Três casas, ar puro e o trem: como é o sentimento de quem vive perto da estação ferroviária?
Nesta quarta (17), Dia do Patrimônio Histórico Nacional, MidiaMAIS revisitou a Estação Manoel Brandão e mostra, em linhas gerais, como anda a preservação e proteção desta antiga construção.
Graziela Rezende, Gabriel Neves –
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Três casas e uma estrada de ferro. Parte dos trilhos retirados. O mato tomando conta, mas ainda exibindo restos do que um dia foi sinônimo de grande progresso aguardado para Capital. Mais de meio século depois, filhos e familiares de ferroviários resistem na região em meio ao ar puro e o silêncio que embala parte da nossa cultura e história. Nesta quarta-feira (17), Dia do Patrimônio Histórico Nacional, o MidiaMAIS revisitou a Estação Manoel Brandão e mostra, em linhas gerais, como anda a preservação e proteção desta antiga construção.
Alguns minutos após chegar no local e apreciar a paisagem, avistamos Albani Vieira de Souza, de 72 anos. Simpático, parou o serviço de jardinagem e disse que falaria conosco, deixando as ferramentas e o monte de folhas no chão. “A patroa tá ali, mas já já eu vou”, disse. Em seguida, questionado se mora ali e qual a relação dele com aquela estação de trem, ressalta que convive com os moradores da região há 51 anos e considera ali “um pedacinho do céu”.
“Eu vim para cá em 1972, na época da divisão do estado em que os ferroviários tinham grandes promessas. Hoje, pouquíssimas pessoas passam por aqui e alguns frequentadores, infelizmente, vão de usuários de drogas a gente que descarta entulhos. Só que os moradores resistem e eu gosto. Sinto paz. Falo que é um pedacinho do céu”, comenta Albani.
O presidente do Associação dos Ferroviários, Aposentados, Demitidos e Idosos (Afapedi), Nelson Araújo dos Santos, de 62 anos, também conhece bem a região. Filho de antigo rodoviário da Estação e maquinista por 26 anos, tomou gosto pela atividade e exerceu a função até o ano de 2009. Hoje, lamenta a deterioração, o descaso e diz que as rodovias, sem o devido planejamento, é que levam grãos para todo canto do país e o resultado é a mortandade de animais e asfaltos de péssima qualidade.
Ex-ferroviário cresceu vendo o pai transportando de minérios a passageiros no trem
“Ali na Manoel Brandão, entre a Lagoa Rica, era a estação de carregamento de grãos como soja, milho, trigo e ali também carregava óleo de soja. Como as bases são ali perto, ainda operam, só que hoje é com caminhões. Antigamente, às vezes, faltavam vagões. Saíam de 100 a 120 diariamente, isso no auge da ferrovia, anos 80 e até início dos anos 90, quando os passageiros foram reduzindo gradativamente”, relembrou.
Na época, Nelson comenta que o pai também transportava petróleo e minério. “Ele [pai] entrou na ferrovia no dia 1° de maio de 1955 e eu nasci em 1960, em Água Clara. Ele estava no abastecimento do Maria Fumaça e, em 1965 veio para Campo Grande. Eu entrei na ferrovia em 1984 e trabalhei até 2009. Atualmente ele roda ainda, só que com frequência muito menor. Faz o contorno ferroviário, passa ali perto do lixão, onde até iam fazer um posto intermodal. Passa pelo Indubrasil, segue para Corumbá e depois vai rumo à Bolívia, levando chapa de aço e vergalhão”, explicou.
A gerente de patrimônio da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo), Joelma Arguelho, confirma que a Estação pertence a ALL (América Latina Logística) e conta com ex-ferroviários morando no local, com anuência da empresa. No entanto, quem vive na região não permite acesso ao imóvel, nem mesmo para registros fotográficos.
Fumaça, cheiro e barulho ainda está na memória de quem mora no local
A fumaça, o barulho, a conversa dos passageiros, até mesmo o cheiro do metal ainda está na memória de quem resiste perto desta estação ferroviária. É justamente o caso do pedreiro Robson Lopes, de 44 anos, que passou a infância e juventude acompanhando trens trafegarem há poucos metros de sua porta e hoje tem, na própria casa, recordações de “um tempo que não volta mais”.
