#Retrospectiva2020: MS teve mais de um caso de abuso infantil por dia em 2020
Confira casos de abuso contra crianças e adolescentes que mais chocaram os sul-mato-grossenses em 2020.
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Menina de 13 anos estuprada pelo avô e irmão, mãe e padrasto investigados por abuso sexual de adolescente com deficiência intelectual, professor de educação física da Rede Estadual preso em operação por assistir vídeos de pornografia infantil, e pai que estuprou filha durante 13 anos e a engravidou. Esses são alguns dos 601 casos de abuso sexual infantil, segundo dados da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) do dia 1º de janeiro ao dia 20 de dezembro deste ano. Por trás dos crimes existem outros problemas sociais envolvendo famílias de todo o Estado, como consumo de bebida alcoólica, uso de drogas e distúrbios psiquiátricos graves.
Os dados da Sejusp incluem 166 casos de pedofilia, dois de exploração sexual, 220 de corrupção de menor e 213 de abandono de incapaz. Isso sem contar os 1566 casos de estupro, que englobam mulheres e crianças. Todos esses números são registrados em delegacias, incluindo a Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) e a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher).
Contudo, segundo o psiquiatra José Alaíde dos Santos Lopes, apenas 10% dos casos são registrados e viram boletins de ocorrência. Um dos motivos para a subnotificação é que a maioria dos casos ocorre entre membros da mesma família. “As crianças têm medo, não se sentem protegidas porque muitos casos são entre pessoas conhecidas, como pais, padrastos, mães, tios, primos e irmãos”, afirma.
Ainda sobre os dados, o psiquiatra estima que 90% dos casos de violência sexual infantil são mais frequentes em crianças do sexo feminino, e 40% deles na faixa etária de 10 a 14 anos. “Precisamos entender que o termo “abuso sexual” significa violência sexual com crianças que não têm condições de consentir ou não, pois não são capazes de reagir, do ponto de vista mental, e também do físico, porque não têm forças. Abaixo de 14 anos, se eventualmente for alegado consentimento, também significa crime”, explica.
Foi o que aconteceu em agosto deste ano em Dourados, na Aldeia Indígena Bororó. Uma adolescente de 12 anos foi estuprada ao ser deixada com jovem de 17. Após denúncias, policiais prenderam a mãe e o padrasto em flagrante. Ao ser questionada, a genitora respondeu que “eles estavam casados”. O rapaz também foi autuado por ato infracional de estupro de vulnerável, conforme prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Operação Deep Caught
Durante o ano de 2020 foram realizadas três fases da Operação Deep Caught, da Depca, que investigou e prendeu 15 autores de crimes relacionados a pornografia e abuso sexual infantil. A primeira fase ocorreu em maio, a segunda em agosto, seguida da terceira, em outubro. Dentre os presos, chamou atenção dos campo-grandenses um conhecido músico e professor de educação física, que atuava em escolas da SED (Secretaria Estadual de Educação).
Preso durante a segunda fase da operação, ele chegou a ficar afastado por 90 dias de suas atividades e a responder um processo administrativo na instituição, mas no último dia 14 foi remanejado para integrar a equipe do Caed (Centro de Apoio Educacional da SED). Em depoimento, ele disse fazer tratamento há oito anos. Outro professor, de matemática, também preso na operação, confessou aos policiais que há 10 anos praticava o crime de assistir e divulgar conteúdos com pornografia infantil. Ele dava aulas em um colégio particular da Capital.
Para Alaíde, chama a atenção o grau de escolaridade dos alvos da operação – que ainda teve, ao longo das três fases, advogados, empresários, estudante de universidade e funcionário público. “Nesses casos, os abusadores têm alto nível cultural, são bem articulados, falantes, têm faculdade… Se a pessoa tem essa tendência, já busca profissões que possam aproximá-la de crianças, famílias, escolas, escolas de esportes como futebol, são alguns dos exemplos”, afirma o psiquiatra.
Deep Web
O nome da operação deflagrada pela Depca faz referência ao ambiente da deep web, local investigado pela Polícia Civil para localizar e capturar os autores dos crimes, uma vez que é lá – e não em sites normais como os acessados pela busca do Google – que os criminosos conseguem acesso ao material com vídeos e fotos de pornografia infantil.
O professor Brivaldo Júnior, da Facom (Faculdade de Ciências da Computação) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), explica como funciona este submundo da internet. “A deep web é como uma internet dentro da internet. A forma mais comum de acessá-la é usando a rede TOR, que foi pensada com o objetivo de tornar o acesso à internet 100% anônimo. No início, o objetivo dela era proteger pessoas que vivem, por exemplo, em regimes ditatoriais ou muito restritivos, para que elas tivessem acesso à internet “pública” como conhecemos. Mas ela acabou se tornando um antro de coisas ruins também”, explica.
