#CG123: Sequestro já foi crime recorrente em Campo Grande e quem trabalhou nos casos relembra histórias
Em meados de 2000, a Capital também registrou 33 assaltos a bancos em um ano
Renata Portela –
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Crime já quase ‘extinto’ em Campo Grande, a extorsão mediante sequestro teve casos marcantes nos anos 90 e quem esteve à frente das investigações relembra histórias. Entre os mais lembrados estão o sequestro de um empresário dono de supermercado na Capital, caso que terminou com a vítima, um delegado e os dois sequestradores baleados.
A reportagem do Midiamax conversou com duas pessoas que estiveram nessa mesma ocorrência, o delegado aposentado André Pacheco, que acabou ferido com um tiro na clavícula, e o policial civil Antônio Bianco Neto, que depois participou da prisão dos dois sequestradores.
Pacheco na época era delegado do Garras (Delegacia Especializada em Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros) e lembra que, naquele dia, estava em casa dormindo quando sentiu um calafrio e sentiu uma nuvem preta em cima dele. “Acordei, rezei e voltei a deitar. Então tocou o telefone e era a chamada de um sequestro do dono de um mercado”, contou.
O delegado foi ao Garras, onde estava de plantão Bianco. As equipes se inteiraram dos fatos e faltava apenas a entrega do valor em dinheiro aos sequestradores, em um local combinado, na saída para Terenos. Os policiais foram em três veículos, sendo que a equipe de Bianco ficou mais à frente do local indicado, o delegado André Pacheco e um investigador fariam a entrega do dinheiro e outra equipe ficou um pouco atrás.
Assim, Pacheco e o investigador desceram, rastejaram pelo matagal e deixaram o envelope com o dinheiro no local indicado, uma placa de sinalização. Os sequestradores, que estavam com a vítima rendida, pegaram o dinheiro e o delegado percebeu quando eles já atravessavam a rodovia, indo embora.
“Falei para o Batista – policial que o acompanhava – Vamos?”, contou o delegado, já que se não fossem atrás dos sequestradores os perderiam de vista. Assim, foram atrás dos suspeitos e fizeram a abordagem, quando aconteceu o tiroteio. “Foram 34 disparos. Os dois bandidos baleados, o dono do mercado e eu”, disse
Um dos assaltantes ferido com um tiro na barriga e outro nas costas, enquanto Pacheco levou um tiro que quebrou a clavícula e o empresário ferido com um tiro na barriga. “Só escutei o estampido”, lembrou Bianco. Quando chegou ao local, encontrou Pacheco já baleado no ombro, segurando a vítima que também estava ferida.
“A vítima perdeu o sapato e queria o sapato de tudo que é jeito”, lembrou o policial, que contou ainda como tentava colocar o homem dentro do veículo para ser levado ao hospital, enquanto ele perguntava pelo sapato. “E ele pegou o sapato”, disse. As equipes seguiram em buscas pelos suspeitos, que mesmo baleados conseguiram fugir.
Eles acabaram presos em uma casa. Pacheco lembra que, na época, chegou a ser julgado pela forma como agiu e pessoas disseram que ele teria se precipitado. “Puxamos no outro dia e eles tinham acabado de cometer o mesmo crime em Cuiabá e mataram o empresário. Não iam liberar a vítima, iam executar”, contou. Na ocasião, o delegado em Cuiabá também acabou ferido a tiro pelos suspeitos.
Criação do Garras e crimes comuns na época
Ao Midiamax, o delegado Pacheco contou que ingressou na carreira em 1984, na primeira turma de delegados concursados da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul. Após trabalhar no interior, ele foi chamado para compor o grupo que fundaria o Garras, uma delegacia especializada nos crimes de assalto a banco e extorsão mediante sequestro.
Em 13 de dezembro de 1990 foi publicada a portaria que deu origem ao grupo. Pacheco lembra ainda do êxito no trabalho, nos primeiros sequestros, com todos os casos solucionados, sequestradores presos e o dinheiro recuperado. Depois da sua saída, vieram os roubos a bancos em todo o Estado, crimes que o Garras também atua e dá apoio mesmo nas cidades do interior.
