O promotor de Justiça Maurício Mecelis Cabral resolveu encaminhar depoimento no inquérito civil que investiga denúncia de corrupção e desvio de recursos no pagamento de combustíveis na Prefeitura de Nova Alvorada do Sul.
Após a reportagem do Jornal Midiamax revelar acusação protocolada ao Conselho Superior do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, apontando suspeições sobre a atuação do promotor por suposta proximidade com o prefeito José Paleari (PP), Mecelis determinou o envio da oitiva com Ozéias Morais da Silva, ex-chefe da Gestão de Frotas municipais, ao conhecimento da Delegacia Especializada de Combate à Corrupção.
O depoimento, colhido na noite do dia 26 de junho de 2025, só foi encaminhado à autoridade policial no dia 2 de setembro.
Ao promotor, Ozéias afirma que, inicialmente, os motoristas usavam “bótons” para dar partida nos veículos, o que auxiliava na identificação do condutor. Entretanto, os bótons foram removidos no final de 2021 ou em 2022, a pedido das secretarias, devido a problemas de partida, gasto excessivo de bateria e travamentos dos veículos.
Após a remoção dos bótons, a identificação de quem dirigia o veículo naquele momento passou a ser responsabilidade das secretarias e dos coordenadores, e não do gestor de frota, segundo Ozéias.
- Ozéias: No decorrer do ano, foi pedido pra tirar os botton, porque tava dando muito problema na partida. Gastava muita bateria e tal. Só que daí ficou, já, o rastreamento ainda. O cara dava a partida livre.
- Promotor: Mas, como você faz o controle de que a pessoa tá dirigindo o carro? Que pessoa que tá dirigindo o carro?
- Ozéias: Essa é a secretaria que faz.
- Promotor: Tá, mas esse sistema, então, quando você tira o botton, você não permite mais esse controle?
- Ozéias: Não, não. Isso não. Não. Hoje, aí tem o da Taurus, por abastecimento.
- Promotor: Tá, tudo bem, mas quem está de fato com o veículo, quem tá?
- Ozéias: Não, isso o gestor lá não sabe, eu não sabia quem estava.
- Promotor: Tá, mas antes com boto não era possível identificar, cada motorista possui seu boto.
- Ozéias: Sim, correto, isso mesmo.
- Promotor: Tá, e foi tirado isso quando?
- Ozéias: Eu não me recordo se foi em 2022 ou foi no final de 2021, doutor, porque ele tava dando muito problema com partida de carro e tal. E aí cada secretário pediu pra deixar sem o botton, porque ele tava dando muita confusão também, tipo, ele travava o carro, na hora de dar partida ele travava, tipo, não dava partida, não reconhecia o botton. Aí, inúmeros problemas, aí eles pediam para deixar…
- Promotor: Mas o controle dos percursos continua sendo feito?
- Ozéias: Sim, sim, mas com o secretário. E os controles dos percursos continuam sendo rastreados pelo sistema.
- Promotor: Como assim, com o secretário?
- Ozéias: Assim, quem, no caso, estava pilotando o veículo naquele momento já era com o secretário, os coordenadores que escalavam ali e tal, por exemplo, a educação, Ah, você que vai lá, né, dirige lá, vai lá na fazenda tal, um exemplo. Mas o gestor, eu não sabia quem tava lá no carro, mas o rastreamento, a quantidade de KM que rodou, tava registrando, normal.
Entretanto, apesar do rastreamento seguir funcionando, o ex-gestor de frotas confessa que não aplicava um monitoramento sistemático aos registros, fazendo-o apenas “por provocação”.
- Promotor: O que o senhor fazia com essa informação? O senhor fazia uma averiguação sistemática do que que tava sendo rodado?
- Ozéias: Não, não.
- Promotor: Por que não?
- Ozéias: Porque nunca solicitaram. Alguns solicitavam só quando dava alguma divergência no dia. Por exemplo, ah, quem que tá com esse carro? Onde tá esse carro? Aí me ligavam e eu solicitava. Mas, é um setor pra ter, pra ter o controle de cair em rodado mesmo. Entendeu?
