Relatório feito pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) sobre os últimos dias da jornalista Vanessa Ricarte – morta a facadas pelo músico stalker Caio César do Nascimento Pereira – aponta que ela foi perseguida por 21 dias até o feminicídio. Caio está preso desde a época do crime, ocorrido no dia 12 de fevereiro, em Campo Grande.
O relatório foi realizado com base na análise dados telemáticos de Caio, como aparelho celular dele e também da vítima. Os primeiros indícios de perseguição que constam no documento são de que, entre os dias 20 de janeiro a 10 de fevereiro, o músico passou a pedir que Vanessa compartilhasse sua localização com ele.
“Especialmente durante o horário de expediente junto ao Ministério Público do Trabalho, obstando-a, portanto, do seu direito de livre circulação”, diz o texto.
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Além do compartilhamento de localização, Caio acessou e monitorou as contas de e-mail e conteúdos em nuvem, alterando as senhas de Vanessa. Os contatos profissionais e amizades também eram monitorados. Assim, Caio questionava a jornalista, cobrando explicações e exigindo que ela retornasse imediatamente à casa e proferindo ofensas. Depois, pedia perdão e demonstrava arrependimento.
Manipulação e o ciclo da violência doméstica
Com análise, o relatório do Gaeco diz que a postura manipuladora é amplamente conhecida como ciclo da violência. “(fase 1 – evolução da tensão; fase 2 – incidente de agressão; fase 3 – comportamento gentil e amoroso – e tudo se repete)”, diz o relatório.
No dia 23 de janeiro, Caio mandou mensagens enquanto a jornalista estava no trabalho. Na mensagem é possível ver que ele faz ligações para Vanessa e depois reclama de não ter sido atendido. Logo, ele questiona: “Vai ficar em silêncio para sempre?”, e a jornalista responde que está trabalhando.
Em seguida, Caio agradece a vítima por apostar nele, ‘rasga’ elogios à Vanessa e diz que irá melhorar seu comportamento. No dia seguinte, ele exigiu que Vanessa explicasse sobre as sugestões de amizade que apareciam em uma rede social, revelando que a vítima também era monitorada pelas suas mídias sociais.
Não bastassem os pedidos de compartilhamento de localizações, no dia 31 de janeiro, a vítima estava trabalhando em um evento, quando Caio passou a mandar mensagens, áudios e fazer ligações exigindo que ela explicasse sobre o motivo de estar naquele local.
Isso porque ele já estava monitorando a jornalista por um aplicativo de localização. Depois, ela enviou a localização, áudios, imagens e fez chamadas de voz para comprovar que estava trabalhando.
Isolamento social
No dia 5 de fevereiro, o músico também pediu que a jornalista restringisse os temas falados no trabalho e que não usasse a rede de internet do local para se comunicar, justificando que a rede era monitorada. Na ocasião, Caio recomendou que ela evitasse comentários sobre o relacionamento deles, planos pessoais, questões familiares ou viagens, fato que demonstra a tentativa de aumentar o isolamento social da vítima em relação aos colegas de trabalho, segundo o relatório.
O documento do Gaeco, com total de 85 páginas, mostra a maneira como Caio se comportava. Primeiro, insistia no envio de diversas mensagens que depois eram apagadas. Depois, o músico pedia perdão e fazia elogios à jornalista.
“O material probatório fartamente demonstra que Caio César do Nascimento Pereira perseguiu implacavelmente a vítima Vanessa Ricarte, ao menos entre os dias 23 de janeiro e 12 de fevereiro de 2025, monitorando-a por meio de dispositivos eletrônicos e aplicativos localizadores do Iphone, MarcBook AppleWatvh”, concluiu o documento.
O relatório cita ainda que Caio compartilhou imagens de nudez da vítima por meio de um link na conta da rede social dela, como forma de vingança. O link direcionava a um site de conteúdo pornográfico. “Trata-se de exposição da intimidade, com fim de vingança, visando a humilhação pública da vítima”, aponta o documento.
