Em Campo Grande, mulheres saem da garupa e dão show de empoderamento sobre duas rodas
A história de um moto clube é escrita na estrada, com base em princípios imutáveis de irmandade e liberdade, isso desde o pós-Segunda Guerra Mundial, quando ex-militares projetavam nas motos uma forma de manter a adrenalina do front, até os atuais tempos de paz, em que famílias de Campo Grande são formadas dentro deste estilo […]
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A história de um moto clube é escrita na estrada, com base em princípios imutáveis de irmandade e liberdade, isso desde o pós-Segunda Guerra Mundial, quando ex-militares projetavam nas motos uma forma de manter a adrenalina do front, até os atuais tempos de paz, em que famílias de Campo Grande são formadas dentro deste estilo de vida.
Para as mulheres do Divas MC, um moto clube só de mulheres em Mato Grosso do Sul, esses valores estão atrelados à ideia de independência, e superação de barreias sociais e emocionais. Sempre com humildade e respeito, elas representam o protagonismo feminino no meio “motociclístico” do Estado.
Da garupa até levantar a própria bandeira, tudo começou com um questionamento: “tínhamos carteira de habilitação, existiam clubes mistos, mas só de mulheres eu via apenas em outros estados. Daí, por que não criar algo só pra gente?”, conta a professora, mãe, fundadora e presidente do clube, Ana Rúbia Ávila, de 36 anos, em uma conversa com a cofundadora, Elisângela Lopes, que até então, também andava como garupa.
Em 2015, as duas criaram o Divas no Caminho Moto Garupa, mas ainda não pilotavam. Com o tempo, a paixão pela estrada fomentava um espírito de independência, levando uma das fundadoras a comprar a própria moto. “Eu rodava sozinha no meio dos homens, até que um amigo me falou: Você não está mais na garupa, não tá legal esse emblema de moto garupa na suas costas”, disse Rúbia.
Com o incentivo e já com 6 integrantes, elas evoluíram para o Divas Moto Grupo, no ano de 2016. O tempo foi passando, e com ele, a representatividade delas ganhava novas dimensões, e mais mulheres se interessavam pela ideia de superar os limites e preconceitos impostos pela sociedade, através das duas rodas.
Já em 2017, houve a necessidade de fundar o Divas Moto Clube, com hierarquia, estatuto e graduações. “Era preciso um regimento para explicar a filosofia e como as coisas caminhavam, estávamos crescendo e era preciso de regras, tudo foi degrauzinho com paciência e respeito, eu nunca almejei chegar ao patamar de Moto Clube, as coisas foram acontecendo e nos levou a isso”, afirmou a fundadora.
Superação e igualdade
Além de viajar de moto, incentivar o empoderamento da mulher é uma das marcas do MC. Integrantes que quando conheceram o clube não tinha nem habilitação, hoje são membros atuantes, que opinam e votam, tirando essas mulheres da zona de conforto, as incentivando a desafiar os seus medos.
“É histórico, viemos de uma cultura onde a mulher é submissa. Acreditamos que deve haver uma parceria entre o casal, com a mulher do lado e não atrás. Depois que elas entram no clube ficam mais autoconfiantes, mais corajosas e se tornam mais independentes”, detalhou a presidente.
Em casos isolados, elas já se depararam com atitudes machistas no meio motociclístico, mas souberam passar por cima de todos os preconceitos. “Não aceitávamos isso da família e não aceitaríamos isso de alguém de fora. Hoje é algo mais velado, mas a maioria nos apoia e respeita, assim como respeitamos as suas cores, é algo conquistado e não imposto”, disse ela.
Na rodovia, os perigos são mais latentes para quem anda de moto, mas medo não é um empecilho para elas. Com um curso de manutenção básica e tudo que você pode imaginar de fermentas na bagagem, elas se sentem seguras rodando juntas. “Se a moto estragar e não conseguir resolver o problema, nós paramos e ficamos juntas, ninguém fica para trás”, finalizou.
Recém-chegada
A hierarquia de um Moto Clube é inspirada em patentes militares, próspera é a primeira etapa para quem entra no Divas. Gabriela Rosa, de 32 anos, é uma das mais recentes integrantes do grupo, com quatro meses de estrada. “Eu andava com alguns amigos, mas não me sentia à vontade para perguntar qualquer coisa, só com mulheres é diferente ”, explicou Gabriela.
Ela que só comprou uma moto depois de oito anos de habilitação, encontrou no companheirismo do clube a ajuda para vencer barreiras, em uma viagem com cerca de 500 km até Jataí, no interior de Goiás. “Tinha medo de pegar a br, fui pegando segurança e indo, cheguei chorando sem acreditar que tinha chegado”, disse ela.
Sobre o machismo sobre as duas rodas, ela conta que sempre tem uma conversa ou outra, mas é muito maior o número de pessoas que apoiam e reconhecem a caminhada. Em eventos e sede abertas, ela relata que muita mulher vem conversar com ela, e a recomendação pra todas é de encarar seus medos.
“Falo guria compra uma moto, morria de medo e agora estou pegando segurança. Pode ser que ela nunca compre uma moto, mas pode ser que essa conversa ajuda ela a vencer outro medo. A gente se limita muito e no moto clube aprendemos a superar isso,” finalizou.
Muita história na bagagem
Com mais de 1 ano de caminhada, o olhar experiente de Gislene Corrêa, de 32 anos, também reflete os anseios por um clube só de mulheres. “Minha convivência era mais em um clube misto, mas escolhi ficar com as meninas, porque é um pensamento muito diferente”, explicou.
Segundo ela, quando se tem um clube só de mulheres o pensamento é outro, elas entendem as necessidades das outras, tem cobranças como qualquer outro clube, mas é mais leve em relação a filhos e outras demandas.
“Já ouvi, vocês não podem viajar sem homem, porque pode dar problema mecânico e não vão saber resolver. Podemos nos virar sozinhas na estrada”, disse ela. Atualmente, essas situações são casos isolados, sendo bem recepcionas em qualquer cidade que visitam.
Forjando sua vida em cima de uma moto, ela já conheceu a Capital Federal, em uma viagem com 1100 km só de ida, para o Brasília Moto Week. Em grupo, ela afirma que passou a ver as pessoas com outros olhos, e acolher quem vem de fora. “Somos seres humanos iguais, compartilhando experiências de vida, todos merecem respeito”, finalizou.
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