- Promotor: Como que o senhor fazia esse controle? O senhor tinha uma sistemática? Ou era só por provocação assim?
- Ozéias: Só por provocação, doutor.
- Promotor: Não tinha uma forma de ficar ordenado?
- Ozéias: Não, não. Porque eu tinha muita parte administrativa da Taurus pra fazer, aí é só quando tinha reação mesmo.
Durante a oitiva, Ozéias revelou que, para veículos de rota contínua, como no caso dos ônibus de transporte escolar, existiam “cercas eletrônicas” que emitiam um alerta no computador caso o veículo saísse da rota. Contudo, esse sistema não abrangia todas as rotas, a exemplo de ambulâncias que fazem o trajeto de pacientes para Campo Grande.
Questionado das razões para a falta de monitoramento, Ozéias, que chefiava o setor e tinha como principal atribuição garantir o controle das atividades, afirma que “nunca ninguém pediu para criar nada”.
O apontamento demonstra que o controle do gestor de frotas estaria condicionado à manifestação de terceiros.
Bola de neve
O depoimento encaminhado à delegacia de combate aos crimes de corrupção revela ainda que a Prefeitura de Nova Alvorada do Sul mantém dívida de aproximadamente R$ 300 mil com postos de combustíveis.
Ozéias detalha também que, para o custeio do fornecimento de combustíveis, os empenhos financeiros da administração não serviriam para pagar apenas o consumo a ser registrado, mas também a pendência já consumida por motoristas em nome da gestão de Paleari.
- Ozéias: No tempo que eu sair de lá, eu posso falar pro senhor um valor aproximado tipo uns 300 e poucos mil [reais]. de combustível, de dívida.
- Promotor: E aí ficam se acumulando as notas e é feito manualmente?
- Ozéias: É, aí é feito manualmente, doutor. Aí é feito manualmente. Aí vai passando, passando. Aí quando, por exemplo, a Taurus libera saldo, eles [postos de combustível] fazem um monte de uma vez, entendeu? E dessa forma…
- Promotor: A Taurus libera saldo ou quando a Prefeitura faz o pagamento de empenho?
- Ozéias: Tipo assim, quando a Prefeitura empenha, aí a Prefeitura tem que pagar as notinhas atrasadas da Taurus pra ele poder colocar esses empenhos, pra eles aceitarem, pra liberar saldo.
- Promotor: Então, paga o empenho que já tinha e faz um outro empenho.
- Ozéias: Isso mesmo, isso mesmo. Aí fica, tipo, dívida da Taurus e ainda no posto. Entendeu?
Essa situação, popularmente conhecida como ‘bola de neve’, só é uma realidade porque, na gestão de combustível da administração Paleari, quando há restrição dos cartões oficiais do sistema Taurus, empresa contratada para o fornecimento de combustíveis, motoristas em nome da Prefeitura podem abastecer veículos deixando ‘notinhas’ manuais com registro de quilometragem feitos à mão.
No depoimento, é claro o desconforto do ex-gestor de frotas ao confessar a prática.
- Ozéias: A prefeitura, ela não acompanha os pagamentos da Taurus, ela sempre atrasa. Aí o posto, por exemplo, a gente entra no fiado do posto, aí essas notinhas ficam manual no posto. Eu não sei falar pro senhor por que o posto libera, por que o posto não bloqueia, porque eu já entrei e já existia isso, entendeu? Tipo assim, o sistema bloqueia lá por falta de pagamento, aí a gente fica no fiado lá só, no controle do KM, do motorista que foi lá abastecer, lá no caixa do posto. Eu já briguei por isso, com as caixas. Mas, assim, é melhor a gente falar a verdade.
- Promotor: Mas a prefeitura mesmo assim pagava?
- Ozéias: Sim, sim. Aí, na hora de passar a notinha, as notinhas, elas se acumulavam e a caixa do posto ia passando em cima da outra no mesmo horário.