No bloco de notas do aparelho celular de Caio também foram encontradas declarações de cunho pejorativo e degradante direcionadas a Vanessa em relação as fotos. Na época, Vanessa havia dito a uma amiga que as fotos foram tiradas pelo noivo para mostrar os roxos que estavam em seu corpo após um treino de crossfit.
‘Show de horrores’
O relatório cita também que uma testemunha ouvida pela polícia mostrou uma conversa que teve com Vanessa no dia 12 de fevereiro – dia do feminicídio – onde a vítima diz que encontrou forças para ir até a delegacia. Na mensagem, ela disse que viveu um ‘show de horrores’, pois havia sido mantida em cárcere privado pelo músico.
A jornalista também relatou para a testemunha que passou a madrugada na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) para registrar boletim de ocorrência e foi para a casa de uma amiga. Na mensagem, ela diz que os planos eram retornar à delegacia para solicitar a escolta para retirar Caio da residência.
“Fui mantida em cárcere privado ontem, foi assim um festival de horrores…Os últimos cinco seis dias foram de terror”. Em seguida, ela diz que depois, em outra oportunidade, relata toda a história por estar sem psicológico para falar naquele momento.
Debilitada, com olheiras e fome 1 dia antes de ser assassinada
Uma amiga também ouvida na delegacia confirmou os fatos e disse que Vanessa estava debilitada, com olheiras e fome um dia antes do crime.
Naquele dia, Vanessa ficou incomunicável, pois quando os amigos ligavam, seu aparelho celular era atendido por Caio, que dizia que a noiva não queria falar com ninguém. Um amigo disse à polícia que, por sorte, conseguiu conversar com a jornalista por volta das 16h após Caio dormir.
“Ressalte-se que, agora, com a análise conjunta das evidências digitais, destaca-se que o início do mês de fevereiro foi particularmente tormentoso para a vítima, com pressão e vigilância intensas de Caio César Nascimento Pereira, resultando em diversos dias debilitação e sofrimento intensos”.
O relatório mostra dois pontos que merecem ser considerados após a análise telemática. Um deles é que o feminicídio não foi um ato isolado, enquanto o outro ponto é a sinalização de práticas de dominação e manipulação, feitas não apenas com Vanessa.

Logo, o documento relata sobre o relacionamento anterior de Caio, que indica semelhanças no comportamento dele evidenciadas pelas reações de irritação, manifestações de ciúmes e controles excessivos. Ainda, mostra as mensagens apagadas e depois as chamadas de vídeo.
No aparelho celular do acusado, foi encontrada uma foto aparentando ser a ex-companheira de Caio com hematomas no rosto, além de um áudio dela.
Relatório da Deam
O relatório final da Deam aponta as manipulações que Vanessa viveu por parte de Caio. A jornalista não dirigia o próprio carro havia meses, já que Caio estava ‘cuidando’ de sua segurança. “Ele colocou sua vítima em uma bolha de amor e ela começou a se afastar de tudo e de todos. Começou a se abrir menos do seu relacionamento com os amigos e familiares. Vanessa marcou o seu casamento sem contar para ninguém, porque Caio a manipulou”, diz o relatório.
Vanessa chegou a ter de prestar contas de seu dia a dia para Caio, que a controlava como forma de ‘amor’. O músico tinha um esboço da rotina completa da jornalista e ainda a rastreava, para saber onde ela estava.
O músico era quem nos últimos meses respondia às mensagens de Vanessa para os amigos da jornalista. “Ninguém entra em um relacionamento abusivo por vontade própria, pois na maioria das vezes começa aparentando ser o ‘amor da vida’ e muitos questionamentos surgem no sentido de ‘fulana é tão inteligente e bonita aceita estar em um relacionamento assim?’ Justamente porque começa com cara de grande amor. Porém, CAIO NUNCA AMOU VANESSA! Ele fazia com ela uma enxurrada de manipulações”, fala o relatório.

Feminicídio
A jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, servidora pública que trabalhava no MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul) morreu na Santa Casa de Campo Grande na noite do dia 12 de fevereiro, vítima de feminicídio.
