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Política

‘Ser livre’: conheça auxílio de até R$ 24 mil para mulher e filhos recomeçarem longe do agressor em MS

Dependência financeira é um dos principais obstáculos para que a mulher rompa o relacionamento, especialmente quando há filhos envolvidos
Thalya Godoy -
Programa oferece recurso para que vítimas criem independência financeira. (Madu Livramento, Jornal Midiamax)

“Eu não podia passar perfume, usar batom ou comprar xampu e condicionador. No mercado, pagava com o meu dinheiro, mas ele comprava o que ele queria. Um exemplo, era só um dente de alho para temperar o arroz e o feijão. São coisas que tu não consegue entender, controla você demais”. 

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“Eu vim escolher a casa, desde o talher até a panela. A assistente foi comigo e eu tive a oportunidade de escolher tudo sozinha pela primeira vez. Foi maravilhoso. Quando eu fui comprar o meu jogo de panela eu falei para a pessoa que foi me acompanhar ‘é muito bom tu poder escolher o que tu quer. Isso eu quero, isso não quero’. Não é pessoa dizendo ‘isso você não compra’. É muito bom ter sua liberdade, poder sair com os seus filhos. Ser livre”. 

As duas falas retratam cenários separados por cerca de cinco meses na vida de Sofia — nome alterado para preservar a identidade da fonte e da família. No primeiro trecho, a mulher vivia em situação de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda de e era sujeita, ao lado dos filhos, ao cárcere privado imposto pelo então companheiro. 

Aproveitando o cenário de isolamento no campo, o homem minava a autoestima de Sofia ao mesmo tempo em que a afastava do mundo exterior, controlando o uso do celular e até o banho. 

“Ele pensava que eu não ia conseguir sair dali. Eu tenho certeza que ele pensava que a gente ia ficar preso. Os donos da fazenda vinham a cada quinze dias. Então, na frente era um mar de rosas e, quando saía, o inferno começava”, recorda. 

Já o segundo depoimento é após Sofia e os filhos serem incluídos no Programa Recomeços. A iniciativa prevê uma ajuda mensal de um salário mínimo por seis meses, podendo ser prorrogado por até um ano, para que a mulher vítima de possa reconstruir a vida com autonomia financeira, longe do agressor e da violência doméstica e familiar. 

A dependência financeira é um dos principais obstáculos para que a mulher rompa o ciclo da violência e saia do relacionamento abusivo. A estratégia visa acuar a mulher para que sinta medo e não rompa o laço com o criminoso. “A maioria não deixa a mulher trabalhar por causa disso, para viver a dependência dele”, confirma Sofia. 

A iniciativa do Governo de Mato Grosso do Sul prevê a possibilidade de um valor adicional de até quatro salários mínimos, totalizando pouco mais de R$ 6 mil, para ajudar na compra de móveis para um novo lar. 

As beneficiárias do programa também recebem acompanhamento psicossocial, encaminhamentos para cursos de qualificação profissional e apoio para inserção no mercado de trabalho ou empreendedorismo.

O programa garante ainda que os filhos sejam matriculados em escola próxima à residência para continuar os estudos.

Rompendo o ciclo da violência

Maioria dos crimes de violência doméstica acontece dentro de casa. (Fonte: Monitor da Violência Doméstica)

Sofia e o ex-companheiro estavam juntos havia quase oito anos quando foram trabalhar em uma fazenda em troca de local para morar e um espaço de terra para plantar. Sem salário pago pelos latifundiários, o casal e as três crianças usavam um benefício pago pelo para a compra de alimentos. 

A primeira ajuda para sair do cenário de violência chegou após o filho mais velho de Sofia acionar o Conselho Tutelar, em um momento em que o padrasto estava longe. O adolescente fez isso sem comunicar a mãe, que ficou surpresa com a chegada de ajuda.

Contudo, Sofia só foi embora do local após o segundo pedido de socorro, quando a filha expressou o tormento que enfrentava no meio familiar. A mãe se sentia culpada e tinha medo de não conseguir criar os filhos sozinha caso largasse o companheiro. 

“A minha filha pegou uma mochila e saiu correndo dizendo que queria ir embora da fazenda, disse que queria que uma onça matasse ela porque não aguentava mais essa vida”, lamenta. 

Diante disso, Sofia pegou o telefone para ligar para o Conselho Tutelar para buscá-los. Porém, o homem tomou o aparelho e empurrou a filha mais nova no colo contra uma máquina velha que tinha na propriedade.

“Eu me sentia culpada, do tipo que não ia conseguir, porque o que ele sempre falava era que não iria conseguir dar conta de criar os meus filhos”, relembra Sofia. 

Após sair da propriedade, a mulher e os filhos foram trazidos para e ficaram no Ceamca (Centro Especializado de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência). Posteriormente, os quatro foram levados para a Casa Abrigo, uma residência que acolhe vítimas de violência doméstica dos 79 municípios de Mato Grosso do Sul. O endereço do local é mantido em segredo para garantir a segurança dos abrigados.

