Governo praticou “fraude fiscal” 

Especialistas ouvidos nesta segunda-feira (2) pela Comissão Especial do reforçaram a tese de que a presidente Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade ao praticar as chamadas “pedaladas fiscais” e ao editar decretos de suplementação sem prévia autorização legislativa. O procurador do Ministério Público junto Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira, o juiz José Maurício Conti e o advogado Fábio Medina Osório foram indicados pela oposição para debater aspectos técnicos e jurídicos do processo de impedimento. Amanhã será a vez de o colegiado ouvir nomes sugeridos pelo governo.

Júlio Marcelo de Oliveira afirmou que o governo praticou “fraude fiscal” e “contabilidade destrutiva” ao atrasar transferências do Tesouro Nacional a bancos públicos referente à equalização de taxas de juros de programas sociais subvencionados.

Segundo ele, governo usou os bancos como um “cheque especial”. Eles, explicou o procurador, faziam pagamentos sem terem recebido os repasses da União, o que configuraria empréstimo. Oliveira admitiu que não houve nenhuma antecipação de recursos em 2015.

— Em 2015 o Governo não deveu mais à Caixa. Esse foi um recurso utilizado em 2013 e 2014. Em relação à Caixa Econômica Federal, em 2015, não há o registro de utilização da Caixa como cheque especial — disse.

Ele ponderou, contudo, que a dívida do governo federal com os bancos públicos só foi quitada no final de 2015.

— Na minha visão, o governo não pagou antes porque queria executar outras despesas para as quais não tinha dinheiro e incorreu numa ilegalidade gravíssima. Um dos pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal é impedir que o ente controlador utilize sua instituição financeira como fonte de recursos para despesas primárias — disse.

O professor de Direito Financeiro José Maurício Conti salientou que a Lei de Responsabilidade Fiscal permitiu um grande avanço em matéria de finanças públicas, obrigando os administradores a manter uma gestão fiscal responsável. Porém, segundo ele, esse avanço começou a retroceder nos últimos anos, especialmente a partir do final de 2012, quando surgiram de forma mais intensa notícias a respeito de “maquiagem” nas contas públicas federais.

Em resposta a uma pergunta do relator, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), ele criticou as práticas de mudanças nas regras de cálculo de superávit, que tiveram o objetivo de garantir resultados fiscais superficialmente melhores. Segundo ele, essa alteração da meta não deveria retroagir:

— Não tenho dúvidas de entender que a meta vigente é a meta vigente na ocasião da abertura dos decretos. Porque a lei autorizou abrir decretos de acordo com a meta. Que meta? A que estava vigente quando foram abertos os decretos. Não vejo como pode ser uma interpretação de forma diferente dessa — avaliou.

Também favorável à tese de que Dilma cometeu crime de responsabilidade, o advogado Fábio Medina Osório sustentou que os senadores são soberanos no processo de impeachment e podem levar em consideração “o conjunto da obra” e a má gestão pública quando justificarem seus votos. O processo em sua opinião tem natureza não só jurídica, mas política também.

— Não basta ser honesto para comandar um país das dimensões do Brasil, tem que ser minimamente eficiente também — defendeu.

Divergências

A reunião desta segunda-feira, presidida pelo senador Raimundo Lira (PMDB-PB), começou às 10h48. Assim como nas sessões anteriores da Comissão do Impeachment, senadores governistas e oposicionistas divergiram sobre o processo. Os primeiros reforçaram que não há sustentação jurídica para o impedimento enquanto que o segundo grupo vê indícios claros de crime de responsabilidade.

O senador José Medeiros (PSD-MT) questionou os expositores se o fato de Dilma só ter quitado as “pedaladas” cometidas em 2014 ao final do ano passado configuraria um “crime permanente” a ser analisado durante o processo de impeachment.

— O fato de ser crime ou não ser crime é o que vai ser decidido ao final, mas, por enquanto, o que existe é uma descrição de fatos que preenchem todos os requisitos para tipificarem as condutas que foram apontadas como crime de responsabilidade. De resto, é uma questão de apurar e verificar se há essa tipificação — respondeu José Maurício Conti.

Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), entretanto, a discussão é resultado de um processo “deturpado”, pois os fatos apontados não constituem crime. Nem houve operações de crédito entre o governo e bancos oficiais nem descumprimento da meta fiscal por conta de abertura de créditos suplementares, afirmou a senadora, ao sustentar que a presidente Dilma está sendo acusada injustamente.

— Então, se alguém está passível de ser condenada sem ter cometido crime, isso é golpe, é uma afronta à nossa legislação — apontou.

