Chego a um café no centro de Campo Grande e ao descer do carro avisto uma mãe e uma filha entrando no bistrô pontualmente às 9h da manhã, como combinado. A mãe com um vestido estampado de cores quentes, a filha com uma camisa branca, calça preta e tatuagens nos braços. Dois estilos diferentes, mas o mesmo coração dócil passado por geração.

Nina Cavalari e Jaiza Espíndola, respectivamente mãe e filha, são unidas pela saudade do patriarca falecido em 2018. Silvino Espíndola, músico e ex-político que aos olhos da filha e da esposa era singular e à frente de seu tempo.

Nina e Silvino se conheceram em 1970. Ela com 16 anos e ele, com 25. Ambos gaúchos, moravam em duas cidades com 30 km de distância uma da outra. Nina morava em Roque Gonzales e Silvino, em São Luiz Gonzaga. Sanfoneiro e musicista, Silvino era proibido pelos pais de ir à cidade vizinha por ser muita violenta.

Dia dos Pais: Silvino Espíndola deixou a paixão pela música como herança para a filha
(Arquivo Pessoal)

Apesar da proibição, acabaram se encontrando em uma festa onde sua banda tocava. Do encontro saiu um namoro de dois anos, um casamento e uma filha. Logo em seguida se mudaram para , no interior do Mato Grosso do Sul.

Quando a primeira filha completou 21 anos, o casal teve Jaiza. “Ele sempre falava que tinha duas filhas sulinas. Uma do Rio Grande do Sul e uma do Mato Grosso do Sul. Ele não às chamava de filhas, chamava de ‘riquezas'. Uma seguiu para a política e outra para a música, duas de suas paixões”, relembrou Nina.

Depois de falecer repentinamente em decorrência de uma hemorragia intestinal no dia 4 de agosto, aniversário da filha mais velha, Silvino Espíndola deixou para a filha mais nova livros com escritas poéticas. Num momento de sabedoria, instruiu a esposa e filha sobre o que fazer na sua ausência.

No auge de seus 74 anos, o sanfoneiro em seu leito cantou uma última música enquanto olhava só para o céu. “Antes dele morrer, ele disse: ‘estou fazendo uma música pra Jaiza que vai tocar no Brasil inteiro, o país todo vai ouvir''', relembra a conterrânea de Luan Santana.

Musicista de berço

Dia dos Pais: Silvino Espíndola deixou a paixão pela música como herança para a filha
(Arquivo Pessoal)

O pai foi a influência principal para que a filha, Jaiza, seguisse o caminho da música. “Minha mão não queria, mas desde que me entendo por gente todas minhas brincadeiras tinham música e eu vivia brincando com a gaita que era do meu pai, pedia o violão, mas o estudo era a prioridade principal”.

Durante a 5ª série, a filha prometeu que se passasse de ano, queria um violão de presente. Concluído o desafio, recebeu seu prêmio e aprendeu a tocar sozinha o violão que na época custava R$60.

“Meu pai era autodidata, ele aprendeu a tocar sozinho a sanfona, o violão, teclado, tinha um ouvido absoluto pra música. Quando ele chegou em casa e me viu tocando e cantando, viu que não tinha jeito e começou a me ensinar todos dias depois do serviço”, conta Jaiza Espíndola, que além da música, se formou em Psicologia.

Poeta que ensinou a amar

Dia dos Pais: Silvino Espíndola deixou a paixão pela música como herança para a filha
(Arquivo Pessoal)

 

Poeta, a filha e a mãe relembram que Silvino conversava muito por metáforas e que sua vida era . “Às vezes as pessoas não entendiam ele, o jeito dele. Não matava uma formiga porque dizia que ela era importante de alguma forma. Um homem muito sensível, talentoso e intenso. Um artista de coração e que fazia seu trabalho com simplicidade”, relembra a filha.

Em seus livros autorais póstumos, tudo que escrevia em sua intimidade era sobre amor e perdão. O hino que o artista fez para Santa Rita de Cássia, padroeira de Jaraguari, tem a frase que foi colocada em em sua lápide pela família: “Perdão para colher o amor e sorrir para a paz encontrar”.

“Ele falava muito sobre esses temas, e na hora não se percebe o sentido das palavras mas depois vimos que frase por frase tinha algo muito maior por trás”, destaca Jaiza sobre a lição que o pai deixou sobre seguir seus sonhos e fazer algo que realmente gosta para encontrar a paz e o prazer de viver.

A frente de seu tempo

Dia dos Pais: Silvino Espíndola deixou a paixão pela música como herança para a filha
(Arquivo Pessoal)

“Um pai como ele, precisaria nascer de novo. Ele sempre falava de evolução e pensava à frente do tempo em que vivia. Ele dizia: ‘Minha filha, a gente tem que evoluir junto com o mundo. O que passou passou. Tem que pensar daqui pra frente, senão a gente fica pra trás', ele era muito evoluído e contramão da maioria da geração dele”, disse Jaiza.

No dia se seu velório, na Câmara Municipal de Jaraguari, que julgava como sua “segunda casa”, uma multidão de pessoas aguardava para se despedir do músico e ex-político em razão de sua solidariedade.

Os músicos amigos e familiares se reuniram para homenagear Silvino Espíndola e realizar seu pedido terminal. “No dia do meu velório, no dia que eu partir, eu não quero tristeza. Eu quero gaita e violão”. E assim foi no dia 8 de Agosto de 2018.