O professor compara a Deep Web a um condomínio, onde os moradores conseguem sair para as ruas livremente, mas os de fora precisam de permissão para entrar.
“Imagine a Deep Web como um condomínio. Dentro dele, só os condôminos podem acessar seus recursos, mas estes podem ir para a rua (internet) normalmente, embora quem esteja na “rua” não consiga acessar as coisas dentro do condomínio. O “porteiro” é o TOR”, explica.
Consequências
Em novembro de 2020 uma jovem de 26 anos decidiu denunciar os abusos sofridos pelo próprio pai, após 13 anos de sofrimento. O homem, hoje com 57 anos, engravidou a própria filha e, neste ano, a criança completou nove anos de idade. Os estupros começaram quando ela tinha apenas 11 anos e o criminoso chegou a ser acolhido novamente pela mãe da jovem após sair da cadeia onde cumpriu pena de quatro anos por tráfico de drogas. Ao sair da prisão, o “pai” voltou a procurar a jovem, que está casada, e acabou sendo denunciado através do programa de acolhimento à vítimas de abuso sexual e violência doméstica Promuse, da Polícia Militar do Estado.
O psiquiatra José Alaíde explica que, do ponto de vista psiquiátrico, o abusador também é um doente. “Embora seja um criminoso, ele é um doente, mas que pode responder pelos seus atos diante da lei. Na maioria das vezes, eles têm o que chamamos de doença egossintônica, quando sentir prazer sexual com crianças é normal para eles. Por ser proibido, eles se escondem para não serem vistos”, afirmou.
As consequências para as crianças que sofrem violência sexual incluem baixa autoestima, depressão, dificuldade de relacionamento interpessoal, e podem se estender até a vida adulta, para o casamento e relação com os filhos. Por isso, segundo Alaíde, é comum que, em relações incestuosas – quando os abusos são cometidos por pais com seus filhos e, em menor número, de mães com filhos – haja omissão por parte dos outros integrantes da família que possam ter conhecimento.
“Mais de 90% dos casos dizemos que são conluios, ou seja, mesmo que inconscientemente, todos ao redor sabem. E, quando sabem de forma consciente, sentem temor em denunciar. Durante a pandemia e o aumento do tempo das famílias em casa, esses problemas podem se agravar com o aumento do consumo de álcool e drogas”, diz o psiquiatra.
Em março de 2020, um casal de Costa Rica, a 384 km da Capital, foi preso após denúncia anônima de que o homem, padrasto que convivia há uma semana com a adolescente, a estuprava. Ao ser questionado, o estuprador afirmou que a mãe da menina havia deixado. Apesar de ter 14 anos de idade, ela possuía deficiência intelectual e sua idade mental seria como a de uma criança de apenas seis anos.
Em setembro deste ano, crime parecido ocorreu em Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande. Uma garota de 13 anos usou o WhatsApp para avisar uma psicóloga do Conselho Tutelar que havia sido estuprada diversas vezes. Órfã após a mãe perder sua guarda ao ser presa por tráfico de drogas, ela passou a morar com o avô e o irmão de 16 anos, que a estupraram pela primeira vez. Mandada para a casa da avó, ela também sofreu abusos do ‘vôdrasto’, e decidiu fugir com um rapaz de 20 anos, com quem passou a ter um relacionamento – o que também configurou estupro.
Saiba como denunciar
Promuse – O Promuse é um programa da Polícia Militar do Estado, que faz o monitoramento e proteção de mulheres e crianças em situação de violência doméstica e familiar. Policiais fazem a orientação com objetivo de promover o enfrentamento à violência doméstica, por meio de ações de prevenção, visitas técnicas, conversas com vítimas, familiares e até mesmo com os agressores, fazendo os encaminhamentos aos órgãos da rede municipal de atendimento à mulher em situação de violência.
Existe um telefone que fica conectado 24 horas por dia para socorrer as vítimas, (67) 99180-0542, que funciona como WhatsApp. O programa também tem sala na Casa da Mulher Brasileira, localizada no Bairro Santo Antônio.
Além do programa, as denúncias podem ser feitas através do número 190, da Polícia Militar, e nas delegacias Depca e Deam. Esta última, localizada na Casada Mulher Brasileira, funciona em regime de plantão, 24h por dia, inclusive aos finais de semana e feriados. O telefone para contato da Depca é o (67) 3323-2500, e da Deam o (67) 4042-1324.
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