De assassinato covarde de vereador a feminicídio de professora, casos em comarca contam história de Corumbá

Casos emblemáticos da cidade, de 1863 a 2020, foram relembrados durante comemoração aos 150 anos da comarca mais antiga de Mato Grosso do Sul

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Túmulo do então vereador Edú Rocha (Foto: Nathália Alcântara, Midiamax)

Uma denúncia, uma emboscada, um homem metralhado e um réu absolvido. Este é o enredo do crime que chocou Corumbá no fim dos anos 1950. Até hoje, por exemplo, quem visita o cemitério da cidade avista uma placa, sobre a sepultura 184, mostrando que ali está enterrado Edú Rocha, vereador covardemente assassinado na noite de 24 de julho de 1959.

Nessa terça-feira (26), durante comemoração dos 150 anos da comarca de Corumbá, a mais antiga do Estado, alguns registros de 1863 a 2020 foram relembrados por também contarem a história da cidade.

Neste caso do vereador, por exemplo, consta nos documentos da comarca que o crime foi cometido em frente à Câmara de Vereadores, ao fim da sessão daquela noite. Edú Rocha, cidadão público, esposo e pai, teve a vida ceifada em razão da contravenção que quis expor.

Túmulo de Edu Rocha, morto em 1959. (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Na ocasião, o parlamentar acusou Carivaldo Salles, inspetor da alfândega de Corumbá, pelo crime de contrabando de Cadilacs, o que gerou uma série de reportagens publicadas no nacional O Cruzeiro e enfureceu o acusado.

Quatro anos depois, Cariovaldo foi ao banco dos réus. Dos sete jurados, componentes do júri popular, apenas dois negaram a absolvição. Assim, o que se dizia era “um júri com cartas marcadas”, já que o resultado era de conhecimento de muitos, 14 horas antes do início da sessão. Aliás, os comentários pairavam na cidade e um dos jornais chegou a manchetar, no final de 1963, de forma incisiva: “Justiça de braços curtos”.

Sorteio dos jurados foi feito 43 dias antes

Tribunal do Júri, em Corumbá (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Outro detalhe é que o sorteio dos 21 jurados foi realizado com 43 dias de antecedência e o desembargador, ao apreciar o Habeas Corpus em favor de Cariovaldo, comentou: “Não entendo porque o processo deste crime, tão monstruoso, que abalou profundamente a opinião pública corumbaense e a imprensa de todo o país, vem sendo tão tumultuado pela Justiça de Corumbá. Primeiro, um juiz se licenciou por seis meses, o juiz de paz se deu por impedido…”

O que outrora ficou definido é que a corrupção e a intimidação ocorriam com muita tranquilidade e os poucos incorruptíveis foram recusados pela defesa. Desta forma, restaram apenas dois jurados insuspeitos, os quais impediram a unanimidade, permitindo assim, ao promotor José Mirrha, auxiliado pelo advogado Nelson Trad, de Campo Grande, contratado pela família da vítima, a recorrer do julgamento.

Por fim, enquanto o julgamento acontecia, ainda na madrugada do dia 25, o carcereiro da cadeia pública de Corumbá, refugiou-se na Base Naval de Ladário. Estando sob ameaça de morte por ter confirmado, no julgamento, que alguns dos jurados recusados pela acusação visitavam Cariovaldo, com frequência, na cadeia. Depois de todo procedimento, mais uma vez na imprensa, a notícia dizia: “Cariovaldo Salles voltará a julgamento. E desta vez o povo de Corumbá espera Justiça”.

Cabo assassinado enquanto lia jornal na praça

Marcelle de Saboya, técnica em cultura da FCHP, de Corumbá, relatando crimes da cidade (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Este, assim como inúmeros outros casos, como do assassinato do cabo Heitor da Silva, o madeira, combatente da segunda guerra. O motivo? Vingança, sendo ele atingido a tiros enquanto lia um jornal sentado na mureta da praça, em 1966.

Os outros se referem aos irmãos Bob e William Rodrigues, que envolveu desavenças, prisões e mortes, contam a passagem destes personagens por Corumbá e fazem parte da história da cidade.

Mostrando esta cronologia, até os crimes emblemáticos, como o caso do espião paraguaio Isidoro, o caso dos irmãos Oliveira, o processo do Barão de Vila Maria, a negligência do surto de cólera em Corumbá, o assassinato do italiano Martino Santa Lucce, o desaparecimento da menina Lívisa, o caso da mala até o feminicídio da professora Nádia Sol, no ano de 2020, mostram o conhecimento jurídico empregado desde os primórdios da Justiça.

“Casos bem famosos foram selecionados para serem relembrados aqui. Iniciamos com esse caso do vereador, depois elencando outros casos emblemáticos, desde o século 2019. É um trabalho que fomos atrás de recortes de jornais e documentos que tínhamos da época, inquérito, entre outros, sendo casos de projeção nacional inclusive”, comentou Marcelle.

‘Comarca importante e estratégica’, ressalta desembargador

(Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

“Eu fui juiz substituto aqui em 1986, quando era da comarca de Miranda, então, vinha duas vezes na semana aqui. Sempre foi grande o número de processos e acompanhei todo o crescimento do movimento forense, nestes quase 40 anos, então, posso afirmar que é uma comarca importante e estratégica por ser na fronteira”, afirmou ao Jornal Midiamax o desembargador e coordenador de segurança institucional do Tribunal de Justiça, Wladimir Abreu da Silva.

Presente na comemoração dos 150 anos da comarca, o público acompanhou a inauguração da exposição “Rastros da História”, da cápsula do tempo, prevista para ser aberta no dia 19 de fevereiro de 2074, além das placas e o selo postal comemorativo, tornando a cidade a guardiã da memória da Justiça sul-mato-grossense.

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