Desta forma, ao reviver as memórias, a paixão pelas estações ferroviárias, espalhadas por Mato Grosso do Sul, é expressa não apenas em palavras, mas, no lacrimejar dos olhos, sorrisos e tom da voz. Também filho de ferroviário, Robson mora em uma casa cedida pelo Governo Federal ao pai, ao lado da antiga Estação Manoel Brandão, preservada com a arquitetura dos anos 20, quando o local recebia dezenas de passageiros todos os dias.
Hoje, cercado por vegetação e um campo de futebol, as visitas são restritas a pessoas furtando cobre, ciclistas e alguns curiosos. O pai de Robson, já aposentado, permanece no local e também em um sítio que ajuda a cuidar. Ambos, no entanto, ainda preservam lembranças e falam que a cena comum era acordar e dormir com o som das rodas em contato com os trilhos, o que ele considera prazeroso. “Me acostumei, senti falta quando acabou”, lamentou.
Na primeira casa, onde era a Estação, mora um casal. Estão no local há 26 anos após o marido ser transferido para trabalhar lá, sendo o morador o último “chefe” da estação antes da ferrovia fechar.
Com isso, o espaço onde funcionava a estação foi acoplado a casa. De poucas palavras, os dois preferem ficar longe dos holofotes, câmeras e microfones, mas não conseguem esconder o ar simpático e receptivo.
Parte da história da ferrovia, o quintal do casal ainda é recheado de objetos utilizados na época em que trens cortavam o Estado. Até mesmo uma caixa da água utilizada para abastecer os trens segue intacta no local. Além disso um eixo dos gigantescos veículos ‘enfeita’ o gramado.
Metros adiante está Robson. Apesar de nunca ter trabalhado na estação, o contato com a vida ferroviária vem desde cedo. Aos dez anos, o pai passou a trabalhar na ferrovia, em 1984, foram anos de viagens e mudanças. Na época, Robson passou por Maracaju e Ribas do Rio Pardo, até chegar em Campo Grande, aos 22 anos, se instalando na casa onde ainda reside.
O local é a história viva, as paredes já gastas sofreram com a corrosão do tempo, até mesmo as telhas acima são as mesmas que abrigaram dezenas de famílias, que assim como a Robson, rodavam o Estado por conta dos trilhos de ferro. E as lembranças seguem vivas na memória do morador.
“Tinha de 10 a 15 trens por dia. Passavam mais no período da noite. Lembro da segurança, do movimento de pessoas, até mesmo Martinho da Vila e Almir Sater já consegui cumprimentar. Tempo bom que não volta mais”, comentou com brilho saudosista no olhar.
Recentemente, ao ver obras asfálticas no entorno, fala que a expectativa é de que uma avenida seja construída no local, só que é enfático ao dizer que “entre construir uma avenida e voltar com os trens, prefiro que os trens”.
Preservar a história do tem é de importância vital para as próximas gerações, diz presidente
Ainda retomando a história dos ferroviários, o presidente da associação fala que preservar a história dos trens é de importância vital para as próximas gerações. “Falamos que o ferroviário tem sangue de aço porque é feito sobre trilha. Muitos municípios foram construídos em cima dos trilhos e, quando entresmos no museu, você se depara com a história de 1914, 1930 e 1960. O poder público promete um reforço neste sentido, mas, não cumpre”, argumenta.
De acordo com Nelson, o sonho é que os netos e as demais gerações visitem e acompanhem o museu do trem, conhecendo locomotivas e antigos maquinistas. “Quero que eles [netos] tenham a oportunidade de ir em um trem de passageiros. O museu também, que seja um ponto turístico. Ele foi inaugurado em 2017, na Calógeras, na antiga estação rodoviária. Quando começou eram 4 pessoas, duas cadeiras e uma mesa de madeira. Agora já são 1.150 sócios em todo o Estado”, disse.
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