Ela foi esfaqueada em casa, no bairro São Francisco, pelo ex-noivo, o músico Caio Nascimento, que foi preso em flagrante logo após o crime. Vanessa foi esfaqueada três vezes na região do tórax e depois levada em estado gravíssimo à Santa Casa, onde veio a óbito.
No dia do crime, o feminicida disfarçou calma e disse que aceitava o fim do relacionamento. Mas o que veio a seguir foram facadas desferidas contra Vanessa.
Vanessa tinha voltado da delegacia, onde foi buscar a medida protetiva contra Caio, que não recebeu a intimação a tempo, quando se deparou com o músico na residência. A jornalista estava na companhia de um amigo, já que havia dispensado, na Deam, o abrigo e a polícia para buscar seus pertences em casa.
Defesa insiste em exames para provar que músico estava sob efeito de drogas
Ainda em fevereiro, a defesa do músico pediu novamente para que exames toxicológicos sejam realizados para identificar que no momento do crime Caio estava sob efeito de drogas.
De acordo com o advogado, Wellington Mendes, “já havíamos feito esse pedido na audiência de custódia, visto que ele ainda se encontrava sob efeito de drogas, agora fizemos ao juiz titular do processo”, disse o advogado.
“Além do que ele é usuário, como amigos e familiares afirmam, inclusive testemunhas do caso”, falou Wellington Mendes. A defesa em seu pedido ainda alegou que: “A medida e sua urgência, se justificam pela capacidade de interferência psíquica do agente, além do risco iminente de perecimento da prova, tendo em vista que substâncias psicoativas, como a cocaína, podem ser eliminadas do organismo, tornando inviável a sua posterior constatação mediante exame toxicológico”.
Músico tinha 11 passagens pela Polícia
Caio acumulava 11 registros por violência doméstica. Os boletins de ocorrência de violência doméstica começaram a ser registrados em 2020.
Em um dos casos, uma ex-namorada foi parar na Santa Casa depois de ser agredida pelo músico. A ex-namorada agredida teve queimaduras no rosto e braços, do que parecia ser fricção no asfalto.
A filha da vítima na época relatou que a mãe foi agredida pelo seu ex-namorado na casa dele e que teria pego um motorista de aplicativo até sua casa, momento em que o ex-namorado chegou pilotando uma motocicleta logo atrás da vítima. Ela, então, ligou para a polícia e o agressor fugiu do local.
📍 Onde buscar ajuda em MS
Em Campo Grande, a Casa da Mulher Brasileira está localizada na Rua Brasília, s/n, no Jardim Imá, 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana.
Além da DEAM, funcionam na Casa da Mulher Brasileira a Defensoria Pública; o Ministério Público; a Vara Judicial de Medidas Protetivas; atendimento social e psicológico; alojamento; espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca; Patrulha Maria da Penha; e Guarda Municipal. É possível ligar para 153.
☎️ Existem ainda dois números para contato: 180, que garante o anonimato de quem liga, e o 190. Importante lembrar que a Central de Atendimento à Mulher – 180, é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil, mas não serve para emergências.
As ligações para o número 180 podem ser feitas por telefone móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive durante os finais de semana e feriados, já que a violência contra a mulher é um problema sério no Brasil.
Já no Promuse, o número de telefone para ligações e mensagens via WhatsApp é o (67) 99180-0542.
📍 Confira a localização das DAMs, no interior, clicando aqui. Elas estão localizadas nos municípios de Aquidauana, Bataguassu, Corumbá, Coxim, Dourados, Fátima do Sul, Jardim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas.
⚠️ Quando a Polícia Civil atua com deszelo, má vontade ou comete erros, é possível denunciar diretamente na Corregedoria da Polícia Civil de MS pelo telefone: (67) 3314-1896 ou no GACEP (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do MPMS, pelos telefones (67) 3316-2836, (67) 3316-2837 e (67) 9321-3931.
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