‘O que define estupro é o NÃO’: Entenda quando o crime é tipificado
“Uma relação sexual pode começar consentida e evoluir para um estupro”, explica a delegada adjunta da Deam
Mirian Machado –
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Não parece, mas muitas pessoas ainda não sabem quando ocorre o crime de estupro e acham que existe apenas um tipo e uma prova, que seria o laudo de corpo de delito. Mas, e quando ele atesta negativo para conjunção carnal? Ou afirma que não houve violência? Isso não significa que o crime não ocorreu.
Há vários tipos de estupro e várias formas de ser cometido, mas, em geral, o que define o crime é o ‘NÃO‘.
A delegada adjunta da Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher), Maíra Pacheco Machado, explica que muita gente ainda tem dúvidas e quando não são vítimas acabam julgando casos. “Os crimes hoje contra a dignidade sexual tiveram um avanço de décadas para cá, em razão da igualdade de gênero e emponderamento da mulher, por exemplo, o estupro veio mudando de conceito, antes ficava no capítulo do código penal em crimes contra a honra, hoje não mais, hoje é contra a dignidade sexual”, explicou. Confira a entrevista em VÍDEO no fim da reportagem.
Conforme relembrou Maíra, antigamente só a mulher ‘poderia’ ser estuprada, já hoje existem casos em que homens são vítimas também. “Naquela época, por conta do machismo e patriarcado, só mulher ‘honesta’, aquela que em tese era virgem, poderia ser estuprada. A mulher que não fosse mais virgem não era violentada”, lembrou.
Mas o que é o crime de estupro? É o crime contra a dignidade sexual cometido sob ameaça, violência, conjunção carnal ou ato libidinoso. E não, hoje o crime de estupro, não necessariamente, exige conjunção carnal, ele pode ser um toque ou até mesmo um beijo.
O crime
O que define o estupro é o não. Para se ter uma ideia, uma relação sexual pode começar consentida e terminar em um estupro. Pode ser que a vítima aceitou ter relação sexual, mas não gostou, ou por algum motivo não quis mais. “Se a partir daquele momento o autor ou autora forçar é um estupro. O NÃO é a situação que impede que alguém prossiga um ato libidinoso ou conjunção carnal”, detalhou a delegada.
Atualmente, o crime de estupro tem uma pena básica de 6 a 10 anos e a própria lei afirma que não é apenas conjunção carnal e sim a prática de atos libidinosos.
Ocorre que atos libidinosos geralmente não deixam vestígios e uma relação sexual pode ou não deixar marcas também. Em pessoas com a vida sexual ativa, por exemplo, e foi vítima de estupro, se o crime não foi cometido com violência dificilmente haverá vestígios. Pode ser que o laudo médico conteste que houve no máximo uma relação sexual recente, mas também não significa que o crime não aconteceu, porque a pessoa não consentiu com aquela relação.
“Não significa que o resultado do laudo médico não provou conjunção carnal, que não é estupro, porque o ato libidinoso, muitas vezes, acontece em um ambiente entre quatro paredes, nós só temos a palavra da vítima, porque são atos que não deixam vestígio e isso muitas das vezes acontece no estupro de vulnerável”, detalhou a delegada.
Estupro de vulnerável
Há três situações para o crime de estupro de vulnerável, um deles é contra menor de 14 anos, que nesse caso é estupro de vulnerável qualquer ato libidinoso, independente do sexo da vítima. “O menor ele é muito mais vulnerável. Esses toques acontecem com muito mais frequência porque ele não sabe ainda se proteger”, afirma.
Acontecem contra pessoas com algum tipo de deficiência cognitiva, ou também com aquela pessoa que não pode oferecer resistência, como, por exemplo, uma pessoa sob efeito de medicação e que fica desacordada, sob efeito de álcool ou outra substância e não consegue se defender.
“A relação sexual em si ela precisa ser consentida, para ela ser consentida a gente precisa ter uma coisa chamada vontade, ou seja, eu não tenho vontade quando estou sob efeito de medicação forte, não tenho vontade livre estando embriagada e eu não tenho vontade quando sou menor de 14 anos”, definiu.
