A recente reviravolta no caso do ator Jeff Machado, encontrado morto concretado no Rio de Janeiro, expôs uma discussão sobre a necessidade de encontrar o corpo da vítima para materialização de crimes de homicídio no Brasil. A PF (Polícia Federal) emitiu um alerta internacional na última segunda-feira (5) contra o principal suspeito.

Em Mato Grosso do Sul, o ‘caso Grazi’ – que até hoje não teve o corpo localizado – é um dos exemplos do Estado em que o réu foi absolvido por não confessar o crime e nem terem achado os restos mortais da vítima. Durante julgamento, ocorrido em fevereiro de 2022, Rômulo Rodrigues foi absolvido após a defesa alegar que Graziela Pinheiro estaria viva.

Segundo explicado pelo advogado, professor de Direito e ex-vice-presidente da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul) Oton Nasser, a frase “o corpo fala” é comumente usada durante as investigações de homicídio, aulas do curso de Direito e entre legistas. “Quando uma pessoa falece, o corpo é levado para o IML para apurar a causa da morte. Em caso em que não temos o corpo para demonstrar quem cometeu o crime, como aconteceu nesses casos, temos as provas documentais e testemunhais”, afirma.

Ainda segundo ele, é por esse motivo que os laudos necroscópicos são feitos na prova material, ou seja, no cadáver, e não no local do crime. “Então, se a pessoa foi sufocada, envenenada, ferida por arma de fogo, quantos tiros ela levou, se foram dados a queima-roupa, ou então facadas, se a faca tinha 10 ou 20 centímetros, tudo isso pode ser respondido por meio da análise do corpo do morto”, explica o professor.

O advogado criminalista Lucas Yahn explica que, em casos de homicídios, é importante que haja a produção de provas que ajudem a solucionar o caso e identificar o autor através de exames e perícia. “Trata-se de um procedimento em que não serve apenas para constatar a causa da morte, mas sim, buscar através da medicina legal, trazer a verdade dos fatos, sendo de extrema importância dentro da persecução penal”, afirma.

Ainda segundo Yahn, os exames são uma forma de prestar assistência às famílias das vítimas sobre a morte de seu ente querido. “Através dessa perícia serão determinados quatro fatores: a identificação do cadáver; a determinação da data e hora aproximada do óbito; determinar a causa da morte; e colher informações que colaborem no estabelecimento da causa morte”, explica.

‘Ausência do corpo não é certeza de vida’, diz perita

A perita criminal Thayla Venâncio explica que a ausência do corpo não pode ser sinônimo de certeza de vida. Entretanto, a ausência deve ser suprida com outros vestígios e provas materiais que possam indicar a morte. “A ausência do corpo da vítima, que é um vestígio que pode revelar a dinâmica dos fatos e até mesmo a autoria, dificulta a confecção de uma conclusão. Porém, não deve ser item impeditivo para acusação de um homicídio ou feminicídio”, afirma.

Também em relação aos casos Grazi e Jeff, a perita explica que as duas investigações começaram como desaparecimento. “No caso de ocorrências a princípio tratadas como desaparecimento, a tentativa é de levantar vestígios que ajudem a indicar a localização da vítima, ou ainda que possam direcionar a uma possível morte”, explica.

Thayla detalha que outras provas materiais podem ser usadas nesse tipo de investigação, como vestígios biológicos e grande volume de sangue. Foi o caso dos exames de luminol, no GPS e no histórico de pesquisa, feitos pela DEH (Delegacia Especializada em Homicídios) da Capital, responsável pela investigação do homicídio de Graziela. Segundo a investigação, Rômulo teria pesquisado como amputar membros, dias antes do crime.

Rômulo pesquisou como amputar membros. (Foto: Reprodução/ Processo)

Absolvido

Durante o debate ocorrido no Tribunal do Júri em que Rômulo foi julgado, a defesa, feita pelo advogado Tiago Sirahata, apresentou supostas movimentações bancárias em nome da vítima, após a data em que teria ocorrido a morte dela. Transações teriam sido feitas em uma agência em Ladário e o extrato chegou para o advogado no dia 4 de fevereiro de 2022.

A defesa apresentou as movimentações e alegou que o fato não foi investigado, que não teve acesso às câmeras do banco para saber quem teria usado cartões de Graziela. As transações são datadas de julho de 2020, três meses após a data em que a vítima teria sido assassinada na casa de Rômulo.

Durante o depoimento, Rômulo disse que os dois só moravam na mesma casa, e que a relação era mais de amizade, já que Graziela teria dito a ele que não queria manter relação amorosa e que ela iria embora. Ele ainda contou que vários homens já teriam ido atrás de Graziela e que ela recebia muitas ameaças, o que a deixava preocupada.