No local, é oferecida alimentação, roupas, cursos, consultas médicas, terapias e outros itens que garantam o recomeço para essa família fragilizada. Também é ofertado acompanhamento de psicólogos, psicopedagogos, nutricionistas, entre outros profissionais. No caso de Sofia, ela fez até aulas de defesa pessoal enquanto permaneceu no lugar com os filhos. 

Outra oferta da Casa Abrigo é a de rodas de conversas para que as mulheres possam compartilhar experiências, revigorar a autoestima e mudar o pensamento de culpa atribuído à cultura machista. 

“Quando eu cheguei lá eu não conseguia dormir, eu passava a noite em claro, não conseguia até eu ter coragem de dizer, pedir ajuda para tomar uma medicação, alguma coisa para dormir. Eu participava de palestra com psicólogas, a minha técnica estava sempre à disposição para conversar comigo, desde a coordenação ao assistente social. Daí com o tempo foram mudando meus pensamentos. Minha cabeça foi mudando também, em contato com as mulheres a gente vai conversando, vai pegando confiança uma na outra, a gente vai criando vínculos”, comemora Sofia.

Quem pode participar do Programa Recomeços?

Sofia pôde voltar a cuidar da própria autoestima após conquistar autonomia longe do agressor. (Madu Livramento, Jornal Midiamax)

O Monitor da Violência Contra a Mulher em Mato Grosso do Sul aponta que até 14 de agosto foram 12.874 vítimas de violência doméstica no Estado, enquanto ao longo de 2024 foram 21.050 registros. Em 2025, foram 23 casos de feminicídio até o fechamento desta reportagem. 

Um das mortes mais emblemáticas neste ano foi a da jornalista Vanessa Ricarte, aos 42 anos, assassinada a golpe de facas pelo ex-noivo Caio Nascimento.

O caso levantou discussões sobre a política de proteção às mulheres vítimas de violência após a divulgação de áudios de Ricarte em que relatava o tratamento frio que recebeu na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), horas antes de ser morta, em 12 de fevereiro.  

O Recomeços foi lançado em março deste ano e foi incluído no “pacote” de ações do Governo de Mato Grosso do Sul para melhorar a rede de proteção às vítimas de violência doméstica e familiar. 

Segundo dados da Sead (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos), sete mulheres já foram incluídas no programa. 

Entre os critérios de acesso ao Recomeços estão estar inscrita no CadÚnico, estar acolhida há pelo menos 15 dias na Casa Abrigo, possuir medida protetiva expedida nos últimos 30 dias e ter parecer técnico que ateste a situação de risco. As mulheres podem escolher em qual município de Mato Grosso do Sul desejam morar após sair da Casa Abrigo. 

A prioridade é dada às mulheres acolhidas, famílias com mais crianças e aquelas em condição de maior vulnerabilidade econômica. A seleção é feita em articulação com a rede socioassistencial e de enfrentamento à violência, com análise técnica da situação da mulher.

Após o anúncio do Recomeços, Sofia tomou coragem e decidiu que queria reconstruir a vida ao lado dos filhos. Meses atrás, o campo da fazenda se estendia à frente, mas o medo a acuava em alguns poucos metros quadrados da casa. Após a passagem pela Casa Abrigo e a mudança para a nova residência, a mulher voltou a sonhar novos planos para a família. 

“Se Deus quiser vou estar terminando meus estudos e voltar a trabalhar […] acho bom a gente trabalhar, ter mais dinheiro, ter uma renda a mais para comprar o que a gente quer, dar condições melhores para os meus filhos”, deseja Sofia. 

Recomeçar Moradia

Outro programa que visa apoiar financeiramente mulheres para que tenham autonomia é o Recomeçar Moradia, da Prefeitura de Campo Grande. É oferecido o auxílio mensal de R$ 500 por até 18 meses para ajudar no aluguel ou na compra de alimentos. Também é oferecida a oportunidade para que a mulher participe de cursos de capacitação oferecidos pelo Município. 

Conforme a secretária executiva da Mulher de Campo Grande, Fontanari, a ideia é oferecer uma ajuda financeira para que a vítima não seja obrigada a voltar a morar com o agressor. Para participar do programa, a pessoa precisa ter passado pela Casa da Mulher Brasileira. 

“Quando a mulher chega à Casa da Mulher Brasileira, todo mundo acha que a mulher já vai para a delegacia. Não, o setor psicossocial recebe essa mulher. Lá tem aquele formulário de risco, o Fonar. Lá, a gente começa a identificar a situação financeira dessa mulher, com quem que ela mora, rede de apoio, começa a fazer esse levantamento. Identificando essa mulher, o nosso setor psicossocial já a insere no programa”, explica a titular da Semu.

De acordo com Fontanari, 80 mulheres já foram atendidas pelo programa e a previsão é que mais 50 sejam colocadas no Recomeçar Moradia em agosto.

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