Mujica está morrendo: imagens eternizam encontro de professora de MS com o ex-presidente do Uruguai
Docente foi uma das poucas – senão a única de MS – a ter visitado a chácara de Mujica nos arredores de Montevidéu; ex-presidente compartilhou que o câncer se espalhou pelo corpo
Thalya Godoy –
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Um idoso de cabelos brancos trabalhando na horta foi uma das primeiras visões que a professora de Mato Grosso do Sul, Fátima Silva, teve de José “Pepe” Mujica ao chegar à chácara do ex-presidente do Uruguai, em 12 de março de 2022, no fim do verão em Montevidéu.
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A estrada de terra, os sapatos gastos, o fusca azul velho, as galinhas, o cachorro ‘fiapinho’, a queixa sobre as cebolas que cresceram pequenas são alguns dos detalhes que marcaram a sul-mato-grossense na visita ao pedaço de terra, do qual Mujica não “arredou” o pé nem quando era presidente.
“Estou morrendo”. O ex-presidente do Uruguai entre 2010 a 2015 anunciou ao jornal local Búsqueda, na última quinta-feira (9), que o câncer do esôfago se espalhou para o rim e que não há intervenções médicas que possam reverter o quadro. “Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”, pediu Mujica.
E Mujica enfrentou diversas batalhas ao longo da vida. Militante de esquerda e guerrilheiro, ficou preso durante 14 anos – sete deles em uma solitária. Na cadeira de presidente, foi responsável por atos polêmico como a legalização da maconha – o que diminuiu o tráfico – e do aborto até a 12ª semana de gestação.
Apelidado de “presidente mais pobre do mundo” ao não largar a vida modesta, Mujica não disputou a reeleição. Durante o mandato como presidente, continuou morando com a esposa e ex-senadora, Lúcia Topolansky, na chácara nos arredores de Montevidéu, dirigindo o fusca azul 1987 e até usando sapatos gastos em reuniões com chefes de Estado.
E foi com um sapato furado, mostrando parte do dedo do pé, que o ex-presidente do Uruguai encontrou com o grupo que incluia a ex-presidente da Fetems (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), Fátima Silva, no fim da pandemia de Covid-19.
A pedagoga é licenciada da REE (Rede Estadual de Educação) para atuar na CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e na Internacional da Educação para a América Latina. Ela confessa, sob risos, que é “ruim” para fazer registros, mas esse encontro com o uruguaio capturou muitos detalhes.
Visita à chácara de Mujica
A sul-mato-grossense é uma das poucas – e talvez a única de MS – que visitou a chácara de Mujica. Ela participava de uma comissão de trabalhadores da educação que teve a oportunidade de ir até o endereço. Durante o encontro, a professora observou a preocupação do casal com o funcionamento do local. Enquanto Mujica se ocupava da horta, a esposa Lucia trabalhava no almoço do dia.
Na época, há quase três anos, Mujica já se queixava sobre a morte e dizia que saía de casa apenas para ir ao velório de amigos.
“Eu já estive várias outras vezes com ele. Todas as vezes reclamando também da idade, preocupado com a situação da América Latina, preocupado com o [avanço da extrema-direita] no Brasil e na Argentina […] Ele dizia ‘meu tempo está acabando’”, relembrou a professora.
Outra preocupação do ex-presidente do Uruguai é sobre o futuro da política e a formação de uma juventude crítica. A professora relembra que Mujica criou o grupo Juventude do Sul, que conta com um brasileiro. “Eu quero deixar essa juventude para continuar […] ele disse ‘nós os velhos temos que saber é que os momentos que a gente está vivendo’, quais são os anseios, os valores da democracia, dos direitos humanos”, recorda.
Ícone político da esquerda para a América Latina e do mundo, Mujica também cometia erros, como aponta Fátima. “Uma pessoa extraordinária e também que comete os seus equívocos. Uma vez estive no Uruguai quando ele era presidente e estava brigando com os professores por questões salariais. Ele também enfrentava suas questões administrativas”, pondera.
Além do encontro na chácara, Fátima esteve com o ex-presidente do Uruguai em outras ocasiões, como no lançamento do movimento Lula Livre em Montevidéu em 2018 – quando Lula estava preso -, posse do Senado Uruguaio em 2015 e na Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, em 2024, em Foz do Iguaçu (PR).
Atualmente, com 89 anos, Mujica fez questão de votar nos dois turnos das eleições presidenciais do Uruguai, que elegeu do Yamandu Orsi, da Frente Ampla, em novembro de 2024. O resultado das eleições marcou o retorno da esquerda para a presidência.
“Ele marca a democracia com a sua anti-inteligência, com as suas ideias, não só os uruguaios, mas a humanidade. Ele marca a defesa da democracia, reconhecido mundialmente, e a sua humildade, um exemplo de pessoa que não se apega aos cargos”, avalia a pedagoga.
“Eterno”
Outro sul-mato-grossense que encontrou com Mujica foi o deputado federal Vander Loubet (PT). A conversa ocorreu em 1º de janeiro de 2023, no Congresso Nacional, na posse do presidente do Lula.
“Um homem brilhante, sem dúvida, dono de uma simplicidade e de uma sabedoria que poucos têm. É uma pessoa que representa de forma exemplar a luta por um mundo mais justo, menos desigual e mais humano. Quem acompanha suas entrevistas, seus vídeos divulgados nas redes sociais sabe do que estou falando”, destaca.
O congressionalista recebeu com pesar a notícia sobre a saúde de Mujica, mas exaltou a vitalidade do octogenário.
“Saber dessa situação dele, do câncer, é muito triste. Mas, mesmo diante da iminência da sua partida, o Mujica segue lúcido e muito consciente, sem falar que é muito corajoso. É, mais uma vez, admirável. A frase que ele disse na sua entrevista (‘Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso’) é muito forte. E me arrisco a dizer que ele vai seguir eterno, por conta da sua figura carismática, das ideias que plantou e de tudo o que fez”, finalizou.
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