(Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul) está proibido pela Justiça de entregar para empresas privadas a vistoria, registro, emplacamento, lacre e licenciamento de veículos. A decisão atende pedido do MP-MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) após novos flagrantes levados ao público pelo Jornal Midiamax colocarem sob suspeita a eficiência das credenciadas e o trabalho de fiscalização da Corregedoria de Trânsito no órgão.

Segundo a liminar, concedida pelo juiz David Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos, Individuais Homogêneos, o diretor-presidente do Detran-MS, Roberto Hashioka, deve ser intimado pessoalmente e pode ser responsabilizado com multa diária, caso não cumpra a determinação da Justiça sul-mato-grossense.

A Ação Civil Pública, proposta pelo promotor Marcos Alex Vera de Oliveira, citou reportagem veiculada pelo Midiamax como prova do ‘perigo de dano’ que manter a atuação das vistoriadoras credenciadas, mesmo após inúmeras denúncias, representa para a população. A reportagem flagrou, em vídeo, um veículo com motor fundido e sem bateria sendo aprovado pela empresa Focar, mesmo tendo chegado à vistoriadora na carroceria de um guincho.

Na ocasião, a credenciada Focar ignorou regras técnicas do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e aprovou o veículo, mesmo sem nenhuma condição de trafegabilidade. Marcos Alex também citou que há um inquérito em tramitação na 31º Promotoria do Patrimônio Público e Social de para apurar suposta omissão do Detran-MS na fiscalização das terceirizadas, reaberto, também, após o caso ser noticiado pelo Midiamax.

Corregedor de Trânsito do Detran-MS, delegado Fernando Villa de Paula, disse que tecnicamente’ a Focar ‘não pode ser considerada reincidente’, e explica que apesar de já ter sido alvo de outro processo administrativo, inclusive com decisão por aplicação de pena de suspensão das atividades por 30 dias, um recurso apresentado junto à ‘Comissão de Administração’ da , e ainda não julgado, impediu a aplicação desta pena.

Recentemente, o mesmo Villa de Paula, foi flagrado em vídeo, sem saber que era filmado, classificando denúncias e flagrantes nas vistoriadoras como ‘montagens para foder as empresas’. Legalmente, é dele a responsabilidade correicional sobre os atos administrativos do órgão, e teoricamente seria dele a responsabilidade de investigar e punir eventuais condutas ilícitas.

O corregedor, no entanto, disse que o autor das denúncias estaria agindo ‘por interesse próprio’ com intenção de ‘trazer descrédito’.

Enquanto isso, na ação, o MP-MS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) sustentou que o Detran-MS não poderia ‘entregar’ a vistoria a empresas terceirizadas. Alegou ainda que as credenciadas poderiam estar utilizando o poder de ilegalmente concedido pelo Detran-MS para adotar procedimentos incompatíveis com a segurança viária, “gerando grave comprometimento da ordem pública e social”.

‘Inúmeras denúncias’

No mais recente dos casos, um automóvel reprovado por vistoriadores no pátio do Detran-MS foi aprovado por uma vistoriadora credenciada pouco tempo depois. Segundo o contribuinte, assim que deixou o Detran-MS com o veículo reprovado por ausência de equipamentos obrigatórios e película nos vidros fora dos padrões, ele levou o automóvel para a Dekra, que fez ‘vista grossa’ para as irregularidades e lançou a vistoria como aprovada. Nenhum dos itens reprovados foi sequer cobrado.

A autorização do Detran-MS, segundo alegou o promotor, seria inconstitucional por invadir competência privativa da União para legislar sobre o trânsito e transporte. Além disso, justificou, a resolução que delegou o serviço às terceirizadas feriria o CTB (Código de Trânsito Brasileiro), que somente prevê que a vistoria seja realizada pelo próprio Departamento Estadual, quando autorizado pela União.

