De promessa a problema, Aquário do Pantanal completa dez anos ainda em obras

Empreendimento foi alvo de investigações e já consumiu pelo menos R$ 200 milhões dos cofres públicos

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Um esqueleto metálico e de traços nada comuns hoje compõe a paisagem de um dos principais cartões-postais de Campo Grande, o Parque das Nações Indígenas. Era 14 de abril de 2011 quando a primeira ordem de serviço para construção do Aquário do Pantanal foi assinada. Passados dez anos, a promessa de pôr em pé o atrativo turístico e polo de pesquisas científicas fez água. Entre paralisações, problemas estruturais, operações policiais e pelo menos R$ 200 milhões de dinheiro público investido, o local continua em obras.

Inicialmente, o projeto foi orçado em R$ 84,7 milhões e deveria ser inaugurado em 2013. Mas, no ano passado, uma perícia da qual fez parte o MPMS (Ministério Público Estadual) apontou à Justiça Estadual que os serviços já teriam custado, ao menos, R$ 200 milhões

O valor estimado impressiona, uma vez que é duas vezes e meia mais caro que o maior aquário de água marinha da América do Sul, o AquaRio, inaugurado em 2016 no Rio de Janeiro (RJ).

As cifras levantaram suspeitas de desvios e de fraudes em licitação, e o empreendimento entrou na mira da Operação Lama Asfáltica. A turbulência provocou um vai-e-vem de paralisações e retomadas das obras.

A partir de 2015, o canteiro começou a ser esvaziado de vez. A estrutura ficou à mercê do desgaste pelo tempo até meados de 2018, quando, enfim, voltaram os trabalhos para sua conclusão.

As projeções mais otimistas agora indicam a finalização das obras em 2021. Apesar disso, o cambaleante histórico da construção do Aquário do Pantanal advoga contra qualquer estimativa.

Mudanças no projeto com serviços em andamento freou ritmo das obras  

De aditivo em aditivo com a Egelte, primeira contratada para a execução da obra, os R$ 84,7 milhões saltaram para R$ 105,8 milhões. Além disso, a previsão inicial de entrega foi adiada em dois anos.

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Operário em guindaste nas obras do Aquário do Pantanal – Leonardo de França/Midiamax

Em março de 2014, a Egelte foi autorizada a subcontratar a Proteco, do empresário João Alberto Krampe Amorim dos Santos, sob o argumento de, com isso, conseguir terminar a obra dentro do prazo. Porém, interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal indicaram que a empresa foi pressionada a entregar o canteiro para a Proteco.

Um levantamento da CGU (Controladoria-Geral da União) atestou que, dos R$ 105,8 milhões empregados, só R$ 39 milhões correspondiam a itens ou serviços contratados originalmente. Isto porque Egelte e Proteco mexeram 11 vezes na planilha orçamentária original, o que descaracterizou a licitação.

Irregularidades nas mudanças efetuadas no projeto levaram o próprio arquiteto que desenhou o Aquário do Pantanal a responder ação por improbidade administrativa. Massashi Ruy Ohtake, seu escritório e o engenheiro José Antônio Toledo Areias tiveram R$ 10,7 milhões em bens bloqueados.

Construção do Aquário ficou quase quatro anos paralisada

Em julho de 2015, o MPF (Ministério Público Federal) recomendou a rescisão da subcontratação com a Proteco. Mesmo de volta à jogada, a própria Egelte foi à Justiça a fim de suspender o contrato e abandonar o serviço.

O movimento resultou em um acordo para que a empresa voltasse aos trabalhos no primeiro trimestre de 2016. Mas, em junho, a Egelte pediu a rescisão definitiva do contrato, o que só se concretizou quase um ano e meio depois.

Somente no início de 2018, depois de novo acordo costurado por órgãos de controle, o governo estadual anunciou a assinatura de contratos para a conclusão das obras do Aquário do Pantanal.

Noves fora a demora na parte estrutural, milhares de peixes que integrariam o projeto morreram no decorrer do processo. A principal suspeita é de que a variação de temperatura nos tanques em que ficavam vitimou os animais.

O contrato com a empresa responsável pelos peixes acabou rompido em 2015. Ainda corre na Justiça uma ação proposta pelo MPMS para punir os responsáveis pelas mortes.

Em meio à turbulência e operações policiais, construção do Aquário do Pantanal ficou paralisada entre 2015 e 2018 – Leonardo de França/Midiamax

 

Sexto secretário à frente a obra prevê terminar Aquário este ano

De 2018 para cá já foram 12 licitações – a última, aberta em março, promete ser a derradeira da etapa de finalização do Aquário. Segundo a Seinfra (Secretaria de Estado de Infraestrutura), o empreendimento hoje tem 12 frentes de trabalho, das quais duas concluídas até o mês passado.

Assim que assumiu a pasta, em fevereiro, Eduardo Riedel projetou a conclusão do Aquário para este ano. Antes dele, outros cinco secretários passaram pela Seinfra durante o período de obras e fizeram previsões frustradas.

A estimativa de Riedel pode não vingar em função da dificuldade do governo estadual em conseguir interessados nestas últimas licitações. O caso da contratação da empresa que vai pôr em prática o sistema de suporte à vida é emblemático: já são três licitações desertas.

O serviço é um dos mais sensíveis e complexos, dadas as dimensões faraônicas do projeto. Por isso, são poucas as empresas aptas a assumir o contrato.

Inacabado, Aquário virou telão e abrigou jiboia ‘ansiosa’

Quando – e se – finalizado, o Aquário vai comportar 5,4 milhões de litros de água e abrigar 12 mil peixes, répteis, mamíferos e invertebrados do Pantanal em seus 32 tanques. Além disso, deve servir de base para um centro de estudos e pesquisas sobre o bioma.

Enquanto isso, a saga do Aquário do Pantanal ganha cada vez mais contornos tragicômicos. No ano passado, uma jiboia de três metros de comprimento resolveu fazer a estrutura de abrigo. Mas a ansiosa serpente chegou cedo e, com a obra inacabada, acabou removida do local.

Pouco depois, em dezembro, a estrutura serviu de telão improvisado para projeção de filmes. Nenhum thriller de terror ou ficção pós-apocalíptica entrou na programação, apenas produções natalinas.

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