que coordena, orienta, sistematiza, organiza, qualifica ações de ciências e tecnologias do Estado é um privilégio em Mato Grosso do Sul”, destacou.
A autoria da PEC 423/2024 é do deputado estadual Londres Machado (Progressistas). Tem ainda como coautores os deputados Lia Nogueira, Mara Caseiro, Antonio Vaz, Caravina, Coronel David, Junior Mochi, Paulo Duarte, Pedrossian Neto, Roberto Hashioka, Zeca do PT e Zé Teixeira.
Deputado diz que PEC visa aperfeiçoar técnica legislativa
A reportagem do Jornal Midiamax entrou em contato com o deputado, que não pode ser contactado por estar em viagem. Segundo sua assessoria, a PEC visa corrigir e aprimorar redações específicas do texto constitucional, com foco em adequações normativas e melhor técnica legislativa.
Segundo explica a nota, o texto original da Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul vincula recursos obrigatoriamente ao Fundo de Habitação de Interesse Social (FEHIS). Isso contrariava a Constituição Federal, que veda a vinculação compulsória de receitas.
Para evitar que a norma fosse declarada inconstitucional, a PEC propõe que a destinação de recursos ao FEHIS passe a ser facultativa, permitindo maior flexibilidade.
O artigo 42 também foi alterado. Originalmente, ele tratava de múltiplas matérias dentro de um mesmo dispositivo, incluindo a criação de fundos e a destinação de recursos para ciência, tecnologia e inovação.
“Como apresentado na proposta a alteração do dispositivo visa primar por uma melhor técnica legislativa, uma vez que dentro de um mesmo dispositivo se encontrava regulamentado mais de uma matéria, tornando mais eficiente o comando normativo com o seu desmembramento”, diz a nota.
E complementa: “A Fundação não deixou de ser qualificada como de ciência, tecnologia e inovação, ao que nada impede que os recursos dessas áreas sejam destinados também ao propalado fundo”.
Governo do Estado destaca que irá ampliar investimentos no setor
Em nota, o Governo de Mato Grosso do Sul afirmou que ampliou o orçamento da Fundect nos últimos dois anos, sendo que em 2023, os investimentos superaram R$ 54,3 milhões e, até o mês de novembro de 2024, o valor já supera R$ 64,7 milhões.
“Com intuito de manter política de fomento ao C.T.I, o governo irá ampliar o alcance das políticas públicas do setor, aumentando assim para além da cota parte de 0,5% da receita tributária a obrigatoriedade no setor. O entendimento é que C.T.I podem, e devem, estar contempladas em várias áreas do governo, desde secretarias, autarquias, universidades, escolas técnicas e etc, possibilitando um número maior de pesquisadores e servidores, o acesso ao fomento do setor”, destacou a nota.
Além disso, o Governo Estadual explicou que os últimos dois anos respondem por quase 30% de tudo que já foi executado pela Fundect (fundada em 1998) em toda sua história (R$ 389 milhões, sendo R$ 119 milhões no último biênio – 2023/2024). Destacam-se editais inéditos no Brasil, tais como a Chamada Mudanças Climáticas e Resex – Residência em Extensão Rural.
Projeto de lei cria novos entes para ciência, tecnologia e inovação
De forma paralela, tramita também na Assembleia, um projeto de lei que dispõe sobre o tema em âmbito estadual e, dentre outras decisões, institui o SCTI/MS (Sistema Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação), cria o CCT&I/MS (Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação e institui o Funecti (Fundo Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação).
O Funecti, por sua vez, teria natureza financeira e contábil, vinculado e gerido pela Secretaria de Estado responsável pelas políticas públicas relacionadas à ciência, à tecnologia e à inovação. Este seria instituído para destinar recursos ao desenvolvimento científico e tecnológico do Estado de Mato Grosso do Sul.
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