A cantora Angela Ro Ro morreu nesta segunda-feira, 8, aos 75 anos. Ela estava internada desde julho, quando passou por uma traqueostomia.
A notícia foi confirmada ao jornal O Globo por Laninha Braga, ex-namorada que estava cuidando da cantora, e pelo produtor Paulinho Lima, amigo de longa data da artista. De acordo com a publicação, Angela teve uma parada cardíaca após um procedimento cirúrgico.
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Nascida no Rio de Janeiro em 1949, Angela Maria Diniz Gonsalves recebeu esse nome em homenagem à cantora Angela Maria (1929-2018). Filha única, começou a estudar piano clássico na infância, mesma época em que ganhou o apelido de Ro Ro, por conta de sua voz rouca, que, segundo Angela, ela herdou de sua mãe, a enfermeira Conceição. O pai, Ayenio Diniz Gonsalves, era policial civil.
No início dos anos 1970, foi para a Europa, onde passou por Roma e se fixou em Londres, e lá trabalhou como faxineira em um hospital. Filha de pai baiano, Ro Ro conhecia o cineasta Glauber Rocha, um dos diretores do Cinema Novo. Foi Glauber quem a apresentou a Caetano Veloso, na época exilado em Londres após ser preso pela ditadura militar brasileira.
Foi convidada por Caetano a participar do hoje cultuado álbum “Transa”, no qual tocou gaita na faixa “Nostalgia”, ao lado de Jards Macalé, Áureo Martins e Tutty Moreno. Nessa época, Ro Ro já compunha, mas em inglês, canções que depois foram vertidas para o português.
De volta ao Brasil, na segunda metade dos anos 1970, Ro Ro começou a participar de festivais, como o de Saquarema, em 1976. Apresentada ao público como roqueira, nunca quis fazer frente a Rita Lee, a dona do posto à época. Fugiu o quanto pôde de se lançar como cantora profissional. “Sabia que ia dar merda”, disse, anos mais tarde, ao justificar sua resistência à fama.
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Lançou o primeiro disco, que levava apenas seu nome, em 1979. De imediato, fez sucesso com três canções, “Amor, Meu Grande Amor”, que tem letra de Ana Terra; “Tola Foi Você”; e “Não Há Cabeça”. Pelo menos outras três canções se destacaram, “Balada da Arrasada”, “Agito e Uso” e “Gota de Sangue”.
Neste mesmo ano, participou do especial “Mulher 80”, da TV Globo, no qual aparece tocando piano para Marina, para “Não Há Cabeça”. Anos mais tarde, em entrevistas, Ro Ro afirmava que, nesta mesma época, conheceu Elis Regina (1945-1982) e que ela havia se interessado em gravar uma de suas canções. Afirmava também que um produtor, por homofobia, impediu que Elis conhecesse suas composições.
Em 1980, em seu segundo disco, Ro Ro emplacou “Só nos Resta Viver Gravou Bárbara”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, e o samba-canção “Fica Comigo Esta Noite”. Mostrou sua irreverência — traço de sua personalidade que a marcaria tanto na carreira quanto na vida pessoal — no blues “Meu Mal É a Birita”.
No ano seguinte, depois de sair em manchetes de jornais por uma ruidosa briga com a cantora Zizi Possi, Ro Ro lançou o álbum “Escândalo”, que tinha o mesmo nome de uma canção que Caetano Veloso compôs especialmente para ela. “Se ninguém tem dó/Ninguém entende nada/O grande escândalo sou eu aqui, só”.
Genial como compositora e pianista e com um discurso libertário, moldado pelo humor e pela irreverência, Ro Ro ficaria para sempre associada à palavra escândalo, o que, por muitas vezes, lhe trouxe dissabores na carreira.
No álbum seguinte, como se quisesse se dissociar do rótulo, gravou a balada “Simples Carinho”, de João Donato e Abel Silva, que se tornou um sucesso em sua voz. Na capa do LP, aparecia dentro da água, de cabelos molhados, com um papagaio em uma das mãos.
Como uma possível resposta também, regravou o samba-canção “Demais”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, que havia feito sucesso na voz de Maysa. Cantou também “Camisa de Força”, composição autoral. “No Natal, me dê um camisa de força”, diz trecho da letra. Participou do especial Pirlimpimpim, da TV Globo, baseado na obra de Monteiro Lobato. Cantou “Cuca”, música da vilã que assustava o pessoal do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Em 1983, tem sua consagração como autora ao ser gravada por Maria Bethânia. A canção “Fogueira” foi o grande sucesso do álbum “Ciclo”, o qual Bethânia considera seu melhor disco de carreira. Ro Ro só gravaria “Fogueira” um ano depois, em 1984, no álbum chamado “A Vida É Mesmo… Assim”.
Ro Ro continuou a gravar regularmente nas década de 1980 e 1990 — essa última, em geral, complicada para os artistas da chamada MPB que sofriam com o avanço do sertanejo pop, do pagode romântico e do axé music.
No final da década de 1990, depois de perder os pais, apareceu para o público cerca de 40 quilos mais magra, resultado, segundo ela, de uma mudança de vida que a fez enfrentar a obesidade e o vício em álcool. Voltou a fazer sucesso com a canção “Compasso”, do álbum de mesmo nome, na qual dizia que estava “bebendo água pra lubrificar” e que, agora, tinha como alvo a paz.
Em 2018, ao ser questionada pelo apresentador Pedro Bial para onde havia direcionada sua compulsividade, a cantora respondeu, no programa “Conversa com Bial”: “Para a música, mulheres… Sim, eu sou gay”, disse, para, em seguida, receber aplausos da plateia.
Ro Ro, então, afirmou, nessa mesma entrevista, que foi espancada cinco vezes por homofobia nos anos 1970 e 1980, e que havia perdido a visão do olho esquerdo em uma das ocasiões em que sofreu violência. Acusou agentes da Segurança Pública do Rio de Janeiro. “Quatro (vezes) militares e uma civil”, disse.
Após trabalhos retrospectivos, Ro Ro lançou, em 2017, o álbum “Selvagem”, de canções inéditas, sem grande destaque. Nos últimos anos de vida, passou a fazer shows mais intimistas, tocando piano ou sendo acompanhada pelo músico Ricardo Marc Cord.
Em 2023, foi convidada por Caetano Veloso e participar do show “Transa”, no qual o compositor baiano revisitou o repertório do histórico álbum. No mesmo ano, depois de despertar o interesse do público mais jovem, foi convidada para cantar no Coala Festival, em São Paulo, voltado para artistas da música brasileira. No entanto, horas antes de subir ao palco, Ro Ro cancelou sua participação, alegando estar doente.
Em 2024, lançou dois singles autorais, o samba “Cadê o Samba?” e a balada “Planos do Céu”. Foram seus últimos trabalhos. No primeiro semestre de 2025, Ro Ro pediu ajuda nas redes sociais. Disse estar doente, sem dinheiro e com uma conta bancária bloqueada.
Muitos a ajudaram; outros tantos duvidaram do pedido — resquícios dos tempos nos quais Ro Ro se envolveu em grandes polêmicas, sempre em um processo de autodestruição que lhe deram a pior fama possível, em contraste ao seu grande talento, na qual ela, muitas vezes, deitou.
Angela Ro Ro morreu sendo personagem do próprio grande escândalo — de talento e de vida — que se tornou: uma mulher gay que ousou falar de amor em uma sociedade preconceituosa.
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