Hafiza renova CNH aos 99 anos e resolve tudo com seu carro em Campo Grande

Prestes a se tornar centenária, Hafiza quer manter sua independência com carteira de motorista válida até os 101 anos

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Dona Hafisa em seu carro (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

A porta da cobertura estava aberta para nos recepcionar e ficaram aqueles minutos, aparentemente constrangedores, em que a gente não sabia se entrava ou não. Enquanto isso, Dona Hafiza Abussafi Ennes, de 99 anos, terminava de se de arrumar e fez o gesto como uma gentileza, para nos deixar à vontade. No 13° andar, de um edifício localizado na região central de Campo Grande, tudo chama a atenção. Do requinte da decoração a história dos objetos, passando pelas grandes janelas arejadas até a personagem principal: uma pessoa prestes a se tornar centenária, mas que ainda quer manter a independência e acabou de renovar sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação).

“Eu moro aqui há 31 anos e fui a primeira síndica. Para mim, quanto mais alto melhor. E cada um tem uma educação diferente, então, sei de mim e por isso escolhi aqui. E este apartamento aqui deu uma casualidade, era para ser meu. E aí eu fui fazendo a decoração. Sou uma pessoa simples, mas, muito exigente. E um irmão meu, que era advogado, faleceu, então, muita coisa veio para cá. Éramos em nove irmãos e só eu estou aqui. Aos poucos, fui herdando e também comprando as coisas deles. Gosto de tudo que é antigo, sou conservadora por criação e índole”, afirmou ao MidiaMAIS.

Objetos da casa da D. Hafiza (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Antes de falar da rotina, em que dirige sozinha pelas ruas da cidade, Hafiza nos mostrou as cristaleiras que vieram da França, com grandes bonecos de biscuit franceses, talheres e castiçal de prata da Bolívia, masbaha que ela buscou pessoalmente em Jerusalém, xícaras de café idênticas às servidas no Itamaraty, relógio de 60 anos, filtro de porcelana de 1967, fogão de inox de 1972, além de escarradeiras do tempo de Dom Pedro e móveis de madeira renascença.

“Sou eu quem limpo e faço tudo na minha casa. O que não posso fazer eu compro feito. Eu bordo, faço crochê, faço meu almoço. Acordo, tomo minha colher de cloreto de magnésio e vou fazer as coisas. Prefiro fazer sozinha porque sou muito exigente. Não é qualquer um que me aguenta não. Tenho muito apreço pelo que tenho. Acho minha cama um luxo e tudo isso são boas lembranças do passado”, comentou D. Hafiza.

Idosa fala que acha a sua cama ‘um luxo’ (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Viúva há 31 anos, muda o tom da conversa e nos elogia, dizendo que somos bonitas e estamos “vivendo o dinamismo da juventude”, querendo ainda saber se temos marido. Quando respondemos que não, a resposta – um tanto quanto sábia – nos surpreende.

“Nem sei se compensa, viu. Mas, eu acho assim, que o homem, na vida de uma mulher, é preciso acontecer. É uma experiência válida para a mulher. Ela tem que casar, ela tem que experimentar a vida a dois, porque esta experiência vai valer para o resto da vida dela. Pode dar certo ou não, mas, tem que ter. É um ponto que tem que ser atingido, tem que acontecer”, disse.

Sobre a infância, juventude e casamento, Hafiza resume em algumas palavras. “Nasci no dia 11 de julho de 1924, aqui em Campo Grande. Nunca desrespeitei meu pais. Me tornei professora e me casei. Não tive filhos. Meu marido era estéril. Ele não era impotente, ele era estéril. E nós tivemos o Humberto, que pegamos para criar desde os quatro meses. Ele é filho legítimo da minha irmã caçula, mas, ela adoeceu um tempo e ele sempre ficou aqui conosco. O Beto é o meu contato mais íntimo de família. Foi uma pretensão minha e do meu marido”, relembrou.

Hafiza faz bordados e ainda possui coleção Barsa (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

‘Eu assumi’: marido não queria mais dirigir aos 63 anos

No ano de 1993, quando o esposo tinha 74 anos, Dona Hafiza ficou viúva. “Lembro que ele, com 63 anos de idade, não queria mais dirigir, então, eu que pegava o carro e fazia as minhas coisas sozinha. E assim continuou sendo. Agora, eu só não subo escada. Tenho praticamente 100 anos e tenho medo de ter algo grave. E como eu disse. Eu sou muito exigente. Eu que arrumo minha casa, passo minha roupa e faço a minha comida”, explicou.

Ao completar 90 anos, dona Hafiza disse que o filho não queria que ela dirigisse mais. “Ele é temeroso, falava bastante, mas, eu teimava e ia. Depois, ficou quieto, disse: ‘Bom, a senhora não aceita, então, faz como quiser’. E assim eu fui até julho do ano passado. Aí fui renovar a minha carteira de motorista. Eu não sou de desobedecer o que lei determina, assim como nunca desrespeitei os meus pais e nem o meu marido, então, achei que não iam dar mais. Aí eram três médicos que fizeram o teste. Ficaram conversando quietos e me pediram para retornar no outro dia”, relembrou.

‘A senhora vai poder dirigir até os 101 anos, disseram avaliadores

(Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

No dia seguinte, Dona Hafiza estava lá, no horário marcado. “Cheguei oito horas da manhã e eles ficaram analisando. Tinham cinco médicos. Um cruzou o braço, ficou me olhando. E depois todos disseram que chegaram a uma conclusão, que não tinham que me negar a carteira de motorista. Falaram: ‘Não há um incidente, nenhuma pontuação na carteira, seu carro está novíssimo, bem conservado, não tem sinistro, então, vamos dar a carteira para a senhora por três anos, então, a senhora vai poder dirigir até os 101 anos’. Mas me colocaram um limitação”, argumentou.

Na ocasião, conforme a idosa, os avaliadores disseram que ela não poderia sair de Campo Grande. “Não me deixaram viajar na estrada, explicando que podemos ter um branco, uma falta de presença de espírito e assim acontecer um incidente. Aí eu falei que não dirigiria na estrada mesmo, que quando precisei ia de ônibus ou alguém me leva de carro. De vez em quando, vou pra Corumbá com o Beto [filho] ou pra Ponta Porã com um motorista”, disse.

Recentemente, Dona Hafiza fala de uma ligação. “Uma senhora me ligou contando que trabalha no Detran-MS [Departamento Estadual de Trânsito] e estava admirada de ver a minha documentação e queria me conhecer pessoalmente. Marcamos um encontro na igreja e eu até fui, mas, cheguei e já tinha acabado a missa. Era curtinha, de meia hora só. E aí não deu certo. Ela queria fazer uma entrevista e aí você passou na frente”, brincou e finalizou, com uma gargalhada gostosa.

Veja aqui o depoimento da Dona Hafiza:

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