Em um caso que evidencia a corrupção endêmica no sistema judicial paraguaio, o ex-fiscal antidrogas Hugo Volpe Mazó foi condenado a três anos de prisão por impedir investigação contra o narcotraficante brasileiro Sergio de Arruda Quintiliano Neto, mais conhecido como ‘Minotauro’.
A decisão, proferida pelo Tribunal de Sentença Especializado em Delitos Econômicos e Crime Organizado, teve como base o arquivamento indevido do caso de Minotauro por Volpe, uma ação que efetivamente impediu a persecução penal do criminoso por uma série de delitos, incluindo o tráfico de drogas.
Enquanto Volpe foi considerado culpado e sentenciado, o ex-fiscal Armando Cantero Fassino foi absolvido das acusações de facilitação do contato entre Volpe e o advogado de ‘Minotauro’, em um enredo que envolveu a suposta troca de favores por presentes de luxo.
O Tribunal, após analisar as evidências apresentadas, concluiu que não havia provas suficientes que demonstrassem a intenção de Cantero em influenciar Volpe para beneficiar o narcotraficante.
O caso ganhou notoriedade após a divulgação de interceptações telefônicas realizadas pelas autoridades brasileiras, que revelaram conversas comprometedoras entre a esposa de Minotauro e seu advogado.
Nessas conversas, ficou evidente a compra de canetas Montblanc de alto valor como forma de agradecimento aos fiscais Volpe e Cantero, em troca de um tratamento favorável ao narcotraficante.
Apesar de Volpe ter recusado o presente, o Tribunal entendeu que sua ação em arquivar o caso de Minotauro, mesmo diante de provas contundentes, configurava os crimes pelos quais foi condenado.
Mensagens íntimas ligam promotores ao líder do PCC
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, disse a raposa ao príncipe. O que esse trecho da obra prima da literatura mundial “O Pequeno Príncipe” tem a ver com as relações entre alguns membros da Justiça do Paraguai e um dos líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, sua esposa Maria Alciris Cabral Jara e o advogado Edson Francisco Sanches Benitez? Nada e tudo. Entretanto, nesta analogia não dá para distinguir quem é da nobreza e quem pertence aos canídeos.
Detalhes da denúncia formalizada pelo MPF (Ministério Público Federal) na semana passada contra o ex-procurador antidrogas e ex-vice-ministro de Assuntos Políticos do Paraguai, Hugo Volpe, bem como o promotor Armando Cantero, por recebimento de propina, revelam a existência de ligações extremamente perigosas. Entre lados que deveriam ser totalmente opostos, como o crime organizado e a Justiça, há evidências claras de muita proximidade entre as partes.
Assim como no clássico de Saint Exupéry, os personagens principais acabam cativados um pelo outro. Essa mesma relação está explícita não só nos mimos de ouro, como as canetas Montblanc da série especial “Pequeno Príncipe”, que acompanham um exemplar do livro, com os quais os promotores foram presenteados pelo casal faccionado, mas principalmente nas trocas de mensagens, que estão nos autos da decisão do MPF que a reportagem do Jornal Midiamax teve acesso na época.
Essa estreita conexão entre diferentes partes serviam como uma espécie de novelo de linha, aqui neste caso usada para tirar o próprio Minotauro do labirinto, numa comparação às avessas daquele personagem mitológico que tinha corpo de gente e cabeça de touro.
Entretanto, nessa truncada história, Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, aos olhos diplomáticos de seus interlocutores se apresentava também com um cordeiro.
O objetivo do advogado, e também de Maria Alcíris, era fazer com que todas as acusações contra Sérgio de Arruda, que também usava o nome falso de Celso Mato Espinola, fossem arquivadas. Nesse sentido, as tratativas tiveram início no dia 29 de junho de 2019 e prosseguiram até o dia 30 de julho.
‘Meu querido Doutor’
Ainda de acordo com parte do documento de 74 páginas do MPF, obtido pela reportagem do Midiamax, algumas horas depois, às 22h31, o advogado avisou a Maria Alciris que o promotor Hugo Volpe havia respondido suas mensagens e que a reunião ocorreria no dia seguinte (terça-feira 2 de julho de 2019). A mulher de Minotauro comemorou a notícia e mandou saudações ao agente público, a quem chamou de “meu querido Doutor”.
“No dia 02/07/2019, às 15:24, após reunir-se com Hugo Volpe, Edson entrou em contato com Maria Alciris inicialmente por mensagem e depois através de ligação de áudio. Posteriormente Maria Alciris questionou se Edson já havia encaminhado um determinado e-mail”, observa o MPF nas ponderações sobre o encontro entre as partes, onde também faz referências a uma procuração sobre o processo de identidade falsa.
Ainda segundo a denúncia, o advogado relatou à Maria Alcíris, que foi orientado por Hugo Volpe a entrar em contato por telefone antes de dirigir-se ao seu gabinete, pois o Fiscal nem sempre estava em Assunção. Além disso, disso, o contexto da conversa demonstra que o Fiscal já havia decido pelo arquivamento do processo.
No documento enviado por Edson a Maria Alciris, podemos observar que o mesmo fundamento pedido pelo advogado é utilizado pelo fiscal Hugo Volpe “para arquivar a investigação contra Sergio de Arruda Quintiliano Neto”, explica o MPF. Nesse sentido, fica evidente, mais uma vez a relação de proximidade entre réus, advogado e a Justiça paraguaia, em cumprimento à estratégia adotada pela defesa.
No dia 11 de julho 2019, à 00h19, conforme transcrições de mensagens trocadas entre a mulher de Minotauro e seu advogado, ela informou que havia obtido a assinatura do marido na procuração em que ela e Edson foram nomeados seus defensores. Horas mais tarde, ela informou que iria providenciar o envio do documento via Sedex e ele alertou-a para não se esquecer de também assinar a procuração.
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(Revisão: Bianca Iglesias)