A história da Vila Bordon começou a ser escrita há mais de 50 anos. O bairro, localizado na região oeste de Campo Grande, teve o frigorífico Bordon como “embrião”. Instalado em meados da década de 1970, a empresa não deu apenas o nome à vila, mas também foi o cordão umbilical que manteve os primeiros moradores ligados àquele espaço.
Os habitantes eram os próprios funcionários que trabalhavam no frigorífico e recebiam a casa em uma espécie de “condicional”. Ou seja, o frigorífico fornecia não só o sustento, mas também a moradia e até a água para as residências, por meio de um grande reservatório que ficava no centro do bairro e, atualmente, está desativado. “A empresa cedia a casa, mas se o funcionário saísse ou fosse mandado embora, tinha que devolver”, explica a presidente do bairro, Adriana Basques.
Adriana dedicou cerca de 20 anos da vida ao frigorífico e foi por meio dele que conseguiu criar os filhos. Aliás, permanecer não foi fácil, principalmente no início, já que algumas das funções foram chocantes para ela. A experiência mais marcante foi o trabalho de limpeza na sessão de abate.
“Quando vim para cá, só tinha trabalhado em casa de família. Me jogaram para o abate e eu não sabia em que buraco estava entrando. Me deram um rodo e disseram ‘você vai limpar’. Eu não passava mal porque estava firme e forte.”
Frigorífico foi cenário até para histórias de amor
Há mais de 40 anos, Sandra Campozano veio de Cuiabá para Campo Grande morar com a mãe e se instalou na Vila Bordon ainda muito jovem.
Aos 16 anos, entrou para o quadro de funcionários do frigorífico. Ficou por pouco tempo, mas o suficiente para passar por várias sessões — de miúdos a enfermaria — e construir a própria história.
Tanto que foi lá que Sandra conheceu o marido, com quem é casada até hoje. “[Conheci meu esposo] na matança, na mesa rolante, trabalhando e ele tirando o couro do boi. Ficava de frente. Não devia ter ficado de frente (risos)”. Pouco depois do casamento, ela saiu da firma, mas o esposo continua trabalhando no frigorífico que, atualmente, pertence à JBS.
De Bordon a JBS
No final da década de 1990 e início dos anos 2000, a JBS (na época ainda conhecida como Friboi) adquiriu vários frigoríficos no Brasil que não estavam em boas condições financeiras.
Entre os fatores que desenharam esse cenário estavam a má gestão, endividamento, crises econômicas e a pressão competitiva que deixaram alguns dos empreendimentos à beira da falência.
Foi exatamente nesse cenário que a JBS entrou. Enquanto outros quebravam, a empresa tinha caixa, crédito e forte apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o que permitiu comprar as plantas por um valor barato e desenvolver rapidamente. Inclusive, o Bordon em Campo Grande foi incorporado à marca e muitos funcionários que já trabalhavam na empresa permaneceram.
Consequentemente, a área que pertencia ao extinto frigorífico Bordon e que formou a vila de trabalhadores passou para as mãos da JBS.
Das cerca de 250 famílias que hoje em dia moram no bairro, pelo menos um dos integrantes trabalha na firma, enquanto outros migraram para outros tipos de atividades ou até se aposentaram.
Do alojamento ao ‘Lar Legal’
Atualmente, os moradores do bairro, formado por apenas três ruas, aguardam a regularização fundiária por meio do programa ‘Lar Legal’ do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A ação tem o objetivo de garantir o direito à moradia e a regularização fundiária de comunidades consolidadas, por procedimento simplificado de jurisdição voluntária.
Conforme o TJMS, no caso da Vila Bordon, a ausência de regularização documental gera insegurança jurídica aos moradores, que não podem registrar seus imóveis ou ter acesso pleno aos benefícios da propriedade formalizada.
Etapas da regularização da Bordon
Além do órgão, a Defensoria Pública, a prefeitura de Campo Grande — por meio da Emha (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários) —, a Agehab (Agência de Habitação Popular do Estado) e a própria JBS estão envolvidas em uma cooperação institucional para dar andamento ao processo. Segundo o TJMS, a ação é dividida em cinco etapas:
- Levantamento de dados (fase atual) a cargo da Emha, como a topografia, o cadastro das famílias e a caracterização social da comunidade;
- Encaminhamento das informações à Defensoria Pública;
- Com base nos dados técnicos e cadastrais, a Defensoria entrará com o pedido de regularização fundiária em juízo, mediante procedimento coletivo de jurisdição voluntária;
- O TJMS apreciará e homologará os pedidos, emitindo decisão declaratória de domínio;
- Por fim, os títulos reconhecidos judicialmente serão encaminhados ao cartório de registro de imóveis para abertura de matrículas individualizadas em nome dos moradores.
Assim, enquanto isso, os moradores continuam esperando e sonhando com o dia em que receberão as matrículas de suas residências. Veja a reportagem na íntegra.
Fala Povo: Midiamax nos Bairros
A história dos bairros de Campo Grande é tema do Fala Povo: Midiamax nos Bairros. Ao longo desta semana, reportagens especiais vão apresentar aos leitores aspectos históricos, indicadores socioeconômicos, demandas populares e peculiaridades das diversas regiões de Campo Grande, culminando com programa ao vivo no sábado. Quer ver seu bairro na série? Mande uma mensagem para (67) 99207-4330, o Fala Povo, WhatsApp do Jornal Midiamax! Siga nossas redes sociais clicando AQUI.
(Revisão: Bianca Iglesias)