Bianco lembra que, de 1999 a 2000, foram 33 assaltos a bancos em Campo Grande, todos solucionados pela delegacia especializada. Em agosto de 1991, Pacheco e Bianco – então pela Defurv (Delegacia Especializada de Furtos e Roubos de Veículos) – também atuaram no caso do sequestro de Wagner Canhedo Filho, filho do dono da VASP. Três autores do crime foram presos em Campo Grande após troca de tiros, depois transferidos para Brasília.
Se infiltrou em quadrilha e impediu sequestro de médico
Outro caso marcante lembrado por Bianco foi uma tentativa de sequestro a um médico de Campo Grande, em meados de 1994. O médico em questão era Nelsinho Trad, que na época ainda não era político. Naquela investigação, o policial acabou se infiltrando na quadrilha, comandada por um militar do Exército, e impediu o sequestro.
Na época, a Polícia Civil recebeu a informação de um suspeito que contatou um rapaz para fazer um levantamento, para um ‘serviço’. Este rapaz tinha um conhecido no meio policial e confidenciou o fato. “Eu tinha recentemente entrado na polícia, não era conhecido de rosto. Ele passou a informação e disse que a gente ia participar”, contou.
“Entrei na quadrilha para observar como funcionava”, relatou Bianco. As reuniões aconteciam semanalmente, na região das Moreninhas. “Foram quase dois meses pra saber o que ele queria fazer e ele não contava para ninguém”, disse. O suspeito então exigiu uma ambulância e, em contato com um deputado na época que era também dono de empresa que tinha ambulâncias, a polícia conseguiu um veículo.
Bianco lembrou que em uma dessas ocasiões ele levou o suspeito até a região da antiga rodoviária na ambulância. O acusado saiu enfaixado, com ataduras, e disse para Bianco dirigir por aquela região central da cidade. O suspeito então mandou que ele parasse com a ambulância, desceu e foi ao consultório médico, onde marcou a consulta.
Foi então que a polícia identificou que a vítima era o médico. A consulta estava marcada para o dia seguinte, mas quando o suspeito chegou, encontrou no consultório apenas policiais. Sem saber, ele entrou na recepção, onde estavam a delegada Sidnéia Tobias e outros policiais que se passavam por pacientes.
Assim que entrou no consultório e tentou anunciar o sequestro, o homem foi surpreendido pelo delegado Jairo Mendes, que deu a voz de prisão. “Ele foi preso e não acreditou no que estava acontecendo”, contou Bianco.
O que mudou com o passar dos anos
Hoje aposentado e atuante no Sinpol-MS (Sindicato dos Policiais Civis de Mato Grosso do Sul) como vice-presidente, Bianco diz: “Hoje tem muita dificuldade com pessoas. Delegacias no interior estão no limite, não tem gente suficiente para cuidar”. O problema com o efetivo acaba tirando a polícia das ruas, o que para ele era algo mais comum antigamente.
“Antes não tínhamos os equipamentos com tecnologias, mas fazíamos com outro tipo de abordagem. Era mais presente na rua, hoje não temos mais condições para isso”. Segundo Bianco, isso se deve à falta de efetivo policial. “Hoje a inteligência é primordial, mas ainda temos os problemas das leis, que favorecem demais”, pontuou.
Crimes que Bianco lembra terem aumentado são os de violência doméstica e também aqueles comandados pelas facções criminosas, principalmente de dentro dos presídios. “O atendimento ao público está ruim. Ouvimos muito isso”, lamentou o delegado André Pacheco. “A pessoa vai fazer um boletim de ocorrência e a gente vê que está travado, tem um ‘empurra-empurra’ de serviço”, disse.
“O segredo para mim é não deixar jamais que o profissional de polícia vire um funcionário público, a partir do momento que pensar só no seu horário, fim de semana, isso aí vai virar um problema. Se encarar apenas como um emprego, já era”, afirmou ainda. “Policial vocacionado é movido por paixão, desafio, não pensa nem em ganhar salário exorbitante. Quer esclarecer o crime e prender, é uma paixão”, finalizou.
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