- Promotor: Só pra entender, a pessoa vai lá, abastece, ao invés de passar nesse sistema, ela assina um comprovante?
- Ozéias: Ela assina aquela comanda do posto e coloca o KM do veículo e deixa lá guardadinho no posto, entendeu?
- Promotor: Tá, mas como que você consegue fazer esse controle?
- Ozéias: O controle é feito pelo KM, mas assim, eu não vou mentir pro senhor, né? Controle, é pelo KM, a gente tem que confiar no KM que está passando pra gente. Porque eu, por exemplo, eu controlo até na hora de colocar o saldo. Lá no caixa do posto, depois que abastece, eu não tenho controle mais. Eu não posso mentir pro senhor, entendeu? Então, eu digo assim, essa é uma deficiência que eu tenho. Qualquer gestor que passa por lá vai ter. Porque ele se acumula notinha na hora de pagar, tem que pagar entendeu?
A manifestação contraditória do ex-gestor de frotas de Nova Alvorada do Sul confronta explicação anterior sobre o procedimento padrão, cujo abastecimento só seria liberado mediante o registro de CPF, senha e quilometragem individual do veículo cadastrado sob pagamento com cartão corporativo da empresa fornecedora. Entretando, com atrasos financeiros, os abastecimento seguiam via promissórias.
O inquérito em questão foi aberto em abril de 2023, após denúncia anônima apontar gastos milionários em combustíveis e reparos de veículos.
Conforme o relato, haveria um esquema para o abastecimento de veículos de políticos, secretários e outros funcionários do alto escalão não autorizados. A denúncia cita que o ex-gestor de frotas, com o aval do prefeito, autorizaria seu irmão, funcionário do posto, a realizar os abastecimentos, cujos pagamentos seriam efetuados posteriormente com o cartão corporativo.
Outra irregularidade apontada na denúncia à Ouvidoria do órgão destaca suposto esquema de “rachadinha” envolvendo serviços de manutenção de veículos. O denunciante relata que notas fiscais por serviços não realizados foram emitidas e, após o pagamento, parte do valor seria repassada a membros da administração municipal.
O relato provoca o MPMS para suspeitas de enriquecimento ilícito de servidores a partir das supostas vantagens obtidas com a lucratividade dos atos denunciados.
Promotor nega arquivamento
Ao Jornal Midiamax, o promotor Maurício Mecelis Cabral afirmou que emitiu recomendações que ‘avisam’ ao prefeito sobre as ilegalidades e irregularidades.
Segundo Cabral, o inquérito civil ainda não chegou à fase de analisar se ocorreu apropriação indébita de valores, dolo, durante o abastecimento dos veículos. O promotor ainda assegura que, ‘se isso ocorrer, segue a investigação’.
Maurício Cabral disse à reportagem que mora em Nova Alvorada do Sul há pelo menos 12 anos, período em que, segundo ele, não nutriu nenhuma amizade por prefeito, tanto o atual quanto ex-prefeitos.
“Se eu fosse amigo do prefeito não poderia comandar uma investigação contra ele”, repetiu o promotor sobre obrigação ministerial básica listada no Código de Ética do Ministério Público.
A justificação se dá em razão das suspeitas de moradores que levaram o nome de Maurício ao alto conselho do MPMS por ineficiência de apuração, sob indícios de proximidade de relacionamento entre o promotor e o prefeito José Paleari.
O que diz Paleari?
A reportagem buscou posicionamento do prefeito de Nova Alvorada do Sul, José Paleari (PP), mas não obteve retorno. Por ligação, um assessor que atendeu o telefone pessoal do político chegou a sugerir que o gestor não se manifestaria por falas de servidores, mesmo implicando sua administração.
O servidor afirmou que uma sindicândia foi aberta contra Ozéias. A reportagem buscou esclarecer com Paleari quais foram os esforços da administração para prevenir os possíveis danos causados ao erário.
O espaço segue aberto para manifestação.
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(Revisão: Dáfini Lisboa)