GPS do celular de Rômulo foi calculado pela polícia. (Foto: Reprodução/ Processo)

Ele também relatou que tinha medo e que acredita que Graziela estava envolvida na morte do primeiro marido dela, Renato Sérgio Coffers, em 2016, na cidade de Três Lagoas. Rômulo ainda falou que na sexta, sábado e domingo, dias antes de seu desaparecimento, os dois não brigaram. Rômulo também negou que estaria seguindo Graziela até um motel para descobrir uma traição da esposa. Para justificar a localização de seu GPS, falou que passou pelo endereço — onde existem vários motéis — por ser caminho para balneário.

Rômulo ainda disse achar correr risco de vida devido às ameaças que Graziela recebia e que teriam ligação com a morte do primeiro marido dela. Ele ainda alegou que as manchas de sangue encontradas no carro teriam sido de um machucado no tornozelo de Grazi, que havia batido a perna em uma peça de mármore no serviço.

Daniel Soller chegou a ficar preso pelo assassinato de Sérgio, sendo solto em 2017. Em testemunho durante o juri, ele contou que após a sua saída da prisão, chegou a contratar um detetive particular para encontrar Grazi e provar a sua inocência, já que ele acreditava que ela estava ‘desaparecida’. Ele disse ainda que no dia da morte do ex-marido, ela se mostrou fria e não avisou a família de Renato Sérgio Coffers que ele foi morto a tiros.

A irmã de Rômulo também testemunhou nesta manhã de sexta (11), e segundo ela, várias pessoas estavam atrás de Graziela por dívida de dinheiro e que já teria, inclusive, a casa invadida por homens que estavam atrás de Grazi. Segundo a irmã de Rômulo, os homens teriam dito que Graziela tinha sumido com dinheiro deles.

Braços e costas roxas

Amigas de Grazi também foram ouvidas durante o julgamento, e disseram que ela nunca faltava ao curso, pois o sonho dela era prestar concurso para entrar na Santa Casa, já que almejava estabilidade financeira. Elas relataram ainda durante o testemunho, que a única vez que Grazi faltou foi quando ela acabou ficando doente ao pegar dengue.

Ainda foi dito que, em algumas ocasiões, elas perceberam roxos nos braços e nas costas de Graziela que sempre desconversava e nada dizia sobre os hematomas. Foi perguntado pela defesa durante o julgamento se o curso feito pelo casal tinha aulas de órtese, amputação, o que foi negado.

O caso Grazi

Conforme denúncia do Ministério Público Estadual, o crime ocorreu no dia 5 de abril de 2020. Rômulo e Graziela estavam juntos desde 2017, mas o relacionamento era abusivo e a mulher não conseguia se livrar. O acusado promovia ameaças e dizia que iria se matar caso se separassem. Conforme testemunhas, ele era uma pessoa ciumenta, agressiva e já havia batido na vítima em outras oportunidades.

O caso veio à tona quando no dia 6 de abril amigas aguardavam Graziela para uma reunião em que ela não compareceu. O fato causou estranheza e as testemunhas acionaram Rômulo. Por sua vez, ele alegou que ela teria ido embora para o Paraná e em seguida disse que a vítima se assumiu homossexual e foi morar com outra mulher, por isso estava sumida. Tais alegações provocaram desconfiança e o caso foi levado a conhecimento da polícia.

Durante as investigações, Rômulo foi ouvido pela autoridade policial e relatou que Graziela teria ido morar no estado do Paraná, pois teria assumido um relacionamento homossexual, bem como afirmou que, no dia 6 de abril, entregou na marmoraria onde trabalhavam o uniforme e as chaves da vítima ao proprietário do estabelecimento comercial, alegando que a vítima havia lhe pedido para ir até o local comunicar que ela não iria mais trabalhar.

A versão apresentada pelo réu se mostrou fantasiosa na medida em que a prova pericial realizada no veículo e na residência do casal, além de vários depoimentos colhidos durante a fase investigativa, demonstraram inúmeras contradições apresentadas por ele e seu propósito de ocultar o feminicídio por ele cometido.

Foi realizada perícia numa edícula no fundo do terreno onde residiam autor e vítima, ocasião em que, quando submetido o local ao reagente luminol, foram encontrados vestígios de sangue. Outra perícia constatou a presença de sangue no teto do veículo na parte traseira lado esquerdo e no encosto do banco traseiro lado direito comprovando que o sangue era da vítima. Diante de tais evidências, Rômulo foi pronunciado e foi a júri popular por feminicídio e ocultação de cadáver.