Que o Conselho Tutelar é o órgão que cuida e fiscaliza os diretos da criança isso todo mundo sabe, mas como é o trabalho e a realidade do órgão em Campo Grande? O Jornal Midiamax acompanhou um dia de trabalho nas unidades que abrangem bairros da região norte e sul da cidade. Campo Grande possui cinco Conselhos Tutelares, porém, conforme o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), a recomendação é um Conselho para cada 100 mil habitantes, ou seja, a Capital deveria ter o dobro de unidades.

Em cada Conselho há cinco conselheiros, além de toda equipe administrativa e psicossocial. O trabalho deles vai além de garantir os direitos das crianças e adolescentes que são vítimas de algum crime como maus-tratos, estupro ou abandono, conforme explicou o conselheiro Sérgio Luiz Barbosa Junior, que atua há 3 anos no Conselho Tutelar Norte. Segundo ele, o Conselho cuida também da fiscalização sobre a violação de direitos de segurança, saúde pública, pré-natal e também sobre um dos maiores problemas que é a evasão escolar.

Sérgio atua no Conselho Tutelar Norte há 3 anos (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Ainda segundo Sérgio, quando é constatado uma violação de direito grave, o Conselho Tutelar envia uma equipe técnica até o endereço da criança, para conversa com os pais, onde é feito a orientação, e direcionamento aos órgãos competentes quando necessário, ainda há o auxilio na busca pelo emprego para adolescentes, menor aprendiz. Quando há necessidade de uma medida de proteção a ser aplicada, o conselheiro vai até o local, e caso a situação persista, os pais são notificados pelo Conselho Tutelar e se ainda assim nada mudar, o caso é levado ao Ministério Público, órgão que decidirá se a criança deve ser retirada do lar e acolhida ou não.

“O Conselho não está aqui para tirar filho de ninguém, nós queremos resolver a situação, porém se no local é constatado crime de abuso, maus-tratos, se há o flagrante, nós informamos o MP e já retiramos a criança do local na hora. A advertência, o maior poder é o acolhimento em caso de suspeita de violência, abuso”, explicou.

As situações constam no art. 136 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) no parágrafo único: “Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família”.

Já a conselheira tutelar Raquel Lázaro, do Conselho Sul, explica que, por vezes, os Conselhos são vistos como órgãos punitivos pela maioria da população. Entretanto, ela relata que um dos principais esforços dos conselheiros é levar conhecimento de direitos aos moradores.

“O Conselho Tutelar tenta entrar dentro da realidade familiar no intuito de ajudar, porque tem muita gente que não sabe dos seus direitos. Têm pais que acham que ainda podem educar dando ‘surra’, que podem deixar os filhos ajoelhados no sol ou no milho como castigo, e não sabem da atualização da legislação, que isso configura crime de maus-tratos”, afirma Raquel.

Foto: Kisie Ainoã – Jornal Midiamax

As demandas do Conselho Norte e Sul são grandes e possuem muitas denúncias. Segundo informou um dos conselheiros, há apenas um carro para fazer todo atendimento dessas duas áreas. “Ainda precisamos classificar casos graves que chegam ao mesmo tempo e decidir o que é pior para poder atender primeiro”.

Outro problema enfrentado pelo Conselho é a falta de comunicação entre a rede de apoio, como, por exemplo, em um caso recente em que uma adolescente de 17 anos teve um bebê no hospital e o hospital não informou a situação. Cerca de um mês depois quando conselheiros foram até uma escola descobriram que a adolescente estava ‘evadida’ porque estava grávida e teve o bebê, sendo que toda a situação ocorreu por estupro. O caso não foi informado antes nem pela escola, nem pelo hospital em que a adolescente realizou o parto.

Bairros em vulnerabilidade exigem mais do Conselho Tutelar

Já no Conselho Sul, a conselheira explica que a região abrange bairros em que, historicamente, vivem moradores em situações de maior vulnerabilidade socioeconômica. Entre eles estão Aero Rancho, Los Angeles, Dom Antônio Barbosa, Jardim Canguru e Centro Oeste, além da Favela Só Por Deus e da Invasão do Samambaia.

O atendimento dos conselheiros pode perdurar por horas, como aconteceu com Sérgio em um caso de abuso contra uma menina, ele realizou o atendimento descentralizado, a levou à delegacia para passar por depoimento. “É o Conselho que faz todo esse trabalho. A gente não tem hora. Se eu estou em casa e outro colega está de plantão, eu fico sempre atento, pois ele pode precisar de ajuda”, explicou.

Ainda sobre as várias funções do Conselho Tutelar, na questão de emprego, o órgão age no intuito de ajudar o adolescente a ingressar no mercado de trabalho. Com 13 anos ele pode iniciar como Menor Aprendiz, há ainda vários programas de estágio, além dos diversos programas de cursos profissionalizantes.

“O que não pode é o adolescente trabalhar à noite como garçom, por exemplo, ali ele está exposto a bebidas alcoólicas, ou como ajudante de pedreiro por conta do peso. O grande problema é que quando a denúncia é feita o crime já aconteceu. Não tem como prever”.

Quando chamar o Conselho Tutelar?

A conselheira tutelar Raquel, da região Sul, explica que é importante que a população tenha consciência de quando acionar o Conselho e quando acionar a Polícia Militar, nas diferentes situações envolvendo menores de idade.

“Sempre se tratando de crime, as pessoas devem acionar a PM. Por exemplo, se a criança está dentro de um apartamento, trancada, pedindo socorro, e os pais não estão lá, é considerado crime de abandono de incapaz. Se o vizinho escutou e quer denunciar, é a polícia que deve ser acionada”, explica Raquel.

A conselheira ainda detalha que, em situações como essas, o Conselho Tutelar pode ser acionado posteriormente pela própria polícia. “A PM vai até o local, encaminha para a delegacia e, se for necessário, o próprio delegado vai acionar o Conselho. Se por acaso os policiais chegaram no local indicado e constataram uma situação de crime entre adultos e a criança está inserida nesse ambiente, a polícia pode acionar o Conselho”, explica.

Já em situações em que a criança relatou violências dias ou meses após ter ocorrido, como no caso de alunos que contam sobre abusos na escola, a família pode ser notificada pelo Conselho para prestar esclarecimentos sobre a denúncia. “A partir daí nós entramos com as medidas de proteção, que incluem acompanhamento com assistente social, psicólogo, se necessário médicos e até a Defensoria Pública, se for o caso de passar a guarda da criança”, detalha Raquel.

Conforme dados do sistema integrado dos conselheiros, utilizado para realização das atividades internas, desde o início da atual gestão – em 10 de janeiro de 2020 – já foram 13.271 atuações, segundo o Relatório por Direito Violado em toda Capital. Os tipos de atendimentos são divididos em convivência familiar comunitária (7.578 atendimentos), saúde (1.074), violências (2.973) e escolar (1.571).

As escolas, hospitais e a população em geral são a rede de apoio e que deve denunciar toda violação de direito da criança e do adolescente. As denúncias podem ser feitas pelo Disk 100, diretamente nos Conselhos – no caso do Norte pelo email ctnortecgms@yahoo.com.br ou pessoalmente no endereço Rua São João Bosco, 49, no Bairro Monte Castelo, ou ainda pelo telefone 3314-4482.

Já no Conselho Sul, o telefone para contato é o 3314-6370 e, para os plantões, (67) 99941-2195. A sede está localizada na Rua Avenida Arquiteto Vila Nova Artigas, sem número, no Bairro Aero Rancho.