Estupro virtual
A delegada ainda explicou que há um projeto de lei sobre o estupro virtual, esse mais do que nunca é muito moderno. “Nesse momento está acontecendo”, lamenta. O crime modernizado tem uma certa dificuldade de conseguir provar, porém, existe a possibilidade. Nesse não há conjunção carnal, nem de certa forma há um toque.
Como o crime ainda é um projeto de lei, segundo Maíra, a jurisprudência deu um exemplo para o crime. “Um autor, através de um perfil na rede social, conheceu uma vítima e ali tirou fotos íntimas dela e ela entregou. A partir daquele momento que ele está de posse das fotos, passou a ameaçá-la da seguinte forma: ‘Ou você se masturba na minha frente ou eu divulgo as suas fotos’”.
Onde está o crime de estupro nesse exemplo? O crime é configurado a partir do momento em que ele a ameaça de divulgar as fotos e a obriga através de ameaça a praticar o ato libidinoso, mesmo sendo ela praticando. “É como se ele realmente estivesse ali presente, obrigando aquela pessoa a fazer isso. Esse é o estupro virtual, que provavelmente vai ser tipificado, já existe jurisprudência para isso e vai finalizar. Realmente não precisamos de uma conjunção carnal hoje em dia”.
Ato libidinoso é um toque, dependendo, o encostar, trazer o corpo contra a pessoa, a passada de mão, desde que haja o ‘não’.
Inquérito policial e laudo
Sobre as provas para comprovar o estupro, o depoimento da vítima tem um peso absurdo, isso porque o crime é cometido ‘entre quatro paredes’, ou seja, é a palavra da vítima contra a do autor, porém as investigações, inquérito policial e ação penal não se baseiam em apenas uma prova, como o laudo do exame de corpo de delito, por exemplo.
Como vimos, o laudo pode não comprovar conjunção carnal, fissura ou lesão, mas outras provas técnicas, se foi cometido em um veículo, o veículo faz parte, um aparelho celular pode conter mensagens incriminatórias, com o GPS dá para saber a trajetória, câmeras de segurança ajudam e muito, como a prisão do ‘Maníaco do Parque das Nações Indígenas. “As câmeras nos deram toda aquela prova. Então o laudo é apenas uma das provas”, lembra a delegada.
Há ainda o material genético do autor encontrado na vítima ou vestes e é feito confronto.
“Há ainda sexo oral, sexo anal. Sexo oral, por exemplo, deixa vestígio onde? Único vestígio é se ele ejacular e a vítima não escovar os dentes, não beber água, olha que transtorno para vítima. É muito difícil, porque a primeira coisa que ela quer fazer é tomar um banho, porque ela se sente suja. Aí a gente perde o material genético”, lamenta.
Outro crime infelizmente bastante comum e pouco registrado é o estupro no casamento, isso porque quando ocorre o registro, na maioria das vezes, é quando está em fase de separação.
Como exemplo de ato libidinoso tipificado como estupro, é possível citar um caso que foi registrado na Deam em que uma menina que estava saindo do banheiro do shopping e um homem deixou a mão todinha na parte íntima dela e até machucou porque ele forçou muito. “Ela contou para o segurança, segurança prendeu, parou aqui. É estupro”, disse.
A diferença do ato libidinoso para a importunação sexual é bem pouca e ocorre devido à ‘gravidade’. A importunação seria uma coisa mais rápida, uma passada de mão, por exemplo. Já nesse caso ele encostou nas partes íntimas a ponto, inclusive, de machucar, então é estupro.
“Somos julgadas por todos, pela roupa que usamos, pela forma que estamos, como nos colocamos no lugar, eu faço sempre essa comparação. O que é um homem entrando em um carro de aplicativo as três horas da manhã e o que é uma mulher entrando no carro as 3h? Eu tenho que me preocupar se eu vou sentar atrás do motorista, se vou compartilhar a corrida, com quem eu vou entrar, falando e ficar o tempo todo em estado de defesa para saber se ele não vai trancar a porta ou desviar o caminho. O homem não, ele pode estar bêbado que vai chegar em casa e ele sabe disso”, conta.
A Deam fica na Casa da Mulher Brasileira, na Rua Brasília, lote A, quadra 2, no Jardim Imá. Telefone: (67) 2020-1300.
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