Em sua decisão, o magistrado afirmou que o CTB deixa claro que, por tratar-se de poder de polícia, a competência do serviço de vistoria seria exclusiva do Detran-MS, mediante delegação da União, e que a realização da inspeção pelas terceirizadas não teria embasamento legal.

Ao conceder a liminar, David Oliveira Gomes Filho também citou que não poderia negar a proibição pois, conforme noticiado pelo Midiamax, pesam sobre as terceirizadas do Detran-MS inúmeras denúncias, no mínimo suspeitas, sobre eventual falta de rigor técnico na inspeção, entendido pelo magistrado como perigo de dano à sociedade.

Relembre o caso

Em 3 semanas de investigação, a reportagem do Jornal Midiamax ouviu de despachantes, vendedores e proprietários de automóveis relatos sobre como continua possível ‘dar um jeitinho’ na hora de passar pela inspeção veicular em Mato Grosso do Sul. Foi o suficiente para conseguir um flagrante.

No dia 30 de maio, a reportagem gravou em vídeo um automóvel com o motor fundido e sem bateria ser levado, na carroceria de um guincho, para ser vistoriado na , em Campo Grande. Os vistoriadores pediram ao motorista do caminhão para ‘descarregar’ o veículo, um Peugeot 206, e sair do páteo da empresa enquanto a vistoria falsa era realizada.

Após confirmar que o veículo foi aprovado na suposta vistoria, mesmo sem ter nenhum dos equipamentos elétricos, como luzes de sinalização, funcionando, a reportagem foi até a empresa e falou com Antônio Gregório, o proprietário oficial da Focar, que está credenciada até 4 de novembro de 2019, segundo a Portaria T-467, do Detran-MS.

Inicialmente, Antônio, ou ‘Toninho’, como é conhecido entre despachantes, tenta negar. “Tem que ver a parte elétrica, pneu, motor, chassi, ver se está tudo em ordem, se está funcionando, mas se ele não tiver funcionando não faz [vistoria]”, garante.

No entanto, diante das provas, o dono oficial da vistoriadora credenciada pelo Detran-MS acaba admitindo que o procedimento irregular foi feito e que não foi um caso isolado.

“Às vezes a gente até faz, como o carro é novo, o motor tá [sic] estragado, às vezes até isso aí. Não é um procedimento certo, mas às vezes acontece, admite”. “Às vezes a gente até faz uma vista grossa”, confirma.

‘Motor disfarçado’ para ser aprovado

Para fazer o flagrante, no último dia 30 de maio, a reportagem acompanhou a vistoria do Peugeot 206, placas HSV-1982, no momento em que a fraude fora cometida.

Um veículo Peugeot 206 com motor fundido foi levado até a vistoriadora Focar, credenciada pelo Detran-MS, onde fora aprovado para fins de transferência, mesmo sem nenhuma condição de tráfego e parado havia, pelo menos, 1 ano.

O veículo só chegou ao local graças a um guincho, pois o motor estava literalmente desmontado. Ali, num primeiro momento, o proprietário foi orientado a realocar algumas peças no motor, pois estava ‘muito evidente’ que o carro não tinha condições de trafegar.

Os funcionários, então, orientaram o dono a levar o veículo em uma oficina, montar a parte de cima do motor, para que a vistoria fosse feita sem levantar tantas suspeitas. O proprietário, então, o fez.

Retornando à vistoriadora, onde já estava tudo previamente acertado, a fraude foi consumada. O funcionário responsável pelo laudo pediu que o veículo fosse posto no chão, e o caminhão fosse retirado do pátio para não levantar suspeitas. Rapidamente, a fraude fora concretizada.

Em menos 40 minutos, o ‘serviço’ foi feito e o laudo validado pelo Detran-MS.

Poucos minutos depois, o carro foi novamente colocado no guincho e deixou a vistoriadora na carroceria do caminhão.

Toda a ação foi filmada por equipe do Jornal Midiamax. Nem o dono do veículo, tampouco os funcionários da vistoriadora sabiam que a situação estava sendo registrada pela reportagem.