Protesto contra destruição de mural de grafite na Orla tem bate-boca e expõe conflito de ideias: ‘não é arte’
Ato em defesa da grafiteira Thaís Maia teve a presença de um dos homens acusados de vandalizar trabalho
Lucas Caxito –
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A grafiteira Thaís Maia e um grupo de artistas realizaram uma manifestação nesta quinta-feira (1º), no palco cultural da Orla, no bairro Cabreúva, em Campo Grande. O protesto foi contra a destruição de um mural de grafite na última terça-feira (30) no local, feito pela Thaís Maia com investimento próprio.
Após semanas juntando dinheiro para a compra de materiais, a ideia, como explica a artista, era fazer um mural “pra ficar de presente pra população, especialmente pras crianças que sempre estão brincando por ali”. No entanto, após 7 horas de muito trabalho, a artista foi surpreendida.
Discussão com interventor
Ao chegar no momento da manifestação na Orla Morena, a equipe de reportagem se deparou com a presença de Eduardo Cabral, 60 anos. Ele foi um dos três homens acusados de vandalizar o trabalho de Thaís Maia. Cabral estava ao lado de sua esposa e assessora Sukiozaki, 57 anos, e ambos estavam nervosos e em uma intensa discussão contra o grupo de artistas presentes e com a vítima da destruição.
“Fui eu quem joguei a tinta em cima. Me chamaram na ‘pressão’, jogaram um tubo de tinta em cima da grama, e no momento, como eu tava de cabeça quente, joguei tinta na parede também”, explicou Eduardo.
“Queremos fazer um mural no palco da orla, com projeto autorizado pela Secretaria de Cultura. Quando fui chamado ao telefone na terça-feira, me disseram que estão pichando toda a orla e falaram ‘vem pra cá agora’. Quando eu cheguei já estavam os ânimos exaltados, eu tirei minha carteira de conselheiro de segurança do Centro, estou presidente da associação de moradores do bairro e perguntei se os grafiteiros tinham autorização. Nessa hora disseram que no local não precisava de autorização, sem autorização, o grafite é pichação”, complementou Cabral.
A esposa dele também argumentou contra o grafite na região, e afirmou que aquelas obras não significam arte. “Não tem autorização? Tá infringindo a lei. Eu quero enfatizar aqui que isso pra mim não é arte, é poluição visual. Para mexer nisso aqui, tem que ter autorização dos moradores para não deixar cair as árvores da orla. Aí agora qualquer um vai chegar e vai vir pichar? Isso não dá”. Disse Sukiozaki, conselheira da região urbana do Centro e esposa de Cabral.
Versão da Thaís
Após este momento de tensão, o casal se afastou e Thaís Maia pôde explicar com calma o que aconteceu naquela tarde de terça-feira. Bastante incomodada com as falas enraivadas e acusações de que seu trabalho não é arte por Eduardo e Sukiozaki, ela contou que após chegar ao local, Eduardo chamou outros dois amigos e fez ameaças contra a ela.
“No momento desceram três caras, esse Cabral, um vizinho ex-policial e um outro que apertou a nossa mão e fingiu ser dono de um trailer de caldo de cana e presidente do bairro. Foram eles que vieram até meu trabalho e causaram isso tudo. Eles me ameaçaram pra caramba, gritaram o tempo todo e me agrediram verbalmente, depois descobrimos que o terceiro homem não é nem dono de trailer e nem presidente do bairro”, contou.
“A gente se juntou, trouxemos todo o material que a gente tinha aqui porque aqui é um espaço de ocupação cultural, então a gente queria agregar aqui, principalmente porque aqui em frente é onde ficam as crianças em dias de feira. Aqui é onde fica o pula-pula, onde tem o algodão-doce, onde as crianças interagem”, explicou.
Há 13 anos trabalhando com a arte, ela conta que essa foi a primeira vez que isso aconteceu.
“Esta é foi a primeira vez que aconteceu algo desse tipo comigo. A população normalmente sempre apoia, tanto que quando a gente estava pintando eu peguei o contato de um monte de morador, porque a galera pediu para fazer na casa deles. Muita gente veio e pediu, ou passavam, tiraram foto, a galera elogiou, desde morador a comerciante. Os comerciantes daqui é a galera que participam dos eventos e feiras, todo mundo se conhece, nunca tinha passado por isso, nem imaginei que eu ia passar”.
“Eles estão acostumados a fazer isso com as pessoas na rua, infelizmente. Ainda mais, a gente que é mulher. Ele viu que eram 2 mulheres que estavam ali, já chegaram gritando, achando que é o dono da razão, sabe, aí agora na frente da imprensa eles estão falando manso com a gente. Agora eles estão falando que não. Eles são tranquilos, mas a gente tem vários vídeos dos caras tacando tinta dos caras gritando, entende? E o resumo da história é esse”, finalizou Thaís.
Para a produtora cultural e professora, Jéssica Cândido, atitudes arbitrárias não devem ser tomadas por quem representa pessoas, e diante de uma situação de violência e desrespeito, a artista tem que ser apoiada.
“Eu acho que alguém que representa pessoas não pode tomar atitudes arbitrárias porque não representa todo mundo. Então chegar e tomar essa atitude autoritária e violenta da própria cabeça e do próprio não entendimento do que é arte, pegar uma tinta e jogar na arte de alguém que gastou do próprio bolso? Como que uma pessoa que se diz representante de um bairro faz isso com a arte de alguém? A gente não está na ditadura, isso não pode ficar dessa forma, por isso fizemos esse movimento de vir para cá”, destacou.
“A gente não aceita mais o hip-hop e arte de rua ser ligado à violência e depredação. Pelo contrário, o hip-hop está aí para mudar a vida das pessoas e da cidade. O hip-hop faz pelas comunidade e periferias onde governo nenhum consegue entrar. Leva cultura, música, arte para as crianças, a galera fazendo do bolso e do coração. O hip-hop em peso está com a Thaís, é inadmissível que isso ainda aconteça, a gente não aceita mais isso”, complementou.
O que diz a lei?
Conforme a Lei 12.408 de 2011, a pichação é crime, já o grafite deixou de ser considerado crime desde que ocorra com o consentimento do proprietário, e com o objetivo de valorizar o espaço público ou privado mediante a intervenção artística.
“Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado”.
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