Golpe

A palavra golpe incomodou mais uma vez os senadores da oposição. Para  Alvaro Dias (PV-PR), “a base governista ofende os membros do Supremo, a sociedade e a inteligência nacional” ao afirmar que estaria em curso um golpe parlamentar. Ele observou que desde 2013 os técnicos já alertavam que havia problemas na gestão e nos números das contas públicas e que os “esqueletos” acabariam aparecendo. Outros parlamentares como o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) também afirmaram que não faltou aviso ao governo de que a crise iria acontecer.

Mesma opinião manifestou Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Ele ressaltou que os convidados evidenciaram que os crimes de responsabilidade do governo Dilma não ocorrem apenas em 2015, mas se iniciaram em 2013, tendo a característica de delitos continuados.

Mas o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) lembrou que nunca antes o TCU apontou ilegalidades na edição de decretos de abertura de crédito. Se houve mudança da jurisprudência, avaliou, “seus efeitos não podem retroceder”. Também disse que há no país uma tentativa de criminalizar políticas anticíclicas, que implicam expansão do gasto público em momentos de recessão. Sem essa possibilidade, afirmou o senador, o Estado pode eventualmente ser fechado em momentos de crise.

— Sabe o que significaria? Fechamento de escolas, fechamento de universidades, fechamento de agência do INSS. Eles têm uma visão técnica contábil fria, no escritório de ar condicionado deles. O orçamento para nós tem de ser uma peça de justiça social, de combate ao desemprego — argumentou.

Alerta

Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Humberto Costa (PT-PE) observaram que o TCU não fez qualquer alerta ao Executivo sobre as irregularidades identificadas, antes de reprovar as contas do governo.

O procurador do Ministério Público junto Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira disse que que a função do Tribunal não é ser “babá” do governo. Mas o senador Wellington Fagundes (PR-MT) ponderou que se o TCU tem conhecimento de irregularidade, é obrigação dele chamar a atenção do governo:

— O Tribunal de Contas tem que ser, sim, um órgão que possa nos auxiliar, inclusive, aqui, para que talvez o Congresso exerça mais esse papel e não seja omisso no momento em que foi feito o primeiro decreto — apontou,

A senadora Ana Amélia (PP-RS) foi outra a chamar a atenção para a inércia dos órgãos de controle diante de irregularidades praticadas pelo governo.

— Todas as instituições de controle falharam na demora para identificar condutas tão graves e tão vultosas. Esse episódio das contas de 2014 está provocando discussão interna para que falhas sejam identificadas no nascedouro. Quem dera se tivéssemos identificado isso em 2013. O Brasil não estaria tão mal — afirmou em resposta ao procurador.

Contas de 2015

O senador Romário (PSB-RJ) perguntou se o julgamento das contas da presidente é condição para eventual processo de impeachment. O Congresso Nacional ainda não apreciou as contas de 2015, alvo das denúncias de irregularidades do processo de impeachment.

Ao responder Júlio Marcelo explicou que o prévio pronunciamento do TCU não é condição para julgamento de crime de responsabilidade. O parecer do Tribunal, completou, é imprescindível para o julgamento das contas, mesmo assim esse não é vinculante, mas é relevante.

Conjunto da obra

Para o senador Waldemir Moka (PMDB-MS), as explanações de Conti e de Oliveira, explicitam “no mínimo indícios” da prática de crimes de responsabilidade cometidas por Dilma. Outros senadores como Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) consideram que a presidente Dilma Rousseff praticou crime intencional e continuado ao não repassar nas datas corretas os recursos para a equalização dos empréstimos do Plano Safra e de outros programas subvencionados.

Já a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) disse estar cada vez mais convencida de que o pedido de impeachment não se sustenta, pois ninguém conseguiu comprovar, conforme a legislação vigente, que a presidente Dilma Rousseff tenha cometido algum crime de responsabilidade.

— O que se fez aqui foi abrir o leque, considerando-se o chamado conjunto da obra. Mas, para nós, é uma aberração jurídica; uma narrativa que não se sustenta — disse.

Discussão

Quando a sessão já passava da oitava hora de duração, um desentendimento entre os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Lindbergh Farias levou o presidente Raimundo Lira a suspender os trabalhos por alguns minutos. Durante tréplica a Fábio Medina Osório, Caiado citou uma matéria de jornal que, segundo ele, dizia que o governo federal estaria orientando ministros a apagarem dados dos computadores dos ministérios. Lindbergh interrompeu dizendo que se tratava de uma mentira.

Os senadores chegaram a levantar-se dos assentos e bater boca fora dos microfones, o que levou Lira a interromper os trabalhos até que os ânimos se acalmassem, o que levou cerca de dois minutos.

Próxima reunião

Na terça-feira (3), estão agendados depoimentos de especialistas indicados pela bancada governista. Serão ouvidos Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, professor de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; Ricardo Lodi Ribeiro, professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); e Marcello Lavenère, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